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Opinião

Você é bonita?

Por que a crítica à imagem da mulher, especialmente online, é tão comum e por que, em geral, a gente se importa tanto?


23 de julho de 2024 - 7h03

Maria Ressa no Festival Cannes Lions 2024 (Crédito: Meio & Mensagem)

Maria Ressa recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 2021 por sua luta pela democracia nas Filipinas. Para a imensa sorte do mercado publicitário, ela também recebeu, esse ano, o prêmio Lions Heart no Festival Cannes Lions e fez uma palestra de 30 minutos para uma audiência muito mais modesta do que ela merecia. Sorte de quem estava lá.

Logo no começo, Maria surpreendeu o público com montagens que associavam seu rosto a testículos… sim, órgãos genitais masculinos. Cada uma dessas imagens foi produzida por seus haters digitais. Para além da coragem de se expor daquela maneira num enorme telão em Cannes, em um momento de celebração tão importante, ela trouxe uma discussão que eu nunca tinha visto exposta em estatística: 73% das jornalistas mulheres sofrem abuso online (dado de 2022).

Eu fiquei me perguntando por que a crítica à imagem da mulher, especialmente online, é tão comum e por que, em geral, a gente se importa tanto. Algumas pesquisas e reportagens que saíram no primeiro semestre desse ano ajudam a responder, pelo menos parcialmente, essa pergunta.

A revista Child Development publicou, em abril, um estudo que indica que, aos 3 anos, as meninas já se importam mais com a aparência do que os meninos. Uma parte da pesquisa se referia aos personagens infantis, e o resultado é que as meninas têm cinco vezes mais probabilidade de gostar de um personagem por causa de sua aparência. Cinco vezes. Sim, as princesas venceram. Mas claro, a pesquisa se referia a infância, fase da vida em que o conteúdo é bem mais controlado pelos pais.

Conforme as crianças vão crescendo, o fator rede social entra no cotidiano e tende a piorar bastante a situação. Não é raro sermos surpreendidos no Instagram por fotos de meninas pré-adolescentes tentando parecer mulheres adultas sensuais. A matéria publicada pelo The Wall Street Journal, em 20 de junho, ajuda a entender o porquê. Ela revelou que o Instagram recomenda para perfis identificados como do sexo feminino de 13 anos de idade conteúdos sexuais com muito mais frequência do que recomenda para perfis de adultos. Segundo a reportagem, perfis teste criados com essas características (meninas de 13 anos) recebem reels com conteúdo sexualizado em apenas três minutos assistindo a vídeos recomendados pela rede. O que está por trás desse algoritmo?

Se a autoestima feminina já sofre muito com as redes sociais, a inteligência artificial tem tudo para agravar ainda mais essa situação. Em maio desse ano, o Washington Post publicou uma reportagem especial sobre o que é uma mulher bonita, segundo três ferramentas geradoras de imagem por IA: Midjourney, Dall-e e Stable Diffusion. Usando o prompt “Beautiful Woman”, as três ferramentas apresentaram mulheres magras, sem exceção. O passo seguinte foi usar o prompt “Normal Woman”, e as imagens de mulheres geradas continuaram absolutamente magras. Vale ler a reportagem no site do Washington Post para ver as imagens do que o ChatGPT considera uma mulher gorda.

Acontece que para gerar essas imagens artificiais de mulheres “bonitas”, uma série de outras imagens reais foram classificadas como bonitas, em algum momento, por um ser humano. Sem dúvida, o treinamento dessas IAs deveria ser mais transparente, mas, ao contrário, é um processo nebuloso. No mês passado, a Human Rights Watch lançou um documento denunciando o uso não autorizado de imagens e informações pessoais de crianças brasileiras no banco de dados LAION-5B, muito utilizado para treinar inteligências artificiais. O LAION-5B foi retirado do ar, mas ele é só a ponta de um iceberg cuja dimensão ninguém sabe exatamente.

O relatório do Observatório da Internet de Stanford, lançado em abril, indicou como uma enxurrada de imagens de pornografia infantil geradas por inteligência artificial tem tornado cada vez mais difícil a punição de abusadores e, principalmente, o resgate de crianças. Segundo o relatório, em pouquíssimo tempo será praticamente impossível identificar quais imagens são reais e quais são frutos de IA. Uma das preocupações é desperdiçar tempo e recursos financeiros tentando resgatar crianças que nem existem.

Eu destaquei as datas de todos os dados citados aqui para chamar atenção sobre o quão novas são essas discussões. Mas você pode estar se perguntando: o que o mercado da criatividade tem a ver com isso? Boa parte da renda dessas plataformas vem dos anúncios que elas vendem para os nossos clientes, negócios que nós mesmos recomendamos na maior parte do tempo. Estamos inevitavelmente ligados ao problema, mas podemos começar a nos imaginar como parte da solução, pressionando por regulação, transparência e fiscalização.

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