Todas querem ser a Peggy

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Opinião

Todas querem ser a Peggy

Dar igualdade às criativas é colocar a criação no lugar de fala e de escuta da mulher, mas é também colocar em igualdade a criatividade, a capacidade e os salários


7 de março de 2019 - 13h39

Jon Hamm como Don Draper diretor criativo em Mad Men (crédito: reprodução)

Não sou crítica de TV e este texto não é sobre séries, mas preciso começar dizendo que nenhum seriado me incomoda tanto quanto Mad Men e levei um tempo para entender o porquê. Eles levaram 16 Emmys Awards e 5 Golden Globes e não sou eu que vou discordar de seu merecimento, porque é tudo lindo. De fato, recomendo. Só que, pouco tempo depois de tentar assistir algumas vezes, desisti e vou explicar o motivo.

A série se passa em Nova York entre as décadas de 1960 e 1970, bem ali no boom das grandes agências de propaganda. Escritórios esfumaçados de cigarro, o barulho das máquinas de escrever e homens (muitos homens!) rindo alto e tomando whisky em suas rodinhas de conversas. Todos queriam ser Don Draper — diretor criativo da firma de publicidade de Manhattan, Sterling Cooper.

Nesse contexto, temos apenas uma personagem feminina na agência, a Peggy — pelo menos a única que ficou na minha memória e com a qual vou seguir — comendo o pão que o diabo amassou para ser uma redatora de destaque. Descrevendo essa cena, sem acrescentar a década e o cigarro, parece familiar? Foi então que me dei conta de que eu era a Peggy. Passar o dia todo no trabalho vivenciando isso e ainda chegar em casa e me deparar com a minha realidade na TV? Não mesmo, prefiro ir a uma terapia!

A realidade da Peggy ainda existe, em suas devidas proporções de gerações e espaços, mas ainda existe. Todos os anos, milhares de garotas recém-formadas saem para o mercado de trabalho e se deparam com o mesmo contexto. A área de criação é o lugar que menos tem mulheres, experimente ir até a sala da criação e contar. E, digo mais, nossa cultura machista se alimenta das campanhas sexistas idealizadas por times de homens criativos e suas “layoutadas”, mas tendo suas artes finalizadas por tantas Peggys que conheço.

Um estudo recente desenvolvido pela consultoria 65|10, a pedido do Facebook, mapeou os estereótipos ainda utilizados pela publicidade brasileira e diz que 65% das mulheres brasileiras não se sentem representadas na publicidade. A pesquisa ainda destaca que a imagem que mais vende é a do corpo perfeito, dentro dos padrões, onde a mulher é uma mãe e esposa exemplar, sempre pronta a fazer seu marido feliz. Estamos em 2019 e ainda vendemos comercial de família margarina ou da gostosa da cerveja à grande massa.

A publicidade reflete a voz de uma geração, mas também direciona o que lhe convém. Precisamos dar oportunidade às vozes femininas dentro das agências e, principalmente, deixá-las entrar. Dar igualdade de espaços às criativas é colocar a criação publicitária no lugar de fala e no lugar de escuta da mulher, mas é também colocar em igualdade a criatividade, a capacidade técnica e os valores de salários. Porque também ganhamos menos na publicidade e não estamos em cargos de liderança criativa. Sheryl Sandberg, chefe operacional do Facebook, diz em seu livro Faça Acontecer — Mulheres, Trabalho e a Vontade de Liderar: “um mundo de fato igualitário seria aquele onde as mulheres comandassem metade dos países e das empresas e os homens dirigissem metade dos lares”. Ela fala que mulheres criativas precisam de oportunidades e desafios iguais.

Temos muitos caminhos abertos por criativas guerreiras, que hoje fazem história e lutam por cada vez mais trazer mulheres para trabalhar junto delas, através de projetos de empoderamento e uma cadeia de apoio, oportunidade e sororidade. Sheryl ainda diz: “There’s a special place in hell for women who don’t help other women”. Ou seja, tem um lugar especial no inferno para mulheres que não ajudam outras mulheres.

Volto a pensar na Peggy, meu reflexo mais difícil, e vejo que ela teve uma oportunidade e todos os desafios dignos de um roteiro de drama, assim como eu mesma e tantas outras. Sou a Peggy e isso é uma coisa boa. Ser mulher na criação seria um título lindo e prepotente para este texto, mas prefiro pensar que hoje lindo mesmo é ser a Peggy e, talvez, até voltar a assistir Mad Men por diversão.

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