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Mídia e criação nas agências: como as relações estão mudando

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Mídia e criação nas agências: como as relações estão mudando

Enquanto as ferramentas de dados e tecnologia se multiplicam e o mercado discute divisão de contas, a interação entre mídia e criação precisa ser, cada vez mais, pautada pela colaboração com perfis de profissionais híbridos


4 de junho de 2024 - 6h00

No ambiente das agências de publicidade, quando se pensa em dupla, a resposta mais óbvia é a da união entre redação e direção de arte, na criação. Mas, nos últimos tempos, uma outra engrenagem vem movimentando o mercado: a mídia. O modelo brasileiro que, historicamente, abrigou as disciplinas de criação e mídia sob o mesmo teto testemunhou alguns anunciantes dividirem suas contas em busca de especialização. As holdings internacionais de comunicação, por sua vez, têm investido em trazer para o País suas operações especializadas em mídia.

Mídia e criação nas agências

(Crédito: Andrii Yalanskyi/ Adobe Stock)

O ranking de maiores agências compradoras de mídia de 2023, divulgado no final de abril pelo Cenp-Meios, mostra, pela primeira vez na história da publicidade brasileira, uma agência especializada em mídia na primeira posição. O feito coube à Mediabrands, rece global especializada em mídia, mas que, no Brsil, inclui também unidades de criação, como a MullenLowe. No ano anterior, as duas marcas globais do grupo Interpublica apareceram separadas no ranking brasileiro: a Mediabrands na 11ª posição e a MullenLowe na 17ª. A EssenceMediacom, agência do GroupM também focada em mídia, é outro exemplo de especializada em mídia em ascensão: está na quinta colocação do ranking de compra de mídia de 2023.

Os relatórios de desempenho publicados pelas holdings trimestre a trimestre reforçam o papel das ferramentas de mídia, dados e performance como uma fonte de receita para o crescimento. Mas, ao mesmo tempo, os executivos destacam a importância da criatividade à medida que a automação cresce com a inteligência artificial (IA). Enquanto essas discussões acontecem do lado de fora, como anda a relação entre mídia e criação dentro das agências, no dia a dia dos profissionais?

Fatores interdependentes

Quando questionados sobre essa interação, um dos termos mais usados pelos executivos, seja de criação ou de mídia, é a interdependência. “Se por um lado os profissionais de mídia direcionam criativamente o uso das plataformas e destravam insights das pessoas, por outro, o criativo ajuda o mídia a ter uma visão mais ampla das possibilidades criativas”, aponta Renata Valio, vice-presidente de mídia da DM9.

Nesse sentido, a estratégia de mídia passa a se basear não apenas em formatos, mas na participação de cada canal e veículo na campanha. A concepção criativa, por sua vez, também passa a entender os canais como parte da ideia e não um meio isolado. “Vivemos um momento que, para uma marca ter saliência nesse mar de mensagens que o consumidor recebe por dia, é necessário termos uma estratégia de mídia muito bem orquestrada, segmentada, que entende bem o papel de cada canal, mas, essencialmente, com uma criatividade forte, diferenciada que se conecte com o consumidor de forma espontânea”, analisa Erika Cabral, vice-presidente de mídia da BETC Havas.

Para o sócio-fundador e chief media officer da Galeria, Paulo Ilha, dois fatores conectam especificamente as duas áreas. O primeiro deles são os dados que balizam a estratégia de ambas as disciplinas. Os resultados, por sua vez, orientam a criação no início do processo e, depois, em como ajustar a rota criativa e de distribuição de uma campanha.

Vícios e equilíbrio

Mas, naturalmente, existem tensões envolvidas nessa relação. Um ponto é o equilíbrio entre as necessidades das duas áreas e a própria ordem de trabalho nas agências. Como aponta Fernando Duarte, diretor executivo de criação da AlmapBBDO: “Durante muito tempo corremos atrás de entregar a peça baseada na mídia e isso nos ‘viciou’ durante muito tempo em formatos. Hoje, está mais claro do que nunca que o ideal é o caminho inverso, onde as ideias determinam a mídia”.

A chief data media officer da agência contrapõe, afirmando que não se pode abandonar a visão de negócio e mensuração. “A criatividade é uma forma eficiente de catapultar a conexão e repercussão das marcas junto ao consumidor. Entretanto, não deve ser tratada de forma onipotente”, frisa Rafaela Alvez.

Em alguns modelos, ainda é comum que a mídia inicie seu trabalho só depois que o conceito criativo e o planejamento estratégico estejam desenhados. A Suno United Creators experimentou unir as disciplinas no briefing. Além de permitir que todos construam a ideia, isso teria gerado ganho de velocidade e criatividade. “O alinhamento é sempre um fator de atenção, pois é comum que cada equipe pegue o seu briefing e saia criando, sem entender realmente os interesses do target daquela campanha específica”, aponta César Toledo, sócio e head de mídia, performance e dados da agência.

Nesse sentido, a mídia pode municiar a equipe criativa com formatos ou mesmo as obrigatoriedades de pacotes que os clientes adquiriram. A criação, por sua vez, pode auxiliar com ideias que tragam mais engajamento. Carol Boccia, copresidente da BETC Havas, resume: “Antigamente, a criação tinha que pensar em preencher os espaços predefinidos pela mídia. E, hoje em dia, criamos os espaços e os mais diferentes e inovadores formatos juntos”.

Ainda assim, dentro de uma estrutura única, o processo de gerenciar recursos, seja orçamento, pessoas ou tempo, pode ser desafiador. A contraposição entre a eficiência na alocação de verbas de mídia, com olhar para regras e parâmetros de performance, e a liberdade criativa, que pode gerar altos custos de veiculação, é citada pelos profissionais.

Ao mesmo tempo, existe o desafio prático da interação de perfis técnicos distintos e a construção de uma cultura verdadeiramente colaborativa. “Não faz sentido, pelo menos para nós, pensar num trabalho totalmente departamentalizado em que cada um apenas recebe o trabalho do outro e executa a sua parte”, reflete Rodrigo Almeida, CCO da Artplan.

Profissionais híbridos

Nesse sentido, os profissionais descreveram quem seriam os seus parceiros ideais na outra área. As respostas seguem para um lugar comum. Cada vez mais, o desejo é por profissionais menos apegados aos títulos e disciplinas, e mais dedicados a uma visão global do processo. “Precisamos contar com profissionais que participem de todo o processo, se interessem por trazer ideias e oportunidades já no momento do kickoff de uma campanha, e que, a cada análise estratégica, evoluam a proposta da área, melhorando e aprofundando ainda mais a entrega”, aponta Alessandra Sadock, executive creative director (ECD )da WMcCann.

Para o diretor executivo de criação da AlmapBBDO, essa seria uma mudança de paradigma na maneira como o mercado encara as áreas. “Foi-se o tempo em que criativos eram artistas rebeldes e mídias preenchedores de planilhas. Hoje, ambos têm que ter um perfil mais híbrido”, considera Duarte.

Mas existem exceções. Apesar de afirmar ser mais fácil e natural trabalhar com o “mídia criativo”, que se dispõe a trazer ideias, Rafael Urenha, cofundador e CCO da Galeria, fala sobre a possibilidade de troca também em critérios mais específicos. “Confesso que, à luz das mudanças constantes do mercado nos últimos anos, é muito bom poder aprender com os profissionais de mídia com perfil mais técnico”, afirma.

A base para isso estaria em uma relação sem espaço para o ego e o apego, e com uma comunicação bem estruturada. “Ter profissionais que mantêm uma comunicação aberta e transparente entre si é fundamental para garantir que todos estejam alinhados com os objetivos do projeto e que possam colaborar efetivamente para alcançá-los”, reflete Erika Cabral, vice-presidente de mídia da BETC Havas.

Fragmentação versus especialização

Apesar de estarem juntos, dentro de operações full service, os profissionais avaliam as movimentações do mercado, assim como os riscos e benefícios de uma separação das contas de mídia e criação. As opiniões variam. Para Rafaela Alvez, chief data media officer da AlmapBBDO, a atuação unilateral pode representar um risco de retrocesso à criatividade. “A busca por novos formatos faz parte dos processos de mudança da indústria. Mas é importante lembrar dois fatos. Primeiro, que esse não é um modelo novo no mundo; e, segundo, que o mercado brasileiro sempre foi reconhecido como um dos mais bem sucedidos. O nosso grande diferencial sempre foi ter uma visão ampliada, sem o viés de uma disciplina apenas”, define a executiva.

Paulo Ilha, da Galeria, questiona a motivação da mudança: “Em linhas gerais, esses movimentos que estão sendo feitos pelos grupos do nosso setor, principalmente em relação ao interesse de redução de custo, não estão necessariamente ligados às necessidades dos clientes ou na forma de gerar mais eficiência. Entretanto, existem movimentos para algumas categorias mais específicas, como varejo, por exemplo, onde essa separação no ponto de vista técnico pode, sim, fazer sentido, especialmente em estruturas que estão muito integradas dentro da operação dos anunciantes”.

Rodrigo Jatene, CCO da Wieden+Ken­nedy Latam, liderou a criação da DDB, em Chicago, entre dezembro de 2021 e janeiro deste ano. Ele conta que a experiência de trabalhar com as disciplinas totalmente separadas e voltar a ter a visão de criatividade e mídia sob o mesmo teto o fez encarar o modelo brasileiro como poderoso. “Isso dá às marcas não apenas o poder de criação e desenvolvimento de ideias mais relevantes e estratégias de comunicação mais inteligentes, como também gera muito menos fragmentação e muito mais eficiência”, afirma.

Existem contrapontos. Para Renata Valio, vice-presidente de mídia da DM9, o objetivo não é separar as disciplinas, mas tornar a mídia mais importante e valorizada dentro do ecossistema de agências. “Já trabalhei em agência de mídia e o investimento em ferramentas e análise de dados é o grande motor que faz com que as agências de mídia ainda tenham espaço. O investimento em áreas como dados e BI, por exemplo, sempre foi uma realidade nas agências de mídia. O que não necessariamente é verdade do ponto de vista das agências full”, relata.

A diretora executiva de criação da agência, Nina Lucato, completa: “Acredito que seja pela complexidade das novas plataformas de mídia e da necessidade constante de mensuração e dados que o mercado exige hoje. Com isso, é preciso ter uma equipe de mídia maior e mais especializada, o que, dentro de uma agência full servisse, pode ser um desafio de investimento”.

À medida que as ferramentas de dados, mídia e tecnologia se multiplicam, existe, ainda, uma discussão sobre quais especialidades devem estar plugadas em uma mesma agência. A head de mídia da VML Brasil, Luiza Valente, defende que a centralização de algumas disciplinas em uma única estrutura de mídia ajuda a trazer uma senioridade que, no modelo tradicional, talvez não fossem possíveis. “Em muitos aspectos, esse modelo híbrido — no qual sinergias da mídia são trabalhadas em uma única estrutura enquanto o pensamento estratégico da disciplina segue colado ao restante da agência — tende a ampliar a fluidez do conhecimento e a profundidade de nossas entregas”, resume.

“Penso que estar na mesma estrutura facilita a integração. E, aqui, não estamos falando apenas de mídia e criação, mas também da integração de planejamento, dados e outras disciplinas conjuntas”, aponta Andreia Abud, vice-presidente de mídia da WMcCann.

Veículos mais próximos

Ao falar da dinâmica entre mídia e criação e suas tensões, outro elemento essencial são os veículos. A mudança central, nesse sentido, seria uma maior participação dos exibidores e de suas áreas criativas na composição dos projetos e criação de formatos, como aponta Guga Ketzer, criativo e fundador da Suno.

“De anos para cá, os veículos iniciaram o processo de treinamento e envolvimento das equipes de criação, dentro das iniciativas de mídia. Isso colocou a criação em evidência dos grandes players. Não sendo apenas a busca pelo PI (pedido de inserção), mas, sim, a criação de campanhas e cases que se destacarão para o mercado e para a continuidade de novas campanhas”, explica Ketzer. O executivo esclarece, no entanto, que esse não é um processo fácil e que, com prazos apertados, pode ser difícil estabelecer esse momento de troca com os veículos.

Ainda assim, o movimento é desejado pelas agências. “Trabalhando cada vez mais integrados e de forma colaborativa, conseguimos chegar em formatos e oportunidades que fogem do tradicional. Vejo com bons olhos o trabalho cada vez mais próximo entre agência e veículo para a customização de formatos e mensagens. O mesmo vale para empresas de mídia exterior, que têm sofisticado e flexibilizado suas entregas”, define o CCO da Wieden+Kennedy Latam.

Tabelinha eficiente

Se o maior símbolo de mídia e criação bem entrosadas são campanhas que se destacam em meio à avalanche de estímulos ao público, os profissionais apontaram alguns cases que ilustrariam essa dinâmica. Para VML, um símbolo da integração é o curta Buscapé, criado para Vivo e Motorola, que celebra o filme Cidade de Deus. A produção foi veiculada na íntegra no Canal Brasil e no YouTube, mas teve desdobramentos em outras mídias. “Sem mídia e criação juntas desde o início, isso jamais teria sido possível”, considera Sleyman Khodor, CCO da VML Brasil.

A Wieden+Kennedy criou a campanha “Fizemos história”, para Betano, que conta a relação da marca com o clube Fluminense a partir de peças OOH com a história do clube e ídolos do elenco atual. A localização das peças ajuda a compor a narrativa dos momentos e jogadores homenageados. Para a faculdade Estácio, na campanha “Enem Lendário”, a Artplan criou exercícios didáticos dentro do jogo Fortnite. “Ou seja, em vez de fazer os jovens saírem dos games para estudar, fomos lá dentro do jogo para encontrá-los”, conta Joana Chulam, diretora nacional de mídia e negócios da Artplan.

Os executivos da AlmapBBDO citam o case “Abrigo Amigo”, criado em parceria com a Eletromidia. Nele, a oportunidade de serviço para mulheres que se sentiam inseguras esperando o transporte público à noite foi identificado pela criação e a mídia contribuiu com uma solução tecnológica compatível. A DM9 foi responsável pela campanha de iFood com a ex-­BBB Beatriz Reis, em silêncio. Mas Nina Lucato destaca também o case “The Last Performance”, da agência Special para uma seguradora de vida na Nova Zelândia. “Por meio da criação de um formato de mídia completamente novo, aliado ao entretenimento, conseguiu gerar não só grandes resultados de negócio, mas também rejuvenescer todo um segmento”, aponta a diretora executiva de criação. A ação, em parceria com o seriado The Brokenwood Mysteries, trazia de volta à vida, nos créditos do episódio, o personagem assassinado para prestar um depoimento sobre a importância de ter seguro de vida.

A vice-presidente de mídia da BETC, por sua vez, cita “Just Do It”, da Nike, em que a mensagem e a escolha dos canais de distribuição teriam sido essenciais para um sucesso duradouro. Guilherme Cavalcante, head de mídia da W+K SP, concorda: “Em suas campanhas nunca dá para perceber a diferença entre mídia e criação”, afirma, citando Nike. Mas não são apenas campanhas que refletem a dinâmica entre as duas disciplinas. A WMcCann cita a operação de ativar marcas no Big Brother Brasil (BBB) que, essencialmente, exige uma atuação colaborativa. Já a Galeria destaca a criação do Vitrine, hub da agência para mídia exterior. A vertical permitiu uma maior conexão entre as áreas para desenvolver formatos eficientes e criativos.

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