Entre polêmicas e diálogos: 10 anos do podcast Mamilos

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Entre polêmicas e diálogos: 10 anos do podcast Mamilos

Em ano de celebração de uma década de existência, Juliana Wallauer e Cris Bartis falam sobre a evolução do Mamilos e o futuro para além do podcast 


26 de abril de 2024 - 10h36

Juliana Wallauer e Cris Bartis, apresentadoras do podcast Mamilos (Crédito: Divulgação)

Em uma era digital marcada pela avalanche de informações e conversas superficiais, o podcast Mamilos – Diálogos de Peito Aberto surgiu como um marco na mídia brasileira. Celebrando agora dez anos de existência, a história do programa é uma narrativa de curiosidade, conexões e colaboração. Tudo começou em 2014, quando Juliana Wallauer participou do podcast Braincast, pertencente ao grupo B9 e comandado por Carlos Merigo, num episódio que discutia o teste de Bechdel, ao lado da mineira Cris Bartis, até então uma conhecida.  

Logo, as duas perceberam que a dinâmica e a química criativa entre elas poderiam dar origem a algo inovador. Juntas, Cris e Juliana embarcaram na aventura de criar um podcast que não apenas discutisse temas relevantes, mas também pavimentasse o caminho para vozes femininas em um espaço até então dominado por homens.  

Com o apoio do B9, que forneceu os equipamentos e as ensinou a operar a mesa de som, elas começaram o que seria uma jornada de dez anos de discussões “de peito aberto”. A ajuda que receberam foi crucial, não apenas no sentido prático, mas também como exemplo da importância do apoio masculino para o avanço das discussões feministas. Hoje, as tecnologias de produção e distribuição estão cada vez mais acessíveis, o que também promoveu o despertar da onda dos podcasts que viria nos anos seguintes. 

“Quando o Mamilos surgiu, em novembro de 2014, estávamos em plena época de eleições, um momento que marcou o início da polarização intensa que vemos hoje”, lembra Juliana. “As redes sociais estavam repletas de discussões acaloradas, onde amizades eram desfeitas por divergências em temas como privatização, aborto e drogas”, continua.  

Com a intenção de criar um espaço de diálogo, reflexão, empatia e respeito mútuo, o Mamilos conseguiu se firmar como um oásis em meio a um cenário conturbado. “O diferencial do nosso trabalho é a abordagem. Não buscamos explorar os temas de maneira superficial ou jocosa, mas, sim, entender profundamente o que está acontecendo e como podemos conectar pessoas e ideias”, explica Juliana. 

Em cada episódio, as apresentadoras escolhem temas urgentes da esfera pública e trazem convidados para aprofundar as discussões. “Buscamos pessoas que valorizam o diálogo, que são genuinamente boas e bem-intencionadas, e não aquelas que veem suas opiniões como verdades absolutas, mas sim como contribuições para um debate maior”, afirma Cris Bartis. 

Uma década de podcast

“A evolução do Mamilos ao longo desses 10 anos reflete as mudanças que ocorreram não apenas em nós, mas também no mundo e no mercado”, diz Bartis. A busca por vozes cada vez mais diversas foi um dos pilares que movimentou a evolução do programa. A pandemia forçou que o podcast fosse gravado de forma remota, mas isso também propiciou uma diversidade regional para os debates. “Conversar com pessoas de diferentes regiões do país nos proporciona visões complementares e enriquecedoras sobre diversos assuntos”, afirma. 

No início, a audiência do Mamilos era predominantemente masculina, visto que o cenário da época era marcado por uma predominância dos homens na indústria dos podcasts. Porém, ao longo do tempo, houve uma mudança para uma maioria feminina.  

“Muitas mulheres que começaram a ouvir o Mamilos foram introduzidas ao podcast pelos homens de suas vidas”, conta Juliana. “Mas hoje em dia, é o oposto. Encontramos homens que nos dizem: ‘Minha esposa adora vocês, ouvimos juntos no café da manhã e depois discutimos’. Isso demonstra uma mudança significativa, pois agora são as mulheres que influenciam os homens a ouvir o programa.”

O podcast evoluiu em diferentes aspectos: das pautas à condução dos debates, da profissionalização ao aumento e engajamento da audiência. “Nossa comunidade é o motor que impulsiona o Mamilos”, continua a mineira. Os “mamileiros” e “mamiletes” são os apelidos carinhosos que as apresentadoras chamam seus ouvintes mais fiéis, aqueles com quem mantêm uma troca constante de feedbacks.  

“Recebemos constantemente sugestões e feedback dos ouvintes, que enriquecem nossas discussões e nos mantêm conectadas à realidade e às necessidades de quem nos acompanha. É essa retroalimentação que nos mantém ativas após uma década de trabalho”, conta Cris. 

Para as podcasters, esse contato com a audiência foi fundamental para adaptar o programa conforme a evolução do mercado e as necessidades do público. Ao perceberem, durante a pandemia, que existia uma demanda por conteúdos mais leves, as apresentadoras criaram o subproduto Mamilos Cultura, a fim de trazer um refresco dos temas e do contexto denso que vivíamos.  

“Essa nova abordagem foi extremamente bem recebida, mostrando que mesmo falando de cultura, continuamos a explorar os grandes temas da sociedade e o comportamento humano de uma maneira que ressoa fortemente com nossos ouvintes”, destaca Juliana. “Isso ilustra uma lição valiosa: podemos renovar e diversificar nossos formatos sem perder a essência do que faz o Mamilos ser o Mamilos”. 

Na trincheira contra o ódio

Com dez anos de estrada, as apresentadoras passaram por importantes momentos da sociedade brasileira e perceberam como a abertura para o diálogo diminuiu. “As pessoas estão exaustas pelo consumo excessivo de informações, um fenômeno que abordamos no Mamilos como ‘economia da atenção’ e ‘infoxicação’. Além disso, percebo um fortalecimento do viés de confirmação, que limita ainda mais a abertura a perspectivas distintas”, reflete Cris. “Isso impacta o engajamento em conversas, pois muitos acreditam que não têm nada a acrescentar ou simplesmente porque é doloroso encarar opiniões divergentes”. 

Mesmo assim, a comunidade “mamileira” permanece fiel às conversas profundas e ao diálogo empático. Frequentemente, as apresentadoras ouvem comentários emocionados dos ouvintes. “Esta semana mesmo, um homem me disse que começou a ouvir o Mamilos porque foi apresentado pelo seu esposo, e que um episódio específico teve um impacto profundo em sua vida. Ele estava visivelmente emocionado e agradecido”, conta Cris. “Isso me enche de orgulho pela capacidade do Mamilos de traduzir a complexidade do mundo em conversas sérias, mas ao mesmo tempo leves, o que permite que mais pessoas se envolvam nos assuntos abordados.”  

Perspectivas femininas

Desde sua criação, o Mamilos enfrentou uma série de desafios relacionados à percepção de seu conteúdo, especialmente em comparação com outros podcasts da época, que eram predominantemente masculinos. “A questão era: por sermos duas mulheres à frente do projeto, nosso conteúdo seria automaticamente classificado como ‘para mulheres’? Isso sempre nos incomodou, pois discutimos temas universais, relevantes a todos, independentemente do gênero.”, diz Cris. 

“Apesar de nossos temas não serem exclusivos a um gênero, a abordagem é inevitavelmente influenciada pela nossa perspectiva feminina”, reforça Bartis. “Isso se reflete na seleção dos temas, na maneira como conduzimos as discussões e até na escolha dos convidados”, continua. Essa reflexão constante permeia o processo criativo das criadoras, tornando sua identidade feminina uma força motriz essencial na maneira como criam e apresentam seus conteúdos. 

A seleção das pautas, por exemplo, reflete não apenas os interesses pessoais das criadoras, mas também a consideração sobre quais temas são importantes do ponto de vista feminino. Embora discutam assuntos universais, como política e economia, também abordam questões como violência doméstica, menstruação e carga mental, trazendo à tona perspectivas que podem ser negligenciadas em outros espaços midiáticos. 

“Acredito que a essência de ter duas mulheres à frente do Mamilos reside no valor que trazemos ao definir e conduzir os temas das discussões, enriquecendo o diálogo público com nossas perspectivas”, destaca Juliana. Além disso, a intimidade e o envolvimento emocional, característicos do formato dos podcasts, facilita o engajamento do público com conteúdos complexos. 

“É crucial ter mulheres discutindo e pensando a sociedade, promovendo diálogos. Mulheres como Deia Freitas, que conquista o público com seu humor e sarcasmo, e Camila Fremder, que faz companhia e diverte, são exemplos de como precisamos de vozes femininas influenciando, educando e entretendo por meio dessa mídia”, reforça a apresentadora. 

Novos projetos

A trajetória do Mamilos foi marcada pela expansão, com novas ideias e projetos, mas que sempre retornam aos princípios e valores essenciais do podcast. “Hoje, percebemos que nosso propósito é ainda mais crítico, urgente e relevante do que era há uma década. Aprendemos muito, construímos uma rede de apoio forte e agora temos maior capacidade de gerar impacto”, reflete Juliana. 

Com esse propósito, as criadoras expandiram o conteúdo e a atuação para além do podcast. “Lançamos o ‘Mamilos Entrevista’, um novo produto em vídeo, apresentando tanto figuras conhecidas quanto pessoas novas relevantes para a sociedade, e o ‘Mamilos Debate’, que continua dedicado a temas específicos”, explica Bartis.  

A novidade agora é a nova frente de negócio que elas pretendem explorar: a consultoria em diálogo, que surgiu como resposta à demanda de mercado por uma melhor comunicação em ambientes corporativos. O que antes era feito de maneira reativa, agora ganha estrutura sob o nome “Milos”. “Assim como mediamos diálogos diversos no podcast, buscamos oferecer essa mesma diversidade de perspectivas para as instituições que atendemos. A ideia é substituir o confronto pela convivência, usando a palavra como ferramenta principal”, reflete Cris.  

Ouvir. Essa é a essência do Mamilos, que agora é traduzida no Milos. Por meio da escuta ativa, as podcasters, agora empreendedoras, podem propor soluções de diálogo sob medida para cada ambiente e tema em questão. “Nossa habilidade está em traduzir questões complexas de forma que todos possam compreender e, mais importante, com o objetivo de que sejam tocados e transformados pela experiência”, explica Juliana. 

“Enfrentamos desafios típicos do empreendedorismo, especialmente sendo mulheres, mas estamos aprendendo e nos dedicando a expandir nosso impacto, levando nossas práticas de mediação de diálogo para além do ambiente online”, acrescenta Cris. “O que realmente nos move é a vontade de promover diálogos em diferentes espaços, além do podcast. Esse é o nosso verdadeiro propósito, e agora estamos nos organizando para tornar isso possível.” 

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