Lições de inglês

Buscar
Publicidade

Opinião

Lições de inglês

Inédita supremacia de times da Inglaterra nas ligas europeias demonstra que futebol bem gerido é uma máquina de fazer dinheiro e podem render excelentes frutos


28 de maio de 2019 - 15h28

 

Arsenal e Chelsea (Crédito: Reprodução)

Escrevo essa coluna na sexta-feira 17. E confesso que estou um tanto atônita com o desafio de encontrar um tema relevante e ao mesmo tempo atual para essa publicação, afinal a semana fecha com um repertório de acontecimentos que nem um grande ficcionista seria capaz de criar. Pincelo aqui apenas três deles: a incrível saga de superação da cientista Joana D’Arc Felix de Sousa que, após apuração do jornal O Estado de S. Paulo, descobriu- se ter sido composta por alguns elementos que não correspondiam à verdade, como sua idade e o falso diploma de pós-doutorado de Harvard; a volta das manifestações populares às ruas relembrando os movimentos de 2013, toda a mixórdia que a provocou e a reação por parte dos que hoje ocupam o poder em Brasília fazendo o mercado, que outrora apostava no governo atual, ter um belo choque de realidade; e para finalizar, a convocação burocrática pelo técnico Tite da seleção brasileira que vai jogar a Copa América.

Acabo sendo mais influenciada pelo último tema. Olhando para os próximos dias, um dos grandes assuntos será o futebol inglês, já que na quarta-feira 29, ocorre a final da Liga Europa entre Chelsea e Arsenal e no sábado 1o, Liverpool e Tottenham disputarão a final da Champions League. E, casada com um britânico, acho que vale um olhar um pouco mais aprofundado sobre as razões para essa inédita supremacia dos súditos da rainha no esporte que eles mesmos inventaram.

No final do ano passado, assisti ao programa World Cup: Summer of Love, produzido pelo canal inglês iTV, que revive a trajetória da seleção liderada por Gareth Southgate na Copa do Mundo da Rússia, do início com expectativas baixas à construção jogo a jogo de um sentimento de união a partir de um time jovem e sem grandes egos, capaz de arregimentar uma nação dividida pelo Brexit em um sentimento que há tempos não experimentava, a ponto de chegar a uma semifinal após 28 anos: um verdadeiro Amor de Verão, como o título do programa lembra.

Forjados na NBA do futebol, maior liga mundial, a Premier League, uma entidade privada e independente que reúne 20 grandes times do Reino Unido (incluídos aí os do País de Gales), os atletas da seleção da Inglaterra e os quatro times que disputam de forma inédita as duas finais das principais ligas europeias vivem seu auge de consagração. A disputa pela Premier League é tão imponente que, no mais recente acordo, os clubes assinaram contrato para dividir um bolo equivalente a R$ 46 bilhões (ou 9 bilhões de libras esterlinas) pelas temporadas de 2019 a 2022 em direitos de transmissão. São cem mil empregos gerados direta e indiretamente.

Para efeitos de comparação, a Rede Globo disponibilizou em 2019 um montante de R$ 600 milhões para as transmissões do Campeonato Brasileiro na TV aberta. O valor foi recalculado com a falta de acordo com o Palmeiras e diminuído para R$ 570 milhões. A decisão de alguns clubes, puxado pelo alviverde, de fechar com a Turner está provocando a inédita situação de o líder do maior torneio nacional de futebol não ter seus jogos transmitidos pela maior emissora aberta do País. Um acordo entre Globo e Palmeiras estaria sendo costurado e até o fechamento deste texto ainda não tinha ocorrido. A dona dos canais de TV por assinatura TNT e Space vai distribuir aproximadamente R$ 120 milhões entre seis times com contrato ativo: Athletico Paranaense, Bahia, Ceará, Internacional, Santos e Palmeiras, membros do acordo original fechado em 2016, logo após a compra do Esporte Interativo.

De acordo com o estudo Deloitte Football Money League de 2019, Tottenham, Liverpool, Arsenal e Chelsea estão entre os dez times que mais arrecadam no planeta. Mas, entre o sétimo e o décimo lugar. As quatro equipes estão atrás, no ranking, de outros ingleses: Manchester United (terceiro) e Manchester City (quinto), este último vencedor da temporada atual da Premier League e da Copa da Inglaterra. Também estão na lista o Real Madrid (primeiro), Barcelona (segundo), Bayern de Munique (quarto) e Paris Saint-Germain (sexto).

Além de terem sido adquiridos nas últimas duas décadas por magnatas russos ou do mundo árabe (caso do Chelsea, Arsenal e do City), que investiram pesado nas suas aquisições, os finalistas das competições europeias desta temporada são os que mais contaram com o dinheiro do televisionamento dos jogos para chegar ao topo.

Desses, o destaque vai para o Tottenham, que arrecadou 428,3 milhões de euros (R$ 1,9 bilhão), sendo que 52,9% (R$ 1 bilhão) do total são provenientes da TV. O time de Londres, que acaba de inaugurar um novo estádio, e o Liverpool usaram o dinheiro para um projeto de longo prazo de remontagem de elenco e da estrutura do departamento de futebol. Ambos confiaram nos trabalhos dos treinadores, o argentino Mauricio Pochettino e o alemão Jurgen Klopp, respectivamente. O Liverpool, por exemplo, fez para esta temporada contratações caras como o volante guineense Keita (R$ 250 milhões) e o goleiro brasileiro Alisson (cerca de R$ 300 milhões), em mais uma demonstração de como a Premier League é um paraíso para os atletas estrangeiros.

Exatamente por isso, há uma grande apreensão na Inglaterra sobre como o Brexit poderá afetar a Premier League, já que fazendo parte da União Europeia, o futebol inglês tem o direito de importar quantos atletas quiser de outros países do continente. Com o Brexit, propõe-se uma redução de 17 para 12 do número máximo de atletas internacionais em cada elenco do torneio. E, como os cidadãos europeus se tornariam estrangeiros em solo britânico, centenas de jogadores estariam sujeitos a um regime de imigração diferenciado. Sem contar as exigências trabalhistas, que se tornariam mais altas. Consequências que ninguém previu e que agora estão à porta de se tornar realidade.

Seja qual for o resultado dos dois grandes jogos que os ingleses vão apresentar ao mundo nesta semana, há muita lição para o Brasil. Futebol bem gerido é uma máquina de fazer dinheiro e quando esses recursos são investidos de forma profissional, séria e com projetos sustentáveis, rendem excelentes frutos. Os conchavos políticos e as falcatruas que marcam a cartolagem do futebol brasileiro há décadas têm escancarado o abismo que há entre nossa outrora escola e o mero exportador de matérias-primas que nos tornamos atualmente, desidratando os times nacionais dos melhores talentos que produzimos.

*Crédito da foto no topo: Reprodução 

Publicidade

Compartilhe

Veja também

  • O que as conversas de bastidores do Web Summit Rio dizem sobre o futuro da tecnologia?

    Conversei, observei e andei bastante pelo Riocentro e decidi compartilhar 3 percepções que me chamaram muita atenção nas conversas

  • Sobre barreiras transponíveis

    Como superar os maiores desafios do marketing com a gestão de ativos digitais