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Opinião

Cultura do cancelamento e a gestão da reputação

É imperativa uma mudança na forma como empresas e executivos se posicionam, quando questões supersensíveis são colocadas em pauta a todo instante


17 de junho de 2021 - 17h27

(crédito: Visual Generation/istock)

Nem mesmo a genialidade de George Orwell foi capaz de prever um mundo em que todos, pessoas e empresas, estariam sob escrutínio público de manhã, de tarde e à noite, durante a semana e também aos sábados, domingos e feriados. É verdade que o seu “1984” antecipou em algumas décadas a sociedade comandada por um “Grande Irmão”, mas nem ele imaginou a revolução provocada pela combinação entre aparelhos móveis e redes sociais.

Mais de 70 anos depois da publicação da obra-prima de Orwell, temos, apenas no Brasil, mais de 230 milhões de smartphones em uso pela população de 211 milhões de pessoas. Um relatório da GSMA Intelligence, associação que reúne centenas de empresas de telecomunicações ao redor do globo, estima que o mundo contará com mais de 5,8 bilhões de pessoas com acesso a dispositivos móveis em 2022 e mais de 5 bilhões conectadas à internet móvel nos próximos quatro anos.

Com o planeta cada vez mais interligado, a sociedade se tornou uma grande teia em que todos são produtores de conteúdo, com um imenso potencial de alcance graças às infinitas conexões e às plataformas gratuitas disponíveis. Basta olhar um desses grafos que tentam identificar tendências para as redes sociais para perceber que é uma realidade bastante complexa.

Com a informação ainda mais democratizada e muitas vozes se tornando ativas, transformou-se também a maneira como os consumidores e as empresas se relacionam, de forma que os clientes passaram a ter a oportunidade de se manifestar em tempo real abertamente e com mais alcance entre amigos, parentes e demais seguidores, dando novas proporções e significado à antiga indicação “boca a boca”.

A intensificação da comunicação em via de mão dupla, em detrimento da mensagem unilateral, fez com que as pessoas deixassem de buscar apenas bons produtos e serviços e despertou nelas a vontade de se relacionar com empresas com as quais se identificam, alinhadas aos seus propósitos e valores. Nesse novo processo de relacionamento, quando alguém, empresa ou pessoa física, não corresponde ao que espera e deseja o “seguidor” (ou o cliente), o cancelamento é inevitável. O tribunal inquisidor das redes sociais é implacável e está sempre pronto para defenestrar sua próxima vítima.

Nesse contexto, é imperativa uma mudança na forma como as empresas e seus executivos se posicionam. Questões supersensíveis são colocadas em pauta a todo instante e é cada vez mais cobrada a participação das corporações nesses assuntos, não só pelo alcance e pelo poder de influência que têm, mas também pelos valores e pelo propósito, que precisam sair do papel. É a equação reputacional em jogo: o que você fala deve estar alinhado às suas atitudes – do contrário, a cobrança vem em uma avalanche digital. Walk the talk na veia!

Como o cancelamento nem sempre tem embasamento em algo negativo que o “cancelado” efetivamente fez ou falou ou não há qualquer comprovação de que este, de fato, é culpado pelo que é acusado, é preciso ter cuidado. Há inúmeros exemplos, no Brasil e no mundo, de pessoas (e empresas) canceladas na esteira de acusações que, mais tarde, não se confirmaram.

Deixando de lado o que é justo ou injusto, um fato é inexorável: este mundo em constante mutação traz inúmeros desafios para a gestão da reputação. É preciso, por exemplo, monitorar 24 x 7 o que se fala da empresa nas redes sociais, ter uma capacidade de reação e mobilização muito rápida e não hesitar em pedir desculpas quando se constata que um erro foi realmente cometido. Mais do que tudo isso, é fundamental ter valores claros e muito bem definidos. Só assim é possível fugir das oscilações de humor das redes, que ora pendem para um lado, ora pendem para outro. Isso é verdade, sobretudo, para empresas que atuam no varejo e precisam lidar o tempo todo com a diversidade de seus clientes e da própria sociedade.

George Orwell conseguiu dar um “spoiler” do que seria o futuro. Hoje, com as mudanças constantes que acontecem da noite para o dia, fazer esse tipo de previsão ficou muito mais complexo. É certo dizer, porém, que os papeis na sociedade estão se reorganizando, e as empresas precisam estar abertas para acompanhar essa mudança. Os erros acontecerão, os cancelamentos virão, e a solução não está na melhor estratégia de comunicação e branding, mas na humildade de reconhecer os problemas e mudá-los. Há alguns anos, aprendi que reputação é o que dizem de você quando você não está na sala. Na era das redes sociais, em que tudo é aberto a todos, não é muito difícil descobrir o que falam. Muitas vezes, dói, mas ninguém pode reclamar que não foi avisado.

**Crédito da imagem no topo: mrPliskin/istock

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