Miopia do marketing é revisitada

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Miopia do marketing é revisitada

Talvez uma visão mais estreita seja melhor negócio; algumas empresas sobreviveram por estreitar seus nichos


2 de janeiro de 2014 - 8h30

Por Al Ries, do Advertising Age

Há 53 anos, a Harvard Business Review publicou o que se tornou um dos artigos mais citados de uma revista ou jornal: “A miopia do marketing”, de Theodore Levitt. Talvez seja hora do profissional de marketing apontar a miopia do pensamento administrativo. Uma miopia que minou companhias como Kodak, IBM, Sears, Xerox, Dell, Hewlett-Packard e muitas outras.

A administração se apaixonou pelas marcas sem perceber que cada marca tem uma fraqueza potencialmente fatal. Uma marca representa uma categoria. Uma vez que uma marca se torne fortemente incutida na mente do consumidor, é quase impossível mover aquela marca para outra categoria. Além disso, a administração continua a focar em empurrar suas amadas marcas para mais e mais categorias. Essa é a miopia que aflige a alta gerência.

O que a miopia de marketing tem feito

Uma das ironias sobre o artigo de Ted Levitt é que a estratégia que ele recomendou pode ter contribuído à miopia administrativa de hoje.

Aqui está a citação mais famosa do artigo: “As ferrovias não pararam de crescer porque a necessidade dos passageiros e de transporte de carga diminuíram. Isso aumentou. As ferrovias enfrentam problemas hoje não porque aquela necessidade tenha sido atendida por outros serviços (carros, caminhões, aviões e mesmo telefones), mas porque não foi preenchida pelas próprias ferrovias. Eles deixaram outros tomarem seus clientes porque assumiram a si mesmos como sendo do negócio ferroviário mais que do negócio de transporte”.

Deixe-me repetir: “Assumiram a si mesmos como sendo do negócio ferroviário mais que do negócio de transporte”.

Você conhece alguma empresa de “transporte” bem sucedida? Eu não.

·         Há companhias aéreas bem sucedidas: Southwest e JetBlue.
·         Há companhias de entrega/logística bem sucedidas: FedEx e UPS.
·         Há companhias de oleodutos bem sucedidas: Kinder Morgan e Magellan.
·         Há companhias de contêineres bem sucedidas: Maersk e MSC.
·         Há companhias de cruzeiros bem sucedidas: Carnival e Royal Caribbean.

E estranhamente há companhias ferroviárias bem sucedidas. Mas como elas se tornaram bem sucedidas é uma história que vale a pena ser contada.

Salvando o negócio ferroviário

Ted Levitt estava certamente correto em sua afirmação de que a indústria ferroviária estava com problemas. Em 1960, ano em que “A miopia do marketing” foi publicado, uma das maiores ferrovias dos Estados Unidos era a New York Central.

Em 1968, a New York Central se fundiu com a riva Pennsylvania Railroad para formar a Penn Central, que foi à falência em 1970.

Pela minha experiência vejo companhias ansiosas por pular para uma nova categoria que pareça ameaçar a sua própria, quando uma melhor estratégia seria fazer exatamente o oposto.

Que é exatamente o que a indústria ferroviária afinal fez. Em vez de ficar no negócio de passageiros e cargas, como a Penn Central, as ferrovias bem sucedidas de hoje são focadas em frete. E estão indo muito bem.

Na última década, as quatro maiores companhias ferroviárias dos Estados Unidos  (Union Pacific, Burlington, Northern Sante Fe, CSX e Norfolk Southern) jamais tiveram um ano sem lucro. Juntas elas têm receita de US$ 502,1 bilhões e lucro líquido de US$ 66,2 bilhões, ou margem de lucro de 13,2%. (não muito atrás da margem de lucro da Procter & Gamble na última década de 14,1%)

Em 2009, o mundo dos negócios ficou chocado quando o grupo Berkshire Hathaway, de Warren Buffet, comprou 78% da Burlington Northern Sante Fe que ainda não possuía. Mas o investimento tem ido extremamente bem. As receitas subiram 49% e o lucro, 96%.

Quando você estreita o foco de sua companhia, duas coisas acontecem, ambas boas. 1) Você torna mais eficiente o que sua companhia está fazendo. 2) Você fortalece sua marca porque ela agora tem melhor chance de representar alguma coisa.

O negócio da “informação”

Uma companhia que cedo comprou a doutrina da miopia de marketing e decidiu expandir sua visão foi a Xerox. Em 1969, a Xerox gastou quase um bilhão de dólares para comprar uma empresa de grandes computadores, a Scientific Data Systems, que rapidamente mudou para Xerox Data Systems. Ted Levitt deve ter ficado satisfeito.

Em um artigo de 1970 na Business Week intitulado “Dois gigantes mirabolantes caminham um para o outro”, o presidente da Xerox, Peter McColough afirmou: “ A Xerox e a IBM são as duas grandes empresas exclusivamente no negócio da informação. A IBM possui a parte de processamento e manipulação de dados e nós possuímos a parte que coloca as coisas no papel. Mas as linhas de separação estão se confundindo e será mais e mais difícil distingui-las. Em algum momento nos anos 1970, nós queremos estar aptos a dizer a qualquer grande cliente ‘Podemos lidar com todas as suas necessidades de informação”.

O negócio de “automação de escritórios”

Quando os anos 1980 chegaram, o negócio de grandes computadores da Xerox já tinha acabado e a companhia tinha restrito seu pensamento de “informação” para “automação de escritórios”.

A empresa tinha grande esperança no 820, seu primeiro computador pessoal. “Nós acreditamos que o 820 pode acelerar o movimento rumo à automação de escritórios”, declarou o vice-presidente da Xerox.

“Time Xerox” foi a campanha publicitária que inaugurou os esforços da companhia em torno da automação de escritórios. “Sugerimos que você fale com quem oferece mais que apenas máquinas de escrever. Ou somente copiadoras. Só a Team Xerox pode oferecer uma linha completa de copiadoras, de máquinas de escrever Memorywriter, de impressoras eletrônicas, de máquinas de fax, de computadores e estações de trabalho pessoais e uma rede Ethernet que pode enlaçar muitas dessas máquinas agora mesmo”.

Nos anos 1990, a realidade havia se estabelecido. A Team Xerox foi dissolvida e as firmas de serviços financeiros que a empresa havia adquirido nos anos 1980 foram vendidas.

Mais uma vez, a Xerox era uma companhia de copiadoras.

O negócio de “computadores”

Durante décadas, a IBM dominou o negócio de grandes computadores com market share na faixa de 70%.

Com a introdução da companhia no mercado, em 1981, do primeiro computador pessoal de 16 bits (o 5150, comumente conhecido por PC IBM), a companhia estava a mil.
Em dois anos, o PC IBM era o computador mais vendido dos Estados Unidos. E a mídia derramou louvores sobre a empresa e suas estratégias.

Revista Time, 11 de julho de 1983: “O colosso que funciona. A grandeza é abundante na IBM”.
No ano seguinte, a IBM teve lucro de US$ 6,6 bilhões, o maior que qualquer companhia no mundo já houvesse atingido. Naquele mesmo ano, a revista Fortune elegeu a IBM como “a companhia mais admirada dos Estados Unidos”.

Nos anos 1990, no entanto, a IBM estava em uma crise profunda. Em 1991, perdeu US$ 2,9 bilhões. Em 1992, US$ 5 bilhões. Em 1992, US$ 8,1 bilhões.

Que grande exemplo para um outro artigo sobre miopia do marketing. “A IBM enfrenta problemas hoje porque eles assumiram a si mesmos como sendo do negócio de grandes equipamentos mais que do negócio de computadores”.

Mas isso é um mito. Pelos anos 1980, a IBM estava em cada aspecto do negócio de computadores. Super computadores, médios, computadores pessoais, copiadoras, telefones, satélites, software, o que você quiser. Ted Levitt teria ficado satisfeito.

Salvando a IBM

Por que a IBM se meteu em problemas? A sabedoria convencional culpou a “mentalidade mainframe” da IBM e seu fracasso em seguir o desenvolvimento dos computadores para outras categorias.

Mas acredito que seja o contrário. A companhia somente progrediu quando saiu do negócio de hardware, exceto por sua posição dominante em mainframes.

Com o passar dos anos, a IBM vendeu seus negócios em copiadoras para a Kodak, seu negócio em impressoras Lexmark para uma firma de investimento, seus negócios em hardwares de rede para a Cisco, seus drives de disco para a Hitachi, seus negócios em computadores pessoais para a Lenovo e suas operações em impressão digital para a Ricoh.

O que deixou a empresa com mainframes.

O que é mainframe no fim das contas? É o centro nervoso eletrônico de toda grande corporação no mundo. As empresas podem não estar comprando um monte de mainframes, mas certamente elas dependem deles para manter suas empresas operando eficientemente.

Para servir as necessidades dessas companhias dependentes de mainframes, a IBM fez um grande movimento rumo a serviços e software. Em 2002, a IBM comprou a unidade de serviços de consultoria e tecnologia da PricewaterhouseCoopers.

Ano passado, serviços e software foram responsáveis por 80% da receita da IBM. E a margem de lucro líquida foi de impressionantes 15,9%.

O negócio das “comunicações”

As agências de publicidade decidiram que estavam no ramo das “comunicações” e começaram a publicar revistas e jornais? Ou operar emissoras de rádio e TV?

Na verdade, o contrário aconteceu. Muitas agências são mais bem sucedidas hoje porque saíram da função de compradoras de mídia e focaram sua força principal: criar estratégias e mensagens que constroem marcas.

Sobre o autor: Al Ries é presidente da Ries & Ries, uma empresa de estratégia de marketing com sede em Atlanta que ele comanda com sua filha Laura.

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