Como as empresas podem ajudar a evitar o esgotamento materno
A sobrecarga feminina ainda é um tema naturalizado. Mundo corporativo precisa tomar iniciativas para apoiar as mães profissionais
Como as empresas podem ajudar a evitar o esgotamento materno
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Lidia Capitani e Lidia Capitani
17 de maio de 2023 - 16h00
Cobranças, idealizações, acúmulo de tarefas, oscilação hormonal, mudanças corporais, inseguranças, culpa e solidão, esses são alguns dos aspectos que permeiam a vida das mães. Uma pesquisa de 2022 entre a comunidade de mães da Revista Mommys identificou que 49% diziam sentir que estavam num ‘limbo emocional’, ou seja, quando não conseguem distinguir suas emoções. Além disso, 62,7% afirmaram ter uma sensação de vazio, seguido da sobrecarga e cansaço. Dentre elas, 25,9% faziam terapia e 9% declararam ter uma doença mental, como depressão e ansiedade.
“O que mais me chamou atenção na época em que fizemos essa pesquisa foi que as mães não têm noção que estão exaustas, e como isso ficou normalizado”, reflete Mariana Bicalho, Diretora Executiva da Revista Mommys. “As mulheres acham que tem que ser assim, que a obrigação delas é dar conta de tudo”, continua.
O resultado dessas cobranças excessivas é o burnout materno, condição de esgotamento extremo das mães que causa uma série de sintomas físicos e emocionais. Dentre eles, cansaço, fadiga crônica, despersonalização, tontura, insônia, dor de cabeça, além das mudanças de humor, irritabilidade, frustração, sentimentos de derrota e insuficiência. Se não tratada, a condição pode evoluir para um quadro depressivo.
“O que leva a mulher a entrar num esgotamento materno, são várias camadas. A gente tem causas emocionais, psíquicas, físicas e as causas de ordem prática da vida. Tudo isso vai compor um quadro que traz sintomas muito parecidos com o burnout. E hoje, a gente até já fala de um burnout materno”, explica Simone Nascimento, palestrante, consultora e Head de Soluções em Saúde Mental da B2Mammy.
Além das responsabilidades sobre um ser vulnerável, a própria gravidez traz mudanças de ordem hormonal e física que impactam a mulher. “O seu corpo muda drasticamente, os seus hormônios mudam e você, às vezes, nem se reconhece mais como a pessoa que era antes”, diz Simone. A vida segue seu curso e acrescenta uma série de questões como o volume de trabalho, problemas financeiros, familiares e do próprio relacionamento. “Fora isso, quando nasce o bebê, você se depara com a necessidade de se desapegar da ideia da maternidade romantizada, na qual o filho é idealizado, o companheiro participa, sua rede de apoio vem te ajudar. Isso quase nunca acontece de forma natural”, prossegue a especialista.
A pesquisa realizada pela comunidade materna Mommys contou com 634 mães, entre 25 e 59 anos, e revelou ainda que 28,2% não têm com quem dividir as tarefas de casa. Entre o 71,8% que possuem ajuda, a grande maioria segue presente em todas as atividades: pouco mais de 80% realizam tarefas domésticas, supermercado e outras compras e acompanham as tarefas escolares. 75,3% dessas mães também assistem as atividades extracurriculares e 91% estão presentes nas consultas e tratamentos médicos dos filhos.
A relação trabalho e maternidade ainda é espinhosa e capaz de gerar estresse e esgotamento entre as mulheres. Não apenas pelas demandas de ambas as funções, mas também pela insegurança de permanecer no emprego após a licença maternidade. De acordo com a pesquisa “Elas: Comportamentos e barreiras”, de 2022, da Nielsen em parceria com o Opinion Box, 75% das mulheres afirmam que a gravidez é usada como razão para questionar seu trabalho, e 88% acreditam que a possibilidade de engravidar é considerada um motivo para não serem contratadas.
“48% das mulheres não conseguem retornar ao trabalho depois da maternidade no Brasil”, reflete Roberta Sotomaior, CEO e Fundadora da Bloom Care, healthtech de cuidados da saúde feminina e familiar. O dado refere-se ao estudo “Licença-maternidade e suas consequências no mercado de trabalho do Brasil”, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), de 2016, em que destaca que a taxa de desemprego após um ano do início da licença maternidade.
“O que a gente tem acompanhado é que existe uma ansiedade, um medo muito grande de não conseguir conciliar os dois na volta”, continua a CEO. “Já está mais do que na hora das empresas assumirem a responsabilidade do impacto que o trabalho tem na saúde e oferecer ferramentas e soluções personalizadas para quem trabalha”, afirma.
Esse apoio às mães perpassa, primeiramente, pela garantia da segurança psicológica no ambiente corporativo. Isso significa uma cultura que dá espaço para o erro, para o contraditório, onde as pessoas podem se expressar livremente, sem medo de julgamentos ou represálias. “Eu considero que iniciativas como a concessão de benefícios, auxílio-creche, a flexibilização de horário e a discussão da parentalidade dentro das empresas são capazes de mudar o cenário para que essa mulher não esteja fora do mercado de trabalho após a maternidade”, descreve Simone.
A flexibilização de horário e a possibilidade do home office não somente beneficia as mães, mas também permite que os pais estejam mais presentes. Logo, o envolvimento paterno e a conscientização dos funcionários homens também são iniciativas indicadas pela especialista. “Se você constrói um grupo de parentalidade, isso é um ganho infinito para as mulheres que trabalham nessa empresa, porque traz para o centro da conversa a outra pessoa responsável pelo filho dela. Quando você conscientiza, você tira a sobrecarga que é criar um filho sozinha”, afirma.
Para além das recomendações da especialista, surgem cada vez mais soluções de startups que se dedicam à saúde da mulher e da família, especialmente impulsionada pelas femtechs. “As empresas mais inovadoras já começaram a entender que os benefícios de saúde do futuro serão inclusivos”, destaca Roberta Sotomaior.
Para suprir esta demanda, a Bloom Care acabou de lançar a “Jornada Saúde Mental Materna”, um programa de acompanhamento transdisciplinar voltado para mães que recebem o acesso à plataforma como um benefício corporativo. Em parceria com pesquisadores do Instituto de Psiquiatria da USP, o projeto desenvolveu um protocolo de psicoterapia breve para depressão materna realizado via teleconsulta e baseado em ativação comportamental, uma modalidade de terapia cognitivo-comportamental, cujo objetivo é reduzir sintomas da depressão.
“O benefício da Bloom Care traz mais saúde para essas mulheres, mas também traz ganhos enormes para quem está investindo, que são a redução de custos com saúde, aumento da produtividade, do engajamento e também maior diversidade, uma vez que atrai e retém mais mulheres”, ressalta Roberta.
“Eu vejo a maternidade como um grande desafio para a mulher, não só do ponto de vista prático, mas também da necessidade de desconstruir aquele ideal da mãe perfeita. Isso é o primeiro passo para que a mulher evite cair na cilada de carregar tudo sozinha e se esgotar”, diz Simone Nascimento. Somado a isso está a necessidade de mudar a postura das mães e da família frente aos cuidados com a saúde. Roberta Sotomaior destaca que sua principal missão é transformar o engajamento com a saúde, ou seja, educar para a prevenção e pela qualidade de vida.
Uma forma de buscar informação, e recomendação de Simone, são grupos e rodas de conversas entre mães. “Na primeira infância, não existe troca, existe o trabalho do cuidado, mas você não tem o retorno da conversa, da interação. Quando você tem a possibilidade de encontrar outras mães, isso é um afago e faz muito bem”, diz a especialista em saúde mental. Além disso, a construção de uma rede de apoio também é de grande importância, mesmo que ela não surja de forma espontânea. “Ter uma rede de apoio é fundamental e a gente precisa buscar, pedir ajuda e aceitar quando ela vem”, reforça.
A ajuda externa, além de dividir a carga de tarefas, também tem outra função essencial. “O papel da rede de apoio é dar tempo para que essa mulher seja ela mesma, além de mãe”, reflete Mariana Bicalho. “A vida dela não tem que ser resumida à maternidade. Ela continua sendo mulher, profissional, esposa. Ela tem vários papéis e ser mãe é mais um”, continua.
A realidade das mulheres brasileiras, destacada pela pesquisa da Mommys, são mães que não têm tempo para cuidar de si. Apenas 33,6% das entrevistadas afirmaram ter algum hobby e pouco menos da metade, 45,7%, praticam atividade física.
“É fundamental que ela lembre que existia uma mulher antes. O que ela gosta? O que lhe dá prazer? O que a inspira? Para onde ela gosta de fugir e ficar quietinha? O que a consola? Precisamos manter essa mulher viva. Ela não pode morrer com a maternidade, porque é ela que vai sustentar essa jornada. Eu considero que uma mulher que está bem, é uma mãe muito melhor”, lembra Simone Nascimento.
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