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Alexandre Gama: “publicidade vive fase de dissonância cognitiva”

Publicitário, empresário e escritor, Alexandre Gama analisou como o estágio atual da publicidade brasileira


26 de junho de 2024 - 10h25

Alexandre Gama

Ao M&M, Alexandre Gama analisa atual cenário publicitário do Brasil (Crédito: Denise Andrade)

Publicitário com longa trajetória no mercado, com passagens por Ogilvy, DM9, AlmapBBDO e Y&R, além de ter fundado a Neogama/BBH, Alexandre Gama deixou o cotidiano de agências, no final de 2017. Desde então, lidera a Inovnation, empresa que funciona como centro de inovação para diversos segmentos da indústria. Agora também se dedica à literatura: acaba de lançar seu primeiro livro de poesia, Funil.

Ao Meio & Mensagem, o profissional considerou que a publicidade vivencia um momento de “dissonância cognitiva”. Para ele, o nome não consegue mais abarcar as demandas atuais. Por isso, existe a necessidade de ressignificar a atividade.

Meio & Mensagem – Como é sua relação com a literatura? E o que te motivou a escrever um livro de poemas?
Alexandre Gama – Meu interesse por literatura, que tem “leitura” na palavra, começou exatamente com o prazer de ler, ainda muito jovem. Tinha afinidade com a língua e a gramática. As artes de maneira geral, não apenas literatura, foram minha educação dos sentidos. Me lembro claramente dos momentos chaves de descoberta emocional e intelectual do mundo através dos livros, da música e do cinema. Por exemplo, o dia em que meu pai me levou pela mão, eu com 11 anos de idade, em 1969, para assistir 2001: Uma Odisseia no Espaço, de Kubrick. Me lembro do choque da descoberta de tudo o que aquele filme contava e mostrava. Tenho isso fotografado na memória. Eu saindo do cinema catatônico e maravilhado enchendo meu pai de perguntas. Na literatura, lia de tudo, filosofia, crônicas, contos, romances e, é claro, poesia. Também escrevia contos, crônicas e poemas. A poesia me pegou pela síntese, pela concisão, pela criatividade. Minha paixão central é a criatividade. A vejo como insumo para ser aplicado na atividade humana. A escrita, a música, as artes visuais são expressões criativas e, por isso, não me vejo nem gostando nem fazendo coisas em apenas uma dessas áreas.

M&M – Como sua experiência como publicitário influencia seu processo criativo na literatura? Esses dois universos conversam de alguma maneira?
Gama – Meu processo criativo foi influenciado pela literatura, música, fotografia, artes plásticas e cinema. Só entrei em comunicação porque não conseguia viver de arte e precisava me sustentar. A comunicação pagava bem no Brasil e se tornou, naquele período, o que chamo de trincheira cultural. Muitos escritores não conseguiam viver de sua arte e foram ser redatores. Hoje, a comunicação influencia tudo, porque tudo se tornou comunicação. Não estamos mais na era industrial, que gerou a sociedade de consumo, mas na era digital, que gerou uma sociedade de comunicação. Nesse sentido, as coisas se retroalimentam e se influenciam e algo como a literatura deve refletir o zeitgeist.

M&M – Acredita que, no geral, publicidade e literatura podem ser inspirar e se alimentar mutuamente?
Gama – Acho que o buraco é mais embaixo. A questão passa primeiro por saber o que é publicidade hoje. Sinto que o nome não reflete mais a atividade e talvez atrapalhe a compreensão do que se faz. Talvez enseje comparação com o que se fazia antes, o que não é bom nem verdadeiro. Palavras são como roupa. Depois de muito uso, gastam e não vestem mais o conceito. Mas não sei do que chamar o que se faz neste momento para promover marcas, gerar vendas e mover o consumo. Na falta de outro nome, é preciso pelo menos ressignificar a palavra, porque tudo a que ela se referia já se ressignificou. A publicidade vive uma fase de dissonância cognitiva.

M&M – Qual sua visão em relação ao estágio atual da criatividade brasileira na publicidade?
Gama – As grandes ideias capazes de criar história para uma marca no passado não são mais o caso hoje. Aquele tipo de criatividade era necessário para criar a mensagem para aquele meio. As mídias atuais pedem da criatividade outras mensagens. Na verdade, o mais criativo, hoje, é o meio e não a mensagem. São as possibilidades de conexão, data mining com output em estratégia, proliferação dos blogs e podcasts, algoritmo programando e customizando o consumo, e-mail marketing, e-commerce que cresce e cria relação direta de venda com o consumidor na qual a publicidade já vem no próprio processo de venda. Cada época tem a criatividade que precisa. O profissional ligado à TI está saindo do back office e pulando para a linha de frente. Talvez seja o novo criativo, de certa forma, agora trazendo inteligência artificial (IA) para a criação de conteúdo a serviço de marcas. Essa é a realidade da criatividade.

M&M – Como avalia o impacto da inteligência artificial no futuro da criação?
Gama – Um diretor criativo deve se especializar em prompts, ser capaz de pedir a uma ferramenta de inteligência generativa, que é diferente de um programa não-generativo como Photoshop. E mesmo esses já estão inserindo IA. Escrever comercialmente por IA se tornou um processo extremamente rápido, simples, escalável e menos custoso. Dá para perceber a implicação disso para posições
de trabalho como redação e direção de arte. Com essa tecnologia avançando rumo à geração de imagens em movimento, no futuro da criação é gigantesco e modificador de tudo dentro de uma empresa de criatividade. Mudam processos, funções, cargos, organograma, estrutura operacional e até a razão de ser de uma agência. Mudar não significa acabar, mas não mudar significará. A hora é de perguntas e a IA está nos impondo as perguntas mais relevantes da nossa história recente.

M&M – E quais os pontos positivos e negativos?
Gama – As coisas avançam em frentes e velocidades diferentes. Impactos e mudanças chegam atabalhoadamente em série. Cada dia um caos novo. Caos destrói, mas também cria oportunidades. Os aspectos positivos são óbvios: fazer mais, melhor, mais rápido e em escala trabalhos cujos processos eram até pouco tempo 100% artesanais e seriais. Os negativos são relativos a quem está sofrendo o impacto. Há perda de cargos, substituição de funções antes à prova de mudanças, porque eram cognitivamente apenas humanas. Agora, a máquina também pode criar. Essa característica humana foi emulada. E mais, é possível criar em escala, velocidade e alcance sem a limitação orgânica do ser humano. É atordoante, com certeza. Chacoalha convicções éticas, comerciais e até religiosas. Existe descrédito de alguns, revolta de outros, tristeza daqueles que não são capazes de aceitar e mudar, mas tsunami não volta para o mar.

M&M – Mudando um pouco de assunto, qual é a abordagem criativa da Inovnation?
Gama – O foco da Inovnation está em duas frentes. Uma é trabalhar em projetos estratégicos de posicionamento de marca para empresas que investimos e de terceiros. Trabalhamos com Flora, da J&F, e Bombril, no ano passado, assim como com outras nas quais investimos, como Illuminarium, 1st11 e BAC, na Inglaterra. A segunda frente é a de venture building, que é sobre criar marcas, produtos e empresas. Nessa modalidade, que é de empreendedorismo e inovação, a dinâmica é um cross entre o que faz uma venture capital e uma empresa de inteligência de marketing. Na primeira frente, aloco meus anos de experiência adquirida em construção e posicionamento para inúmeras marcas. Na segunda, coloco a criatividade como insumo, empreendendo.

M&M – Como é esse cenário de inovação no mercado de publicidade hoje?
Gama – A inovação em publicidade está relacionada com as novas ferramentas e empresas de mídia. E, de novo, a IA está no centro. O momento pede inovação nos modelos de negócio e operação das empresas de comunicação. Tem influencer agency, tem empresas de serviço vendendo aceleração de resultado via algoritmo, tem novos agentes de comunicação aparecendo e o modelo de negócio está em aberto, porque cobrar como empresa tradicional não é mais o caso.

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