Ser mãe é padecer no clichê

Buscar
Publicidade

Opinião

Ser mãe é padecer no clichê

A publicidade tem um papel importante na romantização, multiplicando uma visão da maternidade que obviamente é caricatural, mas será que ela é tão errada a ponto de precisar ser desconstruída?


5 de maio de 2016 - 12h31

Por motivos óbvios, a publicidade sempre representou estereótipos. Se precisamos representar um determinado público-alvo, escolhemos características comuns a uma maioria e delas tiramos um personagem que a represente. Quando falamos de representar a relação mãe e filho, então, temos milhares de referências na memória, desde os primeiros “bebês Johnson’s” loiros de olhos azuis, que estavam longe de representar os bebês brasileiros, até as famílias Doriana que também são caricaturas daquilo que os publicitários entenderam na época representar a família brasileira.

Mas esses modelos foram se modificando ao longo do tempo, se adequando a realidades mais críveis e respondendo aos desejos de mães e famílias que não se sentiam representadas. Não é à toa que hoje vemos bebês negros, orientais, famílias homossexuais, pais solteiros e infinitos novos arranjos para se adequar a mensagem à realidade.

Depois das redes sociais, qualquer peça publicitária pode ser alvo imediato da insatisfação de mães que não se sentem representadas, de mensagens que elas não consideram adequadas ou de feedbacks sobre os produtos em questão. Mas isso não é novo.

Na década de 50, quando a TV começou a fazer parte da rotina das casas brasileiras, os telespectadores (especialmente as mães) começaram a se queixar que as crianças não queriam ir pra cama antes do fim da programação, pra lá das 22h. Por esse motivo a TV Tupi criou um jingle ilustrado com seu Indiozinho que era veiculado exatamente às 21h, e sugeria que as crianças fossem pra cama: “Já é hora de dormir, não espere mamãe mandar…”. Não demorou muito para o departamento comercial vender o patrocínio desse jingle para os Cobertores Parahyba, o indiozinho ser substituído pelo bonequinho de pijama da marca e assim ficar conhecido por todos que hoje têm mais de 40 anos. Funcionou. E as mães adoraram.

O poder que o consumidor tem de moldar a publicidade é grande e é ouvido pelos criadores, até por uma questão de sobrevivência. Porém, ultimamente estou sendo impactada com bastante frequência por textos e manifestos sobre a necessidade de se desconstruir a maternidade romântica, lembrando que nem tudo são flores, que mãe também sofre, que mãe também se arrepende, que tem que querer muito ter um filho, porque é tudo muito difícil, que o comercial de fralda não representa a realidade da maternidade e que esse discurso romântico exerce uma pressão sobre as mulheres para se encaixarem em padrões estabelecidos.

Apesar de o discurso ser verdadeiro, vejo uma espécie de “sindicalismo”, como se tivéssemos mesmo que lutar contra uma “entidade opressora” querendo nos convencer a colocar crianças no mundo. Eu sou publicitária e sou mãe. Entendo que a publicidade tem um papel importante nessa romantização, multiplicando uma visão da maternidade que obviamente é caricatural, mas será que ela é tão errada a ponto de precisar ser desconstruída?

Vamos precisar de um texto legal para os comerciais: “O Ministério da Saúde adverte: ter filhos acaba com suas noites de sono e com a sua conta bancária. Use camisinha”.

Será que precisamos nos colocar nesse lugar tão frágil de mulher “enganada” por uma sociedade? Eu acho que somos mais que isso! Mulheres não são manipuláveis a ponto de se convencerem a ter um filho por conta de um comercial de fraldas.

As taxas de natalidade vêm caindo ano a ano, apesar dos comerciais lindos de fraldas com bebês sorridentes e mães angelicais, apesar das blogueiras com vida de faz de conta e seus filhos com looks perfeitos, apesar daquela sua amiga que só posta HASHTAG GRATIDÃO com a foto da família perfeita. Não precisamos lutar contra isso, simplesmente porque as mulheres são inteligentes e estão cada vez mais questionando padrões, revendo suas prioridades e mudando seus desenhos de vida, o que inclui a decisão de ter filhos, de ter menos filhos, de não ter filho nenhum.

Ser mãe não é a maior roubada do universo.

Minha gravidez não foi das mais fáceis, enjoei até a 41ª semana, fiquei 13 horas em trabalho de parto e acabei numa cesárea que não estava nos planos, acordar de 3 em 3 horas na madrugada é desgastante, mas SIM, a maternidade é todo esse clichê do “apesar de as coisas não serem como eu sonhava, faria tudo de novo” – quantas vezes fosse preciso.

Desromantizar a maternidade pode até ser papel daquela sua amiga que fala a real sobre as noites mal dormidas ou as hemorroidas da gestação, mas a mídia, a blogueira, a publicidade e até a amiga que você só vê no Instagram não vão deixar de mostrar o lado bonito. Por um simples motivo: esse lado existe!

Se depender de mim, esse clichê todo vai continuar existindo.

Meu lado mãe vai sempre lembrar do sorriso da minha filha quando vou buscá-la no berço de manhã e dizer: tenham filhos. Meu lado publicitária vai sempre querer fazer um comercial lindo e dizer: tenham filhos (e comprem fraldas).

Feliz dia das mães (as reais e as dos comerciais)!

Publicidade

Compartilhe

Veja também