O empreendedorismo feminino avançou, mas há muito a conquistar
Empreender, para tantas mulheres, não é glamour: é sobrevivência, caminhar com as ferramentas que temos e, ainda assim, abrir espaço para sonhar

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Todo mês de novembro mexe comigo de um jeito muito particular. Entre o Dia do Empreendedorismo Feminino e o Dia da Consciência Negra, sempre me percebo voltando para dentro, revisitando a mulher que eu fui, a que sou e a que sigo tentando me tornar.
Como mulher preta, empreendedora e líder de três empresas, carrego na pele a força e também o peso de construir caminhos em lugares que nem sempre foram feitos para nós. E é impossível não pensar no quanto avançamos, no quanto ainda falta e no que significa, de verdade, ocupar esse espaço com propósito, coragem e afeto.
Em números, o Brasil atingiu um marco histórico: 10,4 milhões de mulheres empreendedoras, segundo um estudo realizado pelo Sebrae, com base em pesquisas do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o que representa um crescimento recorde de 33% nos últimos anos. Os números mostram que cada vez mais mulheres estão avançando na busca por independência financeira, econômica e assumindo o papel de liderança.
Porém, não podemos deixar de considerar os fatores que levam as mulheres brasileiras a empreender. Segundo uma pesquisa da Serasa Experian, 46% das brasileiras abriram o próprio negócio para terem mais flexibilidade. O segundo motivo é a conquista da independência financeira (40%), e ter uma renda complementar (24%) ficou com a terceira posição. As pesquisas revelam ainda que a maioria das empreendedoras, 52% delas para ser mais específica, são chefes de domicílio, ou seja, responsáveis, e muitas vezes as únicas, pela renda da família.
Empreendedorismo é inovação
Como amante da inovação, tenho refletido muito sobre a maneira na qual fomos ensinados a olhar sempre para o futuro quando o assunto é tecnologia, como se o passado fosse apenas um arquivo morto. Mas e se, na verdade, as tecnologias que podem transformar o nosso presente estiverem justamente nas práticas ancestrais africanas que o mundo insiste em invisibilizar?
Muitas dessas práticas, saberes transmitidos de geração para geração, modos de organização e saberes coletivos levam milhares de mulheres pretas a se tornarem empreendedoras. É a dona de casa que precisa complementar renda, a que está em busca de liberdade financeira, a que começa a empreender para complementar renda… Os fatores são muitos, assim como a criatividade e a força de vontade dessas mulheres, que atuam em áreas diversas.
Aqui no Brasil, coletivos como o Ilê Omolu Oxum, na Bahia, e organizações como o Kilombo Urbano, em São Paulo, mostram como valores ancestrais podem orientar práticas de cuidado, educação, economia solidária e resistência política nas periferias. São tecnologias sociais que atuam onde o Estado falha e que criam redes de proteção para populações negras e periféricas.
Acredito profundamente que o futuro da tecnologia passa pelo reconhecimento dessas heranças. Não se trata de romantizar o passado, mas de entender que, sem ele, qualquer inovação se torna vazia, desconectada das necessidades reais das pessoas. É justamente nessa encruzilhada entre tradição e inovação que o afrofuturismo surge como uma bússola potente.
Sigo acreditando (e vivendo na prática) que inovar também é honrar quem veio antes de nós. Empreender, para tantas mulheres, não é glamour: é sobrevivência, é reinvenção diária, é caminhar com as ferramentas que temos e, ainda assim, abrir espaço para sonhar. Que o Brasil precisa, urgentemente, de políticas públicas, formação, incentivo e portas abertas.
Mas também sei que cada uma de nós, que já chegou a algum topo, por menor que seja, tem a responsabilidade de abrir caminho para outra mulher subir também. Porque o futuro que quero construir é um lugar onde nenhuma de nós precise escolher entre existir e prosperar.