As ideias ainda têm algum valor?

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Opinião

As ideias ainda têm algum valor?

No tempo da criatividade conectada, nossa mente turbinada comanda os sentidos numa dança de ideias em que para cada estímulo consumido há uma resposta pessoal, uma opinião, uma réplica


2 de agosto de 2016 - 12h00

Viva o mundo em que vivemos, o tempo da criação, onde cada um se espalha da maneira que se vê, e se enxerga como quer no dizer de cada um.

A vida com curadoria compartilhada e sem controle editorial soa melhor como a ladainha acima que na forma de lamento. Muita coisa mudou desde o tempo em que o grande Mestre Pastinha cantava e jogava seu jogo de capoeira sem pensar nem imaginar. No tempo da criatividade conectada, nossa mente turbinada comanda os sentidos numa dança de ideias em que para cada estímulo consumido há uma resposta pessoal, uma opinião, uma réplica. Há quem se desespere, mas a maioria se deleita com a autoexpressão em tempo real, com o prazer da fotografia ininterrupta, dos filtros de imagem e da opinião sem filtro. Haja energia para tanta beleza.

Este é um mundo de ideias, onde a criatividade deixou de ser atividade de eleitos e virou o normal. E com tantas ideias neste mundo nem damos conta de sua importância.

No meio de tanta ideia errada, de tanta ideia genial, de tanta ideia de jerico, de tanta ideia radical e outras tantas ideias classificáveis de tantas outras maneiras, como ficou a Grande Ideia? Para quem não se lembra, a Grande Ideia era aquela capaz de mover as massas e, por isso, era o centro do mundo da propaganda. Ou pelo menos o centro do mundo das concorrências de propaganda. Ou talvez fosse só o centro do mundo do departamento de criação, mas como acredito que nós, da criação, somos o centro de alguma coisa importante, acho que a Grande Ideia era o centro do mundo e pronto.

Só que isso mudou. Agora todo mundo cria, fotografa, escreve, compõe, edita e cura. E as ideias continuam cada vez mais interessantes. A grande ideia, que às vezes era tão grande que só fazia sentido em forma de conceito, era tão gigante que só existia na hora da venda, foi se transformando pouco a pouco com a realidade de um mundo cheio de ideias gigantes.

Comprei no sebo uma edição ilustrada de 1969 de O Meio é a Mensagem, de Marshall McLuham (“O Meio são as Massagens”, naquela Edição da Record). Na abertura, o tradutor celebra a importância do trabalho contando que o autor “havia sido contratado por uma universidade americana por um salário de US$ 100 mil anuais, para tratar de problemas de comunicação de massas. Era o que Princeton pagava a Einstein”. O criador da Aldeia Global recebia o mesmo salário do criador da Teoria da Relatividade. Fantástico reconhecimento para a criatividade de ambos.

Já na primeira página, circulei algumas vezes em torno de uma frase interessante demais: “Confusões inumeráveis e um profundo desespero emergem invariavelmente em períodos de grandes transições tecnológicas e culturais. A nossa “Idade da Angustia’ é, em grande parte, o resultado de tentar cumprir as tarefas de hoje com as ferramentas de ontem — com os conceitos de ontem”.

O pensamento cabe perfeitamente no nosso momento: ainda nem entendemos direito como fazer vídeos para os smartphones inventados dez anos atrás. Enquanto nosso desejo criativo pede internet das coisas e realidades virtuais, praticamos a linguagem da televisão popularizada há mais de 70 anos. Na verdade, como o filósofo certamente imaginava, o tempo passou rápido demais. Com isso, ficamos sem saber direito o que fazer com a Grande Ideia, e por tabela com o negócio da propaganda.

Com tantas dessas ideias nascendo sem parar, a criatividade ficou ainda mais importante. Criatividade, a capacidade de criar algo a partir de uma ideia, de torná-la tangível e relevante. No nosso contexto, pequenas e grandes ideias se tornam importantes na medida em que são realizadas e em que viram outras. A Grande Ideia conceitual, que vivia sem compromissos, muitas vezes somente no ciclo de vida de ações de imprensa e festivais, teve que mostrar a que veio, provar do seu remédio, deixar de ser estória para ser experiência. Acabou virando outra coisa. E, daqui a pouco, muda tudo de novo.

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