28 de janeiro de 2025 - 12h42

Pequena África, área de herança africana no Rio de Janeiro formada pelos bairros da Saúde, Gamboa, Centro, Santo Cristo e Praça Onze (Crédito: Reprodução/Instagram)
Ludi-K é uma cantora negra, não binária, que se identifica com os pronomes ela, ele e elu. Em 2018, fez uma vaquinha online para gravar seu álbum. Não foi suficiente. Diante das dificuldades, fundou a Púrpura Produções, uma produtora e home studio que busca captar recursos para acelerar as carreiras musicais de pessoas trans e demais LGBTQIAPN+ e promover a capacitação de jovens por meio de workshops de música e produção cultural.
Com a ajuda de editais de cultura, conseguiu comprar equipamentos para a empresa, que fica sediada na Pequena África, região reconhecida como marco histórico e cultural da população negra e que fica na Zona Portuária do Rio de Janeiro, onde desembarcaram mais de 1 milhão de pessoas escravizadas. O negócio de Ludi-K é um dos listados pelo Mapa Empreendedor da Pequena África, um estudo que lança luz sobre o cenário empreendedor da área e que é fruto de uma parceria entre o Grupo L’Oréal Brasil e o Centro Integrado de Estudos e Programas de Desenvolvimento Sustentável (CIEDS).
O mapa se desdobrará em um catálogo unificado de potenciais fornecedores da região, a fim de contribuir para dar visibilidade e ampliar a possibilidade de negócios para pequenos empreendedores como Ludi-K:
“Para nós, pessoas trans e periféricas, o acesso às oportunidades é mais difícil. Participar desse mapeamento legitima nossa atuação e nos ajuda a avançar em nossos projetos. Essas conexões são fundamentais para inserirmos nossos artistas no mercado, que é majoritariamente dominado por homens, rompendo ciclos de exclusão.”, explica Ludi-K.
Ao todo, 185 empreendimentos foram mapeados. Os números revelam o ecossistema diverso da região: 69% dos empreendedores se autodeclaram pretos ou pardos, e 71% são mulheres cisgênero. A maioria (54%) dos empreendimentos está voltada para áreas como artesanato, gastronomia e moda, enquanto 17% atuam em entretenimento e cultura, incluindo turismo, comunicação e produção cultural e de eventos.
O estudo também revelou que 75% empreendedores têm seus negócios como principal fonte de renda. Eles vão desde estabelecimentos físicos (58%) até digitais (18%). Uma parcela dos empreendedores também atua em suas próprias residências na região.
Eu acompanhei de perto o desenvolvimento deste mapeamento. Tanto o CIEDS quanto a L’Oréal têm sedes na Pequena África. Essa proximidade contribuiu na construção de uma relação direta e significativa com o território e seus atores. A ideia de criar o mapa surgiu no setor de compras da L’Oréal Brasil, sob a liderança de Flávia Bitencourt, gerente da área, que percebeu a riqueza de talentos na região e a possibilidade de conectá-los com grandes empresas. A iniciativa nasceu inspirada no projeto do Movimento pela Equidade Racial (Mover) de mapeamento de afrofornecedores especialmente em São Paulo.
Desde o primeiro dia em que começamos a desenhar este projeto, queríamos gerar valor compartilhado para a Pequena África, que tanto nos inspira. Esse mapeamento representa um esforço conjunto de valorização da região e a possibilidade de influenciar o ecossistema. Trata-se de um convite para olharmos para o empreendedorismo e a cultura como conexão entre o passado e o presente.
Este é o caminho que escolhemos para promover a construção de mais possibilidades com a comunidade, e não para a comunidade. Seja de forma direta ou indireta, acredito que muitas outras empresas vão aprender com esses empreendedores e, juntos, continuaremos trabalhando no desenvolvimento desta região.
Não é possível falar em desenvolvimento sem autonomia financeira. Quando os empreendedores se desenvolvem, criam novos produtos e serviços, contribuem para o aumento da produção e do consumo, gerando um ciclo de investimentos, criação de empregos e aumento do poder de compra da população.
Investir em empreendedores e em regiões de grande valor histórico e cultural como a Pequena África é fundamental para a construção de um Brasil mais justo e produtivo e deve ser parte fundamental do compromisso de inclusão das grandes empresas.
No caso da L’Oréal, isso vai ao encontro do programa global L’Oréal Para o Futuro, que traçou metas objetivas de sustentabilidade para a companhia até 2030, e do trabalho do grupo com as comunidades do entorno de sua área de atuação, garantindo proximidade.
Estar presente na Pequena África nos conecta diretamente com suas histórias e desafios. Recentemente, promovemos uma Feira de Oportunidades na região que, junto a outras empresas e instituições, ofereceu 10 mil vagas de emprego e formação profissional. A feira e o mapeamento são grandes exemplos de colaboração e mobilização.
Os dados devem inspirar políticas públicas inclusivas que facilitem o acesso a recursos financeiros e também mobilizar o setor privado a investir na região, criando um ciclo de desenvolvimento sustentável e equitativo.
Formada pelos bairros da Saúde, Gamboa, Centro, Santo Cristo e Praça Onze, a Pequena África tem nos ensinado muito por ser um lugar histórico e sagrado e que segue em franca expansão econômica desde o início dos movimentos de revitalização, que começaram em 2009, com o projeto do Porto Maravilha.
Hoje, o Largo da Prainha, a Pedra do Sal e o Cais do Valongo são referências históricas e de lazer. Mas a pulsação vai muito além do turismo. A região começa a receber empreendimentos imobiliários. Serão 27 mil unidades habitacionais entregues nos próximos três anos, pelos cálculos da prefeitura. Um ambiente mais do que propício para a abertura de mais negócios na área.