Se retratar é o primeiro passo

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Opinião

Se retratar é o primeiro passo

Como a polêmica sobre o McPicanha e Whopper de Costela podem afetar a reputação das marcas


12 de maio de 2022 - 10h00

Nos últimos dias, o McDonald’s e Burger King se viram envolvidos em uma polêmica com suas linhas de McPicanha e Whooper de Costela. Apesar dos nomes, os dois sanduíches não contêm, respectivamente, Picanha e Costela na composição da sua carne, mas apenas na composição do molho do sanduíche.

Por meio de um comunicado publicado em seus perfis nas redes sociais no dia 3, Burger King anunciou que irá mudar o nome do Whopper Costela (Crédito: Reprodução)

O principal ingrediente destes sanduíches é a carne. E o nome da carne claramente sugere ou induz o consumidor a assumir que o hambúrguer é feito com carne de picanha ou com carne de costela. Ah, mas na “linha miúda da comunicação estava claro que era apenas o molho”. Não fica claro e pode induzir ao erro, pois o consumidor chega na hamburgueria, olha as fotos, os nomes dos produtos, o preço e escolhe. Além disso, nas comunicações veiculadas o que aparece em destaque é a foto do produto e seu nome. Portanto, houve uma indução ao erro do consumidor.

 

Em propaganda, isso pode ser caracterizado como propaganda enganosa. Especificamente em dois artigos do Código de Ética do CONAR. No artigo 23: “os anúncios devem ser realizados de forma a não abusar da confiança do consumidor, não explorar sua falta de experiência ou de conhecimento e não se beneficiar de sua credulidade”. No artigo 27: “o anúncio deve conter uma apresentação verdadeira do produto oferecido” e que a propaganda “não deverá conter informação que leve o consumidor a engano quanto ao produto anunciado”. Tanto o CONAR quanto o Procon já sinalizaram que irão investigar as denúncias.

O alerta sobre o fato veio das redes sociais, através do perfil do Instagram Coma Com Os Olhos (@SrCCOO), com um post no tema e subsequente denúncia ao Procon-SP e ao Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR).

 

McDonald’s informou no fim de abril a retirada cardápio dos Novos McPicanha depois de repercussão negativa (Crédito: Divulgação)

A forma e a velocidade que uma empresa responde a uma determinada crise de imagem determina a intensidade do impacto reputacional. Caso a empresa se recuse a reconhecer o problema, não tenha uma comunicação clara com a sociedade, ou seja, incapaz de reduzir a cobertura negativa da mídia podem ocorrer danos significativos e duradouros à reputação organizacional.

Neste caso específico, as empresas reagiram de maneira distinta às denúncias e na gestão da crise. O McDonald’s rapidamente suspendeu a venda dos sanduíches e se retratou com o público através de um vídeo nas redes sociais. Assumiu que errou, mas conseguiu fazer com um tom leve e ainda reforçando atributos do produto. “Foi mal, galera! A gente vacilou no nome do nosso novo sanduíche. Por isso, a gente resolveu tirar ele do cardápio. Mas logo mais o sanduíche com a maior carne do Méqui e o delicioso molho sabor picanha tá de volta. Com outro nome e com o mesmo sabor que a galera amou.” Uma boa tentativa de fazer do limão uma limonada.

Já o Burger King teve um posicionamento mais formal com um comunicado escrito. Em um primeiro momento, negando o problema, mas depois percebeu o erro e mudou seu posicionamento: “Desde o lançamento do produto [a empresa] sempre trouxe com clareza em sua comunicação e em todos os materiais e peças publicitárias, cardápios e materiais oficiais de marca a composição do hambúrguer presente no sanduíche”. Em um segundo momento: “Mas a reação das pessoas é um recado bem claro. Hora de ouvir, aceitar e agir. Sem meias palavras, sem gracinha, sem relativizar o problema. Por isso, a gente vem a público dizer que sentimos muito pelo ocorrido e anunciar a troca imediata do nome do sanduíche para Whopper Paleta Suína. O sanduíche continua igual, a composição do hambúrguer permanece sendo 100% carne de paleta suína com aroma de costela, sem qualquer ingrediente artificial.”

Assumir o erro e se retratar é o primeiro passo para superar uma crise de imagem e tentar encontrar uma saída positiva. Como McDonald’s e Burger King são competidores diretos, com problemas similares ao mesmo tempo, se o Burger King não se movesse como o McDonald’s, ficaria em uma posição ainda mais frágil.

Mas, quais são os efeitos práticos dessa crise? No curto prazo, uma possível perda de clientes. Se os clientes de uma organização sentirem que foram enganados, é provável que busquem produtos ou serviços alternativos. Ainda, os consumidores também podem escolher por compartilhar sua frustração em plataformas de mídias sociais, o que amplificaria o dano reputacional e exigiria um processo proativo de contenção de crise.

Entretanto, o maior risco que as empresas enfrentam não é a eventual perda de receita com a redução das vendas de uma linha específica, mas sim o dano reputacional. Este que pode ser definido como uma mudança negativa nas percepções de um grupo de pessoas sobre o comportamento, o desempenho ou as comunicações da empresa. Via de regra é resultado de uma lacuna entre o que a empresa diz e o que acontece de fato (ou pelo menos percebido como realidade). Temos um exemplo claro, até didático, do que não fazer no caso dos sanduíches. As empresas nomearam seus produtos com um item que simplesmente não tem no principal ingrediente do produto.

No polo oposto dessa discussão, uma reputação positiva traz uma série de benefícios tangíveis para as empresas: maior fidelidade de clientes e consequentemente maior recompra e amplitude de compra por cliente; percepção de melhor fornecedor, o que muitas vezes possibilita cobrar um prêmio; maior confiança do mercado de capitais, crença em lucros sustentados e crescimento futuro, portanto têm múltiplos preço-lucro e valores de mercado mais altos e custos de capital menores. Portanto as organizações são especialmente vulneráveis a qualquer incidente que possa danificar sua reputação.

A crise de imagem corporativa traz um risco para a relação de confiança entre consumidor e empresa, sendo justamente a base para uma reputação sólida, seja de empresas ou indivíduos. Manter promessas é fundamental para manter a confiança e perenidade dos negócios. Pode levar anos para construir credibilidade corporativa e apenas algumas ações para causar danos gigantescos. Parafraseando Benjamin Franklin: “É preciso muitas boas ações para construir uma boa reputação e apenas uma má para perdê-la.”

Tanto McDonald’s quanto Burger King são marcas sólidas, com grandes equipes e investimentos em marketing e comunicação. Com certeza vai ficar a lição de que se arriscar na comunicação da composição e atributos do produto podem ter um alto custo, impactando a reputação da empresa como um todo. O erro foi assumido e mitigado. Importante não vacilar novamente para não cair em descrédito permanente.

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