“Sou um homem hétero que sofre homofobia”
O que está por trás dessa frase recentemente pronunciada por uma celebridade brasileira?
“Sou um homem hétero que sofre homofobia.” A frase, dita por Junior Lima (ex-Sandy & Junior), soa estranha e é equivocada: homofobia é discriminação contra pessoas LGBTQIA+; um homem heterossexual não é alvo de homofobia no sentido estrito.
O cantor relatou que desde a adolescência ouviu boatos sobre sua sexualidade. Por ser sensível, gostar de dança e demonstrar respeito às mulheres, foi rotulado como gay.
O episódio evidencia uma lógica que hierarquiza o masculino e rebaixa tudo que remete ao feminino. O que descreve é o efeito de estereótipos de masculinidade: por não performar o “macho alfa”, virou alvo de chacotas.
O desabafo acende um alerta sobre como o machismo corrói relações e prejudica mulheres e homens que destoam do padrão.
Essa mesma régua atravessa o mundo do trabalho. Por décadas, a cultura corporativa exaltou agressividade e disponibilidade total, enquanto empatia, colaboração e conciliação com a família foram vistas como fraqueza.
O resultado é um ambiente menos inovador, com desigualdades persistentes. Práticas como mansplaining e manterrupting isolam mulheres nos espaços coletivos e empobrecem os debates e decisões.
Quando empresas investem em cultura inclusiva, formação de lideranças, tolerância zero a assédios, metas de equidade e flexibilidade para o cuidado, colhem ganhos em produtividade, satisfação e menor turnover. Não é apenas ética; é estratégia.
No âmbito doméstico, o mesmo estereótipo “cuidar é coisa de mulher” emperra a divisão do trabalho e do cuidado com as crianças. A legislação brasileira prevê 120 dias de licença-maternidade e apenas cinco de licença-paternidade (20 nas empresas aderentes ao Empresa Cidadã), perpetuando a sobrecarga feminina.
Crianças com pais participativos tendem a melhor regulação emocional, linguagem e autonomia; e homens que usufruem licenças mais longas seguem mais engajados no cuidado ao longo dos anos.
Os ganhos de abandonar estereótipos se refletem em saúde materna mais protegida, desenvolvimento infantil fortalecido, ambientes de trabalho mais criativos e menos hostis, e corresponsabilidade real com homens exercendo, de fato, a paternidade.
Há mudanças em curso. O Supremo Tribunal Federal reconheceu a omissão legislativa sobre a licença-paternidade e impulsionou o debate no Congresso para ampliar o período.
Pesquisas apontam amplo apoio social à expansão e ao direito da criança de ter ambos os pais presentes no início da vida. A direção é clara: políticas públicas e práticas empresariais que valorizem o cuidado.
O desabafo de Junior Lima evidencia como os estereótipos de masculinidade ainda afetam nossa cultura de formas perversas. O que ele descreveu é a mentalidade que desqualifica tudo que remete ao feminino, seja num homem sensível ou numa mulher profissional.
Esse paradigma prejudica mulheres e homens: gera um clima hostil e opressor às mulheres e impõe uma rígida caixa comportamental aos homens, que, muitas vezes, não podem expressar plenamente emoções ou dedicar-se à família sem serem julgados.
No ambiente de trabalho, combater essas ideias traz benefícios econômicos e sociais, criando equipes mais saudáveis, produtivas e diversas. No âmbito familiar, pais mais presentes e livres de amarras estereotípicas significam crianças mais felizes e desenvolvidas, e mães menos sobrecarregadas.
Em suma, desconstruir os estereótipos de gênero e o machismo é um caminho necessário e positivo para todos. Superar o machismo estrutural é indispensável para construirmos relações justas e saudáveis nas empresas, nas comunidades e dentro de casa.
Ao deixarmos de reproduzir preconceitos sobre “o que é coisa de homem ou de mulher”, ganhamos uma sociedade mais acolhedora, igualitária e próspera, em que cada indivíduo pode desenvolver todo seu potencial sem ser limitado por rótulos.