Marketing é humano – o resto são dados
Empresas acumulam montanhas de dados, mas sem organização eles se transformam em peso morto

(Crédito: Shutterstock)
Em plena era de adoração aos dados, vou cometer uma heresia: dado não serve para nada sem o olhar correto. Pior. Pode nos paralisar ou até nos levar a caminhos completamente errados. Hoje, o volume de informação é tão grande que o risco não está na escassez, mas no excesso.
Empresas acumulam montanhas de dados, mas sem organização eles se transformam em peso morto. Nós, executivos, olhamos quilômetros de dashboards e gráficos, mas, se não enxergarmos nuances, caímos em armadilhas. A verdade é simples: dado sem interpretação e atualização não traz valor.
Após uma experiência traumática e um erro que cometi, olho os dados com lupa, respeito — e até certo medo. Há alguns anos, em outra empresa, participei de um teste de embalagens que mostrava, na média, uma opção mais atrativa. Decidimos mudar. O resultado foi desastroso: as vendas despencaram.
O erro estava na leitura superficial. Ignoramos os heavy users, consumidores mais frequentes e que sustentavam a categoria. Eles rejeitaram a nova embalagem porque ela havia perdido os códigos de categoria, elementos visuais que garantem reconhecimento imediato, como cores, símbolos, formas ou layouts que o consumidor associa diretamente ao produto. Sem esses sinais, o produto perdeu familiaridade e confiança no ponto de venda. Provavelmente meus antigos gestores já nem se lembram e a empresa segue firme, mas a experiência me marcou para sempre.
Esse episódio me ensinou algo fundamental: confiar em dados não significa aceitá-los de forma cega. Temos que humanizar os resultados, olhar recortes, cruzar variáveis, questionar o óbvio. Sem esse pente-fino cuidadoso, o risco é grande de chegarmos a conclusões precipitadas, estratégias equivocadas e perdas reais de negócio.
Dados não falam por si — eles exigem interpretação. E isso só pode ser feito por mentes humanas. Não qualquer uma: mentes atentas e curiosas.
Outro ponto crucial é a gestão adequada das bases. Porque basta um detalhe malcuidado para comprometer toda a estratégia. Um número desatualizado pode significar mensagens que nunca chegam ao consumidor. Um e-mail inválido aumenta a taxa de rejeição e reduz a entregabilidade de toda a base. Uma data de nascimento incorreta faz uma marca oferecer presentes de 15 anos para alguém que já tem 30.
Pessoas mudam de fase de vida, ganham novas prioridades e, se o dado não acompanha, o retrato do consumidor se torna obsoleto. O resultado? Decisões equivocadas, comunicações irrelevantes e experiências frustrantes.
Qualquer inteligência artificial ou sistema de personalização só funciona se os dados forem vivos, confiáveis e constantemente trabalhados. É aí que a mágica acontece — e que nos entrega relevância. Caso contrário, a comunicação se torna ruído, não serviço. Em vez de agregar valor, irrita.
O futuro do marketing não será definido pelo volume de dados acumulados, mas pela capacidade de transformá-los em decisões seguras, personalização consistente e relações de valor com o consumidor.
Mas o desafio vai além, porque o dado, sozinho, não caminha. Ele só ganha vida quando processado por algoritmos, conjuntos de instruções que transformam informação bruta em direção estratégica. E esses algoritmos também têm a sua jornada marcada pela velocidade.
Nos anos 1970 e 1980, predominavam os algoritmos descritivos, voltados a reunir dados dispersos e gerar relatórios básicos. A partir dos anos 1990, surgiram os diagnósticos, capazes de identificar padrões de comportamento e oferecer análises mais refinadas. Nos anos 2000, com o avanço da capacidade computacional e do big data, chegamos ao estágio preditivo, que antecipa preferências e começa a recomendar conteúdos e produtos. Já na última década, entramos no patamar prescritivo, em que o sistema praticamente elimina a escolha e entrega diretamente o que considera mais adequado.
No TikTok, por exemplo, não existe mais tela inicial neutra; a curadoria está pronta. Confiamos tanto nesse desenho invisível que não percebemos como nossas escolhas são, em grande parte, orientadas.
Esse ponto é decisivo porque aproxima o debate sobre dados da realidade da inteligência artificial. Uma pesquisa encomendada pela Samsung sobre conhecimento e uso da AI no dia a dia, com entrevistados de todas as classes sociais, idades entre 18 e 55 anos e residentes em todas as regiões do país, aponta que 92% dos entrevistados utilizam ou já utilizaram ferramentas de AI. Mas a questão não está apenas no volume, e sim no efeito. Do feed das redes sociais às recomendações de compra, da seleção de playlists às ofertas de e-commerce, a IA já pauta silenciosamente o cotidiano.
Daí a centralidade da ética que permeia o nosso cotidiano profissional. Trabalhar com algoritmos, nesse contexto, exige uma responsabilidade diária: a revisão constante de critérios, a checagem de vieses, a atenção ao impacto real de cada escolha automatizada.
Se isso é ganho em conveniência, também carrega riscos. Porque, assim como no tratamento dos dados, a confiança cega no algoritmo pode nos levar a perder nuances, reforçar vieses e reduzir o espaço da escolha. O futuro do marketing, portanto, não será ditado pela potência da máquina em acumular informações ou prescrever caminhos, mas pela nossa capacidade de humanizar esses sistemas, garantindo que a tecnologia sirva como ponte, e não como desvio.
E aqui vai uma mensagem final, para nós, como consumidores, e não profissionais de marketing: usar o algoritmo a nosso favor. Não deixar que ele nos influencie demais. Manter a visão crítica sempre alerta.