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Blog da Regina

Lollapalooza, Thanatos e Eros

Nesse momento difícil pelo qual passamos, nem tudo é pânico, luto, depressão, paralização e medo. Outros sentimentos despertados em momentos pandêmicos são a solidariedade, a empatia e a compaixão


1 de abril de 2022 - 10h31

Um festival que voltou depois de dois anos de cancelamento devido à pandemia. Foram muitas as mensagens que um grande evento realizado neste contexto trouxe (Crédito: Mauricio Santana/Getty Images)

Domingo passado foi um dia especial por vários motivos. Em primeiro lugar, porque pude fazer com meu filho um programa que adoro: fomos assistir ao nosso tricolor no clássico contra o Corinthians. E fiz questão de ir de metrô, já que estacionamento e qualquer tipo de transporte nas imediações do Morumbi são sempre complicados. O mais bacana do metrô naquele começo de tarde foi vê-lo cheio de pessoas jovens e felizes, metade vestida para ir ao Lollapalooza e outra com adereços são-paulinos. Uma sensação de que a vida voltou a pulsar e de que finalmente podemos voltar a ir a festivais de música, a jogos de futebol; enfim, sobrevivemos. A vitória do meu São Paulo encheu a gente de alegria, em especial o Theo, que tinha saído de uma semana difícil na escola e foi presenteado por aquela vitória que mudou totalmente seu humor e espírito.

Voltei para casa a tempo de acompanhar o encerramento do Lollapalooza pela TV. Um festival que voltou depois de dois anos de cancelamento devido à pandemia. Foram muitas as mensagens que um grande evento realizado neste contexto trouxe. E todas mostram como a realidade se impõe e é implacável. Das manifestações e expressões de artistas sobre o momento político atual, atacadas por meio de uma grosseira tentativa de volta da censura, à morte do baterista do Foo Fighters, Taylor Hawkins, fazendo com que a banda que estava prevista para encerrar o festival no domingo cancelasse sua apresentação, o Lolla mostrou como o imponderável nos ronda.

Uma roda de rappers sob o comando de Emicida com direito a Mano Brown, Ice Blue, Rael e Djonga, dentre outros, seguidos por Planet Hemp, foi a saída encontrada pela organização do festival para homenagear Taylor. A mensagem política dessa decisão é muito emblemática e potente. Ali naquele palco, numa só tacada, estavam expostas nossas duas grandes pulsões: a lembrança de Taylor na linda homenagem por meio do vídeo exibido no telão de Perry Farrell, criador do festival, nos remeteu ao nosso lado Thanatos (a pulsão da morte), uma das forças antagônicas que formam o nosso psiquismo e nos leva em direção à morte, à destruição, à compulsão e à autodestruição; e o que se viu depois, sob o comando de Emicida, não foi apenas uma celebração à obra de Taylor, com versões, referências, imagens e passagens de sua carreira, mas sim um show para a plateia do Lolla. Um ato que substituiu a ausência de outro. Aí entrou em cena o lado Eros (a pulsão da vida), uma força com tendência à preservação da vida, em que se criam movimentos, ligações e mecanismos que tendem a gerar seguranças sociais e psíquicas e abertura para o novo e para o amanhã.

Do Rock ao Rap, com direito a mensagens e posicionamentos políticos diante da caricata proibição de manifestações que um ministro do TSE havia decidido, mais nomes se juntaram a Emicida e um dos pontos altos da festa foi quando Criolo apareceu usando uma camiseta que tinha a urna eletrônica e a palavra “vote” nas estampas.

No Lolla da retomada, quem também deu um show foram as marcas patrocinadoras do evento com ativações que uniram marketing e ativismo. Dois destaques se sobressaem. O primeiro foi a iniciativa da Vivo, com o projeto “Presença Preta”, no qual destinou toda a sua cota de convites para pessoas negras, com objetivo de mais inclusão nos espaços de música e entretenimento.

Utilizando a estética Afrofuturista e com o mote “Nossos holofotes estão na plateia. Nosso olhar, no futuro”, a ação contou com uma campanha e com diversas ativações pré e durante o festival, e um filme estrelado por Djonga, um dos maiores nomes do cenário do rap brasileiro e uma das atrações do festival.
Por sua vez, a Budweiser – uma das patrocinadoras principais do Lolla – promoveu uma série de encontros de personalidades negras nos espaços BudX, Bud Studio e Bud Stage durante os três dias de festival. Dentre os nomes que a marca de cerveja levou, destacam-se as cantoras MC Carol, Jojo Toddynho, Ludmilla, Karol Conká e Ashira. Emicida e Mano Brown também passaram pelo espaço, bem como os criadores de conteúdo Stella Yeshua, Júlio Beltrão, Dan Mendes, entre outros.

O domingo de encerramento do Lolla também foi marcado pela transmissão do Oscar, que, infelizmente, não será lembrada pela linda homenagem feita aos 50 anos do filme O Poderoso Chefão com direito à presença no palco do trio Robert De Niro, Al Pacino e Francis Ford Coppola, ou pelo remake da dancinha mais icônica do cinema norte-americano no clássico Pulp Fiction, com a presença no palco de outro trio – John Travolta, Uma Thurman e Samuel L. Jackson –, mas de uma cena lamentável de agressão. O tapa desferido por Will Smith a Cris Rock após este último fazer uma piada de mau gosto com o cabelo de sua mulher é o retrato acabado de como nossas duas pulsões mais elementares podem nos mover e nos levar a lugares movediços.

Ambas as pulsões não agem de forma isolada, mas em conjunto, segundo o princípio de conservação da vida. Mas qual delas estamos alimentando mais em nosso psiquismo individual e coletivo? Pulsão de vida ou Pulsão de morte?

Nesse momento difícil pelo qual passamos, nem tudo é pânico, luto, depressão, paralização e medo. Outros sentimentos comuns despertados em momentos pandêmicos são a solidariedade, a empatia e a compaixão. O inesperado ato de amor ressurge nesse momento através de ações humanitárias individuais e coletivas, especialmente expressas em doações para a satisfação das necessidades básicas primárias, até os gestos mais simples de amor e alegria com o próximo.

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