Como o capacitismo alimenta a fenômeno da pessoa impostora
Cada conquista de uma mulher com deficiência abre caminho para que outras brilhem sem dúvidas

(Crédito: Shutterstock)
Quando reconheço meu percurso, deixo de lado o fantasma da impostora. Percebo a luz onde existe luz. E é exatamente isso que quero encorajar outras mulheres e pessoas com deficiência a fazerem. Não se trata de inflar o ego, mas de dar legitimidade às nossas histórias.
Muito prazer. Sou Carolina Ignarra. Pode parecer arrogante o que você vai ler aqui, mas por favor leia até o final. Hoje, quando me apresento, faço questão de falar da minha história como mulher com deficiência, também como mãe, como empreendedora e como alguém que construiu uma empresa com propósito, ao lado da minha amiga e sócia Juliana Ramalho. São mais de 9 mil pessoas com deficiência inseridas no mercado de trabalho em quase duas décadas de atuação.
Sou top voice do LinkedIn, estou na lista da Forbes como uma das 20 mulheres mais poderosas do Brasil em 2020, recebi o prêmio de melhor profissional de diversidade da revista Veja em 2018, representei mulheres com deficiência no NGO CSW Forum da ONU em 2024, já publiquei seis livros e escrevo artigos sobre inclusão em importantes veículos, como esta coluna no Women to Watch, do Meio & Mensagem.
Todas essas conquistas são fruto de dedicação e de desafios diários contra barreiras arquitetônicas, comunicacionais e, principalmente, atitudinais que me desafiam todos os dias. Foi preciso muito tempo para que eu mesma compreendesse que não havia arrogância em compartilhar minhas vitórias. Aprendi a valorizar meus marcos.
A jornalista Ana Paula Padrão tem uma frase muito potente sobre isso e que me desperta: “Não sou uma pessoa modesta. Sou uma pessoa humilde. Não sou arrogante, mas tenho muita consciência da minha capacidade e do meu valor”.
E quem nunca, mesmo depois de alcançar resultados expressivos, sentiu aquela pontada de dúvida, como se o sucesso conquistado fosse uma farsa prestes a ser descoberta? Esse é o chamado Fenômeno da Pessoa Impostora, descrito pela primeira vez pelas psicólogas Pauline Clance e Suzanne Imes, em 1978. Nos anos 2000, foi chamado de Síndrome da Impostora, pela especialista Valerie Young, e agora a expressão volta ao seu nome de origem.
Ela descreve uma desordem psicológica que atinge pessoas competentes e bem-sucedidas, mas que vivem em constante dúvida sobre suas próprias conquistas. Com medo de não corresponder às expectativas, desvalorizam os próprios resultados e mergulham em perfeccionismo e autocrítica.
Apesar de estar presente em muitos grupos, a porta de entrada desse fenômeno ainda é, majoritariamente, a experiência feminina. Mas não para por aí: quando falamos de grupos minorizados, como as pessoas com deficiência, o impacto é ainda mais profundo.
Sei bem o quanto o capacitismo alimenta esse ciclo de insegurança. Capacitismo é a forma de discriminação que subestima, infantiliza e limita as pessoas com deficiência. É um comportamento estrutural, que pode vir de forma explícita ou em microagressões, mas que sempre deixa marcas.
A pesquisa “Radar da Inclusão: mapeando a empregabilidade da pessoa com deficiência” revelou que 9 em cada 10 pessoas com deficiência e/ou neurodivergentes já sofreram capacitismo no ambiente de trabalho. E o dado mais alarmante: 84% afirmaram que sua saúde mental foi impactada por esse comportamento.
Quando essas falas e atitudes se repetem diariamente, a consequência é o fortalecimento da dúvida interna. São justamente essas frases capacitistas, comuns no dia a dia corporativo, que acionam o fenômeno da pessoa impostora. Por exemplo:
– “Você só conseguiu essa vaga por causa da cota”, o que significa: “Você não merece estar aqui”.
– “Você é um exemplo de superação”, o que significa: “Você só vale se for extraordinária.”
– “Você nem parece ter deficiência”, o que significa: “Melhor disfarçar quem você é.”
– “Deixa que eu faço porque para você é mais difícil”, o que significa: “Você não é capaz o suficiente.”
– “Nossa, mas você trabalha?”, o que significa: “Seu lugar não é no mercado de trabalho.”
Essas expressões, carregadas de julgamento, transmitem a mensagem de que o lugar da pessoa com deficiência nunca é legítimo. E, assim, a autoestima vai sendo corroída, a ponto de muitas vezes não reconhecermos o valor das nossas próprias conquistas.
Alguns caminhos que me ajudam a não cair na cilada do fenômeno da pessoa impostora e podem ajudar você, mulher com deficiência e todas as outras mulheres são:
– Reconheço minhas conquistas com dados e fatos. Não é autopromoção, é realidade. A nossa trajetória é legítima.
– Questiono minha autocrítica. Quando nos comparamos com padrões inalcançáveis só reforçamos a insegurança.
– Procuro construir uma rede de apoio. Seguir junto com pessoas aliadas fortalece e traz novas perspectivas.
– Valorizo ambientes inclusivos. Quando a cultura apoia a diversidade, o fenômeno da pessoa impostora perde espaço.
– Celebro minha autenticidade. Orgulho de ser quem somos com as nossas deficiências, nossas imperfeições e nossos desafios fazendo parte da construção de quem somos.
– Escolho contextos que reconheçam minha autenticidade. Isso nos permite fortalecer nossas potências sem questionar nossa capacidade frente às nossas conquistas.
O capacitismo insiste em colocar sobre nós, mulheres com deficiência, a responsabilidade de provar, a cada instante, que somos capazes. Mas, a verdade é que não precisamos provar nada. Porque cada conquista de uma mulher com deficiência é um ato político de resistência, e cada reconhecimento abre caminho para que outras também brilhem sem dúvidas, sem desculpas, sem pedir licença.