Opinião

Marketing é humano – o resto são dados 

Empresas acumulam montanhas de dados, mas sem organização eles se transformam em peso morto

Lucia Bittar

Diretora de Marketing de Mobile Experience da Samsung Brasil 29 de outubro de 2025 - 7h21

(Crédito: Shutterstock)

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Em plena era de adoração aos dados, vou cometer uma heresia: dado não serve para nada sem o olhar correto. Pior. Pode nos paralisar ou até nos levar a caminhos completamente errados. Hoje, o volume de informação é tão grande que o risco não está na escassez, mas no excesso.

Empresas acumulam montanhas de dados, mas sem organização eles se transformam em peso morto. Nós, executivos, olhamos quilômetros de dashboards e gráficos, mas, se não enxergarmos nuances, caímos em armadilhas. A verdade é simples: dado sem interpretação e atualização não traz valor. 

Após uma experiência traumática e um erro que cometi, olho os dados com lupa, respeito — e até certo medo. Há alguns anos, em outra empresa, participei de um teste de embalagens que mostrava, na média, uma opção mais atrativa. Decidimos mudar. O resultado foi desastroso: as vendas despencaram.

O erro estava na leitura superficial. Ignoramos os heavy users, consumidores mais frequentes e que sustentavam a categoria. Eles rejeitaram a nova embalagem porque ela havia perdido os códigos de categoria, elementos visuais que garantem reconhecimento imediato, como cores, símbolos, formas ou layouts que o consumidor associa diretamente ao produto. Sem esses sinais, o produto perdeu familiaridade e confiança no ponto de venda. Provavelmente meus antigos gestores já nem se lembram e a empresa segue firme, mas a experiência me marcou para sempre. 

Esse episódio me ensinou algo fundamental: confiar em dados não significa aceitá-los de forma cega. Temos que humanizar os resultados, olhar recortes, cruzar variáveis, questionar o óbvio. Sem esse pente-fino cuidadoso, o risco é grande de chegarmos a conclusões precipitadas, estratégias equivocadas e perdas reais de negócio. 

Dados não falam por si — eles exigem interpretação. E isso só pode ser feito por mentes humanas. Não qualquer uma: mentes atentas e curiosas. 

Outro ponto crucial é a gestão adequada das bases. Porque basta um detalhe malcuidado para comprometer toda a estratégia. Um número desatualizado pode significar mensagens que nunca chegam ao consumidor. Um e-mail inválido aumenta a taxa de rejeição e reduz a entregabilidade de toda a base. Uma data de nascimento incorreta faz uma marca oferecer presentes de 15 anos para alguém que já tem 30.

Pessoas mudam de fase de vida, ganham novas prioridades e, se o dado não acompanha, o retrato do consumidor se torna obsoleto. O resultado? Decisões equivocadas, comunicações irrelevantes e experiências frustrantes. 

Qualquer inteligência artificial ou sistema de personalização só funciona se os dados forem vivos, confiáveis e constantemente trabalhados. É aí que a mágica acontece — e que nos entrega relevância. Caso contrário, a comunicação se torna ruído, não serviço. Em vez de agregar valor, irrita. 

O futuro do marketing não será definido pelo volume de dados acumulados, mas pela capacidade de transformá-los em decisões seguras, personalização consistente e relações de valor com o consumidor. 

Mas o desafio vai além, porque o dado, sozinho, não caminha. Ele só ganha vida quando processado por algoritmos, conjuntos de instruções que transformam informação bruta em direção estratégica. E esses algoritmos também têm a sua jornada marcada pela velocidade.

Nos anos 1970 e 1980, predominavam os algoritmos descritivos, voltados a reunir dados dispersos e gerar relatórios básicos. A partir dos anos 1990, surgiram os diagnósticos, capazes de identificar padrões de comportamento e oferecer análises mais refinadas. Nos anos 2000, com o avanço da capacidade computacional e do big data, chegamos ao estágio preditivo, que antecipa preferências e começa a recomendar conteúdos e produtos. Já na última década, entramos no patamar prescritivo, em que o sistema praticamente elimina a escolha e entrega diretamente o que considera mais adequado. 

No TikTok, por exemplo, não existe mais tela inicial neutra; a curadoria está pronta. Confiamos tanto nesse desenho invisível que não percebemos como nossas escolhas são, em grande parte, orientadas. 

Esse ponto é decisivo porque aproxima o debate sobre dados da realidade da inteligência artificial. Uma pesquisa encomendada pela Samsung sobre conhecimento e uso da AI no dia a dia, com entrevistados de todas as classes sociais, idades entre 18 e 55 anos e residentes em todas as regiões do país, aponta que 92% dos entrevistados utilizam ou já utilizaram ferramentas de AI. Mas a questão não está apenas no volume, e sim no efeito. Do feed das redes sociais às recomendações de compra, da seleção de playlists às ofertas de e-commerce, a IA já pauta silenciosamente o cotidiano. 

Daí a centralidade da ética que permeia o nosso cotidiano profissional. Trabalhar com algoritmos, nesse contexto, exige uma responsabilidade diária: a revisão constante de critérios, a checagem de vieses, a atenção ao impacto real de cada escolha automatizada.

Se isso é ganho em conveniência, também carrega riscos. Porque, assim como no tratamento dos dados, a confiança cega no algoritmo pode nos levar a perder nuances, reforçar vieses e reduzir o espaço da escolha. O futuro do marketing, portanto, não será ditado pela potência da máquina em acumular informações ou prescrever caminhos, mas pela nossa capacidade de humanizar esses sistemas, garantindo que a tecnologia sirva como ponte, e não como desvio. 

E aqui vai uma mensagem final, para nós, como consumidores, e não profissionais de marketing: usar o algoritmo a nosso favor. Não deixar que ele nos influencie demais. Manter a visão crítica sempre alerta.