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Como o Greenpeace vê o papel da publicidade em prol do meio ambiente

Head de criatividade do Greenpeace faz balanço do papel da indústria da comunicação em prol da sustentabilidade após protestos no Cannes Lions 2022


28 de setembro de 2023 - 6h10

No Festival Internacional de Criatividade Cannes Lions de 2022, Gustav Martner ficou conhecido como o ativista que subiu ao palco, na primeira noite de premiação, para devolver um Leão em forma de protesto à publicidade atrelada a combustíveis fósseis. Aquela foi a primeira ação do Greenpeace em uma campanha que permeou a edição do festival daquele ano.

Gustav Martner Greenpeace

Gustav Martner, head de criatividade do Greenpeace, se opôs a celebração da indústria (Crédito: Celina Filgueiras)

A organização invadiu uma festa do WPP na praia usando botes, distribuiu cartazes e adesivos com as frases “Sem prêmios em um planeta morto” e “Anúncios de combustíveis fósseis estão queimando o planeta” e colocou ativistas para subirem em um guindaste, na frente do Palais des Festivais.

O objetivo era convidar a indústria a repensar a criação de campanhas para empresas poluentes e conseguir assinaturas para uma petição que apela à Europa por uma lei que proíba a publicidade de empresas que usam combustíveis fósseis.

O movimento apresentou alguns resultados. Além de acender o debate sobre a implicação da indústria publicidade na pauta da sustentabilidade, de fato há avanços na discussão da legislação em Stockholm e na Austrália.

No entanto, na opinião de Gustav Martner, head de criatividade do Greenpeace, a indústria pode avançar a partir do posicionamento de associações e grupos, já que agências não devem atuar sozinhas.

Antes de chegar ao Greenpeace, Martner foi chairman do board da Swedish Association of Communication Agencies, diretor executivo de criação da Crispin Porter + Bogusky Europe, chairman do board da Burt, uma plataforma de análise para mídia online, além de ter fundado uma agência digital e de colecionar outras passagens pelo mercado.

Ao Meio & Mensagem, o executivo compartilhou sua visão sobre a responsabilidade da publicidade em prol da sustentabilidade e de que forma o Greenpeace trabalha suas próprias campanhas e mobilizações.

Greenpeace no Cannes Lions

Meio & Mensagem – O Greenpeace organizou uma série de protestos no Cannes Lions em 2022 contra a publicidade de empresas que utilizam combustíveis fósseis. Qual foi o resultado dessa mobilização?
Gustav Martner – Muitas empresas, especialmente na indústria da publicidade, certamente notaram. Fui até classificado acima de outras celebridades, como Naomi Campbell e Paris Hilton, como mais influente do que elas. Quer dizer, imagine estar na lista acima delas. Isso acontece uma vez na vida. Brincadeiras à parte, o que fizemos foi inesperado. Interrompemos de uma forma que ainda demonstrou um pouco de respeito pela profissão, porque o Greenpeace não é contra a indústria. Temos amigos lá e até mesmo usamos agências de publicidade para transmitir a nossa própria mensagem. Mas acima da indústria publicitária, colocamos a saúde do planeta. Por isso, a indústria publicitária, como um todo, precisa se livrar de uma pequena parte de seus clientes. Nunca ouvi um executivo de publicidade dizer que realmente adoraria voltar a trabalhar com cigarros, dizendo: “Se ao menos pudéssemos mudar a legislação para que pudessem fazer as pessoas fumarem de novo”. É exatamente o que vai acontecer se retirarmos as empresas de combustíveis fósseis da lista de clientes. Agora, será que vimos resultados reais? Não posso dizer que vimos uma campanha vitoriosa que eu possa vincular diretamente a Cannes, mas estamos sempre conquistando vitórias na campanha contra anúncios de combustíveis fósseis. Uma que tenho muito carinho é a capital da Suécia, que é a primeira cidade a proibir anúncios de combustíveis fósseis em seus espaços públicos. Obviamente, temos alguns lobistas e pessoas do setor de mídia que desafiaram isso, e estamos ansiosos para apoiar o município de Estocolmo na luta para conseguir isso. Quando isso acontecer, acho que veremos muitas outras cidades fazendo o mesmo.

M&M – No próprio Cannes Lions, foram feitos pactos para publicidade com menores emissões de carbono, como o Ad Net Zero. Qual é a sua opinião sobre esse tipo de mobilização?
Martner – Sempre trabalhamos com o movimento, como o chamamos. Essas organizações de base são os melhores amigos que podemos ter. Sem elas, o Greenpeace não iria muito longe, porque é sempre com colaboração que chegamos a algum lugar e, mais importante ainda, em situações em que realmente temos um grupo profissional de pessoas que trabalham na indústria. Se você pode ter representantes desse grupo trabalhando com você, é muito mais crível e as pessoas na indústria vão ouvir. Elas podem ouvir se houver ambientalistas do lado de fora de suas portas clamando por mudanças, mas realmente vão ouvir se houver pessoas do próprio setor fazendo as mesmas demandas, dizendo: “Ei pessoal, as pessoas lá fora podem estar certas”.

Publicidade e sustentabilidade

M&M – Como o Greenpeace vê a possibilidade de formar parcerias com iniciativas privadas? Isso é feito? Quais são os desafios e oportunidades de tal colaboração?
Martner – Adoramos incentivar empresas que estão fazendo a coisa certa a continuarem. Não aceitamos dinheiro de empresas. Então, se você colaborar com o Greenpeace, pode sempre confiar que a colaboração é muito honesta, porque eu nunca perderia tempo com uma empresa apenas para obter dinheiro, já que não aceitamos dinheiro. Quando me encontro com uma empresa, é para conversar sinceramente com eles. Às vezes, as empresas me pedem para fazer uma palestra para os funcionários sobre “greenwashing” e eu digo: “Sim, adoraria”, e depois eles perguntam: “E quanto você cobra?”. Eu digo: “Nada, mas serei muito honesto”. Já fiquei na frente de empresas dizendo exatamente o que penso, sem rodeios. Às vezes o CEO fica um pouco nervoso, mas os funcionários geralmente adoram, porque o Greenpeace é sobre a verdade. Estamos baseados em ciência. Não recebemos dinheiro para dizer coisas. Temos doadores, pessoas comuns, e é por isso que podemos ir aos cientistas e obter a mensagem do Greenpeace. Usamos a criatividade para fazer as pessoas se importarem. Se só apresentássemos números científicos, em um cenário de mídia como temos hoje, poucas pessoas ouviriam. Tentamos atravessar o ruído com não muitos recursos, e é por isso que temos criatividade aqui. E é por isso também que um ex-publicitário como eu pode encontrar um lugar no Greenpeace.

M&M – Como você vê o desafio de equilibrar os objetivos publicitários com a mensagem de sustentabilidade? Quais são as estratégias para garantir que a mensagem não seja diluída pela comercialização?
Martner – Devemos lembrar que os anunciantes estão competindo entre si. Portanto, se você estabelecer uma fronteira no campo de jogo, será a mesma para todos os jogadores no campo. É por isso que é tão importante que as pessoas na indústria publicitária ou os órgãos de organização de comércio não estejam estagnados, mas sim incentivando a mudança. Se uma única agência de publicidade começa a dizer não a um cliente, outra agência com menos moral e ética pode pegar esse dinheiro. Já fui CEO de várias agências de publicidade. Sei que é desafiador, porque você pode ter 330 funcionários e precisa pagar salários a eles, e se não garantir que pelo menos esteja obtendo um salário, será um CEO ruim. Portanto, é realmente difícil para o CEO equilibrar isso, porque está lutando com seus orçamentos. No entanto, quando você está no órgão que representa todas as agências, os políticos podem perguntar de vez em quando: “O que você acha de uma proibição de publicidade de combustíveis fósseis?”. Um executivo de publicidade moral e ético que faz parte do conselho do órgão deve, na minha opinião, dizer: “Sim, adoraríamos uma proibição de publicidade de combustíveis fósseis para todos”. Porque então toda a indústria se adaptará como um todo. Você não obterá os melhores talentos para trabalhar na indústria publicitária se os colocar para trabalhar na destruição do planeta.

M&M – Por que você acha que os órgãos de comércio não estão lutando pela proibição de anúncios?
Martner – Acredito que a autoestima da indústria publicitária está muito baixa no momento. No final dos anos 1960 e início dos anos 1970, o mundo da publicidade era habitado por pessoas que faziam parte da contracultura. Elas se inspiravam nos protestos contra o Vietnã, tinham muita autoestima, porque o dinheiro estava jorrando com a crescente industrialização. Hoje, a indústria publicitária está muito desafiada por startups, desafiada pelas grandes plataformas de mídia social, desafiada pela IA, pela automação de marketing e por muitas coisas técnicas em que a indústria publicitária está um pouco atrasada. E, quando se está desafiado e tem baixa autoestima, pode ter receio de falar a verdade. Vimos isso muito. Então, o que precisamos fazer é chegar a um ponto para encorajar o setor publicitário, dizendo que se beneficiarão ao pensar moralmente e se beneficiarão ao ter alta ética. Isso eventualmente ajudará o seu negócio. Temos desastres climáticos por toda parte. Isso é uma ameaça maior para sua indústria no final do dia.

M&M – A criação de narrativas impactantes é crucial para transmitir mensagens de sustentabilidade. Como sua equipe aborda a construção de histórias que não apenas conscientizam, mas também inspiram ação concreta?
Martner – A coisa mais importante para o Greenpeace é ter uma teoria sólida de mudança. Temos metas científicas, conselhos científicos e campanhas construídas com base nisso, mas quando se tem o alvo e se tem o objetivo e a visão para onde devemos ir, então você elabora a teoria de mudança que geralmente ocorre em vários passos com diferentes públicos-alvo. Às vezes, precisamos fazer uma grande mobilização com muitas pessoas, como fizemos na campanha pelos oceanos, que eventualmente nos levou ao ponto em que estamos hoje, onde temos um tratado desenhado para proteger 30% dos oceanos do planeta em uma rede de áreas marinhas operando. Mas às vezes, a mobilização das massas pode não ser a coisa mais importante. Pode ser que seja mais importante falar com as pessoas certas e fazer o tipo certo de mensagem para elas. Pode ser que seja necessário desenvolver determinadas respostas para elas sobre como mudar, relatórios, etc. E às vezes pode ser necessário realizar uma investigação que mostre a verdade de uma maneira muito concreta e então fornecer isso a jornalistas que podem divulgá-lo em suas mídias. É muito desafiador criar engajamento em campanhas porque temos um cenário de mídia muito disperso, é muito barulhento e as pessoas tendem a se concentrar muito pouco tempo em um assunto e depois passar para outro, e isso não é como você cria mudanças. Isso não é o que o Greenpeace apoia. A mudança exige processos longos e sustentáveis com muitas pessoas envolvidas ao longo de um longo período de tempo. Como resolvemos isso é, por exemplo, trabalhar com celebridades e pessoas influentes que podem manter o interesse no assunto por um período mais longo.

Métricas e diferentes públicos

M&M – Como o Greenpeace avalia o impacto de suas campanhas publicitárias em termos de conscientização, mudança de comportamento e políticas públicas? Existem métricas específicas que você considera mais relevantes?
Martner – Tentamos ser o mais orientados por dados possível. Falamos sobre algo chamado “jornadas de apoio” – parece muito com a jornada do usuário e a experiência do usuário (UX) – mas nossa transação é o engajamento de forma significativa, então uma jornada pode ser a jornada de assinar uma petição, mas depois da petição pode ser que envolvemos o apoiador no próximo passo, que pode ser participar de um protesto ou talvez usar uma camiseta com uma mensagem, postar nas redes sociais, etc. E talvez, se ela se envolver assim, o próximo passo seja participar de um treinamento de ação direta não violenta para aprender a ser parte de um protesto que envolve desobediência civil. E a partir daí, talvez ela queira aprender a fazer a escalada industrial. Essa é a jornada. Eu mesmo já fiz isso.

M&M – Mensagens de sustentabilidade precisam ressoar com uma ampla variedade de públicos. Como sua equipe aborda a segmentação de público e a adaptação da mensagem para diferentes culturas e contextos?
Martner – Nos últimos anos, tentei fazer testes de mensagem, mas cada vez mais vejo que é tão difícil saber o que funciona e o que não funciona. Então, cada vez mais prefiro “jogar espaguete na parede e ver o que gruda”. É como uma abordagem de prototipagem rápida para campanhas. Aqui na Suécia, temos um governo de direita que descontinuou a agência ambiental e colocou esse dinheiro e mais em subsídios para combustíveis fósseis. O que fizemos foi pegar a placa da agência ambiental na porta apenas alguns dias antes de ser fechada e dissemos: “Agora esta é a agência ambiental do povo” e começamos a fazer campanha com a placa e deixar as pessoas segurá-la dizendo: “Eu sou a agência ambiental”. Isso deveria ser uma campanha pequena, mas o que aconteceu é que isso pareceu ser uma coisa super popular e tivemos alguns dos maiores artistas enchendo arenas com 30 mil pessoas que trouxeram essa placa ao palco. Então, isso se tornou uma das campanhas mais bem-sucedidas que tivemos até agora e não estávamos preparados para isso e agora estamos tentando equacionar como administrar essa campanha, porque recebemos perguntas todos os dias de pessoas que querem a placa. E estamos imprimindo camisetas e tentando fazer a logística funcionar. Acredito que isso prova que a campanha é um processo ágil. Você precisa ter muitas ideias, muitas execuções, e se funcionar, é só colocar mais combustível no fogo.

Percepções do Brasil

M&M – Qual é a sua opinião sobre a publicidade no Brasil em relação à causa ambiental?
Martner – O Brasil é único em quão bom vocês são na publicidade. É um dos melhores lugares do mundo em termos de talento e criatividade. Sempre quisemos tentar recrutar pessoas do Brasil porque sabíamos que eram incríveis e também acredito que, se entendi corretamente, muitas de suas empresas de mídia querem fazer parte da construção da comunidade e assumir responsabilidade. Elas agem quase como entidades de serviço público. Dado essa estrutura, combinar os dois — mas também elevar a responsabilidade e dizer que precisamos assumir uma determinada responsabilidade em reduzir o tipo de publicidade que estamos fazendo, não apenas ajudando ONGs, não apenas ajudando a mensagem a se espalhar, mas também dizer não a certos jogadores –, acredito que é algo que pode ser feito, dada a história de ter grandes casas de mídia que realmente querem fazer parte da tomada de responsabilidade.

M&M – Tem mais alguma coisa para acrescentar que considera importante sobre o tema?
Martner – É assustador ser corajoso, mas também é muito divertido. Só quero encorajar as pessoas, porque eu fiquei um pouco preocupado quando queimei todas as pontes quando saí da indústria. Não acho que eu possa voltar para a indústria da publicidade. Se eu tentar conseguir um emprego em publicidade, todos pensarão que estou lá para me infiltrar, então é algo que tive que me adaptar. Segui em frente e mudei de rumo e decidi trabalhar pelo meio ambiente, por ONGs, e isso tem um tipo de preço. Mas, por outro lado, quando você fecha uma porta, outra se abre e não acho que você possa ter todas as portas abertas. Isso é algo que você tem que assumir em um nível individual, mas também em um nível organizacional e em um nível de país.

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