Publicidade

Opinião

Talvez você precise desacelerar

Será que você é a chefe que manda mensagem às 23h e cobra excessivamente sua equipe? Ou você é a que sofre por equilibrar vários pratinhos ao mesmo tempo, e muitos deles nem são seus?


10 de maio de 2022 - 23h46

(Crédito: Maria Petrish/Shutterstock)

Oi, tudo bem? Como você está se sentindo? Está satisfeita, tranquila e plena ou está sem paciência, fica irritada ao menor sinal de contradição e acorda diversas vezes durante a madrugada preocupada com as demandas? Se sente angustiada? Fica com aquela sensação de nunca dar conta das tarefas? Seu coração chega a bater mais forte sempre que você pensa em todos os pratos que precisa equilibrar? Casa, trabalho, relacionamento, filhos, família, cachorro, boletos e a sua própria pessoa que também precisa, necessita, grita por cuidados. 

Se você respondeu sim para duas ou mais questões, seja bem-vinda ao clube das exaustas por produção excessiva e tóxica! Sou uma das fundadoras desse clube e acho que nós duas estamos precisando desacelerar. Há anos venho tentando entender os limites entre o trabalho e a vida pessoal, e com o período pandêmico essa fronteira ficou ainda mais sensível. E, eu, cada vez mais confusa e cansada.

Exausta é a palavra da moda. Nunca a pronunciamos tanto, mas, também, que outra palavra seria capaz de exprimir nosso sentimento diante do momento pós Covid-19? Somos uma sociedade exaurida, esgotada diante das incertezas que o presente nos trouxe. Nós, mulheres, fomos ainda mais demandadas durante os últimos dois anos. Fomos as grandes responsáveis pelo cuidado de nossos familiares doentes, de nossos filhos fora da escola, do acúmulo das tarefas domésticas. Estivemos ainda mais expostas a violências múltiplas, e para uma parcela desse grupo de mulheres, o trabalho, os estudos e os compromissos invadiram a casa. 

No mundo atual, os valores do trabalho usurparam a vida pessoal, provocando efeitos danosos. A produtividade tóxica é resultado dessa invasão, embora já estivesse entre nós muito antes da pandemia. Foi nos últimos dois anos que ela ganhou mais contorno e até definição médica: o excesso de produção profissional, de preocupação e de dedicação ao trabalho em detrimento do bem-estar.

Num país como o Brasil, falar em bem-estar pode soar como afronta diante de tanto empobrecimento e luto. Aqui, mais de 14 milhões de pessoas estão desempregadas. Temos o cenário perfeito para a produtividade tóxica. Quem não quer trabalhar nas condições que o mercado oferece só precisa desistir, que o capitalismo contrata o próximo da fila, ganhando menos e trabalhando mais.  

Nessa corrente de trabalho em excesso há muitos sinônimos: uberização, pejotização e trabalho sob demanda são alguns exemplos. Neste grupo estão desde profissionais que precisam de estrelas para ter emprego ao final do dia, como o entregador de aplicativo, a profissionais que estão submetidas a jornadas intermitentes de trabalho com o auxílio das ferramentas modernas de comunicação, como o e-mail e o WhatsApp. Num mundo onde o desempenho é colocado como principal motivo para a sua evolução, como dizer não a uma mensagem do chefe às 23h? É muito difícil estabelecer limites quando o volume de produção de cada indivíduo é utilizado para medir sua importância. “Vale o quanto produz” passou a ser o slogan de cada trabalhador.

Nós somos engolidas pela onda e, sem perceber, estamos trabalhando o tempo todo. Mesmo na hora do nosso lazer, estamos fazendo algo para aumentar o nosso rendimento. Assistindo a uma série que nos ensine a ter mais foco e conseguir executar as tarefas do dia a dia em menos tempo. Aprendendo a usar um aplicativo capaz de aumentar a nossa eficiência. Lendo um livro que nos mostre como ser foda o tempo todo. Fica cada vez mais difícil descansar por descansar, dormir por dormir, ler por ler, assistir por assistir, viver o ócio pelo ócio e se sentir bem com isso. 

Nesse jogo, onde o capitalismo define as regras, não existe fair play, e o descanso passa a ser o momento em que a culpa toma conta de nós. Ficamos culpados se não estivermos desenvolvendo algo. A produtividade tóxica gera em nós uma obsessão por autoaperfeiçoamento. Não importa o quanto faça, você sempre vai se sentir insuficiente. É a eterna sensação de não dar conta, e aí a gente fica cansada de estar sempre cansada. 

Sem conseguir distinguir com facilidade hora de trabalho de hora de lazer, e com a nossa capacidade crítica ofuscada pela falsa ideia de sucesso, viramos reféns. A queixa de uma agenda muito lotada e de um corpo cansado se tornou motivo de vangloriação. Ficamos orgulhosas de não termos tempo para nada, de estarmos sempre ocupadas, e usamos as redes sociais para propagar nosso cansaço glamourizado. 

A conta não vai fechar para nenhum dos trabalhadores que estiverem sob estas condições, muito menos para quem é mãe, mulher, cuidadora e trabalhadora. O próximo passo sempre é clínico. Depressão, ansiedade, déficit de atenção e até a síndrome de burnout, um distúrbio psíquico caracterizado pelo estado de tensão emocional e estresse provocados por condições de trabalho desgastantes

Ser produtivo e fazer milhões de coisas têm um valor social muito admirado atualmente. “Produza, produza, produza” não pode ser o mantra da sua vida. Talvez seja o momento de você refletir quem és tu na sociedade do cansaço. Será que você é a chefe que manda mensagem às 23h, cobra excessivamente sua equipe e em todos os feedbacks deixa claro que sempre espera mais de quem trabalha contigo, sem perceber que essas pessoas já estão se doando além do possível? Ou você é a que sofre por equilibrar vários pratinhos ao mesmo tempo, e muitos deles nem são seus?

Pare um pouco, respire e reflita se você não está precisando desacelerar.

 

Publicidade

Compartilhe

Veja também

  • A jornada de Lorice Scalise para ampliar o acesso à saúde 

    A jornada de Lorice Scalise para ampliar o acesso à saúde 

    A presidente da Roche Farma no Brasil fala sobre seus desafios no comando da farmacêutica e a relação entre saúde, gênero e liderança feminina 

  • O que o BBB 24 trouxe de reflexão sobre gênero?

    O que o BBB 24 trouxe de reflexão sobre gênero?

    Com o fim do reality show, algumas questões sobre as mulheres ficaram evidentes