O que é ser mulher no Brasil. Cenas da vida real
Gabriela, Klara, as funcionárias da Caixa e a menina grávida aos 11 anos só mostraram uma realidade que muita gente – inclusive algumas mulheres – não quer enxergar
O que é ser mulher no Brasil. Cenas da vida real
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11 de julho de 2022 - 0h05
As últimas semanas foram deprimentes para as mulheres brasileiras. Uma sucessão de notícias nos faz – ou deveria nos fazer – questionar se realmente estamos avançando na pauta dos direitos femininos, no aumento do respeito e da equidade. No mundo real, as tragédias se repetem com um grau de brutalidade que insinua que cada passo à frente dado é sucedido de dois para trás. E que as narrativas ainda são muito mais bonitas que a realidade.
Gabriela Samadello Monteiro de Barros é procuradora-geral da prefeitura de Registro, em São Paulo. Incomodada com as frequentes reclamações de mulheres que se sentiam ameaçadas pelo comportamento agressivo de um colega – o também procurador Demétrius Oliveira Macedo – propôs um procedimento administrativo. Em 20 de junho, Demétrius reagiu. Dentro da prefeitura e diante de testemunhas, deu uma sequência de socos, pontapés e empurrões em Gabriela. Ela foi arrastada pelos cabelos e jogada contra a parede. Tudo foi filmado. A brutalidade das cenas, transmitidas ad nauseam, é espantosa. Dois dias depois, a Ordem dos Advogados do Brasil publicou uma nota de repúdio, dizendo que Demétrius “pode” perder o direito de exercer a advocacia. Na hora, suspeitei que o verbo – “pode” – era um equívoco. Mas era só mais um soco na cara de Gabriela.
Em 21 de junho, o site The Intercept publicou a história de uma menina de 11 anos que, grávida de 22 semanas, havia sido impedida de abortar por uma juíza de Santa Catarina. Sexo com crianças é considerado estupro de incapaz, pela legislação brasileira. É uma das situações que preveem a realização do aborto. “Você não aguentaria mais um pouquinho?”, perguntou a juíza a uma menina de 11 anos. Levada para um abrigo, ela teve de aguardar duas semanas para realizar um procedimento previsto em lei. O que fica na cabeça dessa menina? Um estupro, uma gravidez, um aborto, a humilhação – aos 11 anos.
No dia 25, a atriz Klara Castanho, de 21 anos, usou as redes sociais para dizer que havia sido vítima de estupro, que tivera um filho e que resolvera entregá-lo para a adoção. Esse era o enredo de um drama que, possivelmente, ela e qualquer mulher carregariam sozinhas, dentro de si próprias. Mas Klara foi estuprada duas vezes. Há indícios de que uma enfermeira presente no momento do parto repassou a informação a jornalistas especializados em fofocas. Também foi repercutida uma dublê da atriz e influencer. Trocou-se a dignidade e a privacidade de uma mulher por cliques e curtidas.
Em 28 de junho, o site Metrópoles publicou uma série de denúncias de assédio sexual de funcionárias da Caixa, um dos maiores bancos do país, propriedade do Estado brasileiro, contra seu presidente, Pedro Guimarães. Segundo essas mulheres, Pedro usava sua posição de liderança para se insinuar, constranger e tocar bundas, seios e genitais das subordinadas, consideradas por ele “atraentes”. Usava termos chulos, aparecia em trajes sumários, dava abraços não consentidos, abusava da popular “mão boba”. Denúncias de assédio feitas diretamente à Caixa teriam sido ignoradas. Pedro Guimarães foi demitido pelo presidente da República no dia seguinte. Em um artigo publicado na Folha de S.Paulo, Guimarães afirmou que é alvo de uma rede de difamação e que vai provar sua inocência. Uma mulher foi colocada em seu lugar.
Tudo isso veio à tona num intervalo de sete dias. Sete dias que expuseram o que ainda pode significar ser mulher no Brasil. Gabriela, Klara, as funcionárias da Caixa e a menina grávida aos 11 anos só mostraram uma realidade que muita gente – inclusive algumas mulheres – não quer enxergar.
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