Violência em mulheres no climatério aumenta risco de doenças
Pesquisa da Universidade de São Paulo associa violência de gênero na fase a doenças ginecológicas e comorbidades crônicas
Um novo estudo conduzido pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) revelou que mulheres no climatério, período de transição entre a vida reprodutiva e a não reprodutiva, apresentam sequelas significativas quando expostas à violência doméstica, com efeitos diretos na saúde ginecológica, na sexualidade e no bem-estar psicológico.
A pesquisa mostrou que, em comparação ao grupo sem histórico de violência, as mulheres que sofreram abuso apresentaram taxas mais altas de:
– Endometriose (28% contra 10%);
– Infecções ginecológicas (32% contra 10%);
– Incontinência urinária (58% contra 26%);
– Dor pélvica crônica (82% contra 26%);
– Vaginismo (42% contra 6%), condição caracterizada pela contração involuntária da musculatura vaginal, o que dificulta ou impede a relação sexual.
A análise da função sexual mostrou que, embora disfunções também tenham sido relatadas no grupo de controle, as vítimas de violência apresentaram menor desejo e maior dor durante as relações sexuais. De modo geral, o desconforto sexual foi quase duas vezes mais frequente entre essas mulheres: 76% contra 46%.
Muito além das sequelas físicas
As repercussões não se limitaram à esfera ginecológica. O estudo identificou também maior prevalência de doenças crônicas associadas ao estresse:
– Casos de diabetes foram nove vezes mais comuns entre as vítimas (18% contra 2%)
– Hipertensão arterial quase o dobro (54% contra 32%)
Esses achados sugerem que a violência doméstica impacta o funcionamento metabólico e cardiovascular, reforçando a hipótese de que o estresse crônico decorrente das agressões pode contribuir para o surgimento ou agravamento dessas condições.
“A violência doméstica não se restringe ao momento da agressão. Ela repercute na saúde sexual, reprodutiva, mental e social da vítima. São mulheres que apresentam maior sofrimento físico e psicológico, com impacto em toda sua vida: acadêmica, social, familiar e sexual. O trauma se manifesta nos sintomas no corpo e na mente, deixando danos muitas vezes irreparáveis”, afirma a pesquisadora Débora Krakauer.
Todas as participantes do grupo de estudo relataram ter vivenciado algum tipo de violência ao longo da vida: 74% física, 66% sexual e 80% psicológica. A maioria sofreu agressões na vida adulta e, em 90% dos casos, os episódios foram recorrentes, evidenciando o caráter repetitivo da violência doméstica.
Violência superior à média global
De acordo com os últimos dados da série histórica sobre violência doméstica no Brasil, em 2024, mais de 21 milhões de brasileiras, 37,5% do total de mulheres, sofreram algum tipo de agressão. A pesquisa “Visível e Invisível: a Vitimização de Mulheres no Brasil”, do Datafolha e encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, foi iniciada em 2017, e apontou um aumento de 8,6 pontos percentuais acima do resultado de 2023, o maior percentual desde o início da série.
O estudo também destaca que 1 em cada 10 mulheres sofreram abuso sexual, totalizando 5,3 milhões de mulheres, ou seja, 10,7% do total da população feminina do país. No Brasil, o percentual de mulheres que sofreram alguma violência cometida pelo parceiro ou ex-parceiro é superior à média global: 32,4% contra 27%, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS).
Dentre os principais tipos de violência estão:
– Ofensas verbais: 17,7 milhões (31,7%);
– Agressão física: 8,9 milhões (16,9%);
– Ameaças de agressão: 8,5 milhões (16,1%);
– Perseguição: 8,5 milhões (16,1%);
– Abuso sexual: 5,3 milhões (10,7%);
– Divulgação de fotos ou vídeos íntimos sem consentimento: 1,5 milhão (3,9%).
“A violência deixa marcas que não são apenas emocionais, mas também físicas, como dores crônicas, disfunções sexuais e maior incidência de doenças crônicas. É essencial que os profissionais estejam preparados para identificar esses sinais e oferecer um cuidado integral, que abranja desde a prevenção até a reabilitação”, concluiu o Prof. Dr. José Maria Soares Júnior.
A pesquisa, intitulada “Sexualidade e saúde mental da mulher climatérica vítima de violência doméstica”, foi conduzida pela mestranda Débora Krakauer, do Programa de Pós-Graduação em Obstetrícia e Ginecologia da FMUSP, sob orientação do Dr. José Maria Soares Júnior, professor associado e chefe do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da instituição.
O estudo avaliou mulheres entre 40 e 65 anos, divididas em dois grupos: vítimas de agressões e participantes sem histórico de abuso.