Nosso marketing fortalece ou enfraquece a humanidade?

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Opinião

Nosso marketing fortalece ou enfraquece a humanidade?

Somos bem-sucedidos quando transformamos hábitos e mudamos a vida das pessoas, e isso é uma baita responsabilidade


16 de maio de 2022 - 0h02

(Crédito: melitas/Shutterstock)

No meu último artigo, falei sobre a função básica do marketing de construir pontes entre o homem e as respostas às suas necessidades. Porque, originalmente, o marketing era sobre fazer gente feliz, por conectar oferta e demanda. Falei também que a evolução do marketing tinha nos levado a nos encantar mais pela ponte do que por aquilo que estava do lado de lá – o produto ou serviço em questão. Hoje, o papo é sobre o produto ou serviço em questão. 

Tim Urban, um dos escritores mais lidos na web (Wait But Why), criou o conceito do Colosso Humano: a somatória de todos nós, seres humanos, agora mais conectados do que nunca e, por isso, mais fortes. Vishal Lakhiani, fundador da Mindvalley, provoca: há negócios que potencializam o Colosso Humano e negócios que o tornam dependente e/ou o adoecem, e todos nós sabemos como separar um do outro. Ele fala de jogos de azar com dinheiro, sodas e tabaco como exemplos de negócios “humanity minus”, que enfraquecem a humanidade. E ele pede, numa inspirada fala aos jovens da AIESEC (“Associação Internacional de Estudantes de Economia e Ciências Comerciais”, em tradução livre) do mundo todo, em 2017, pra que eles escolham trabalhar para negócios “humanity plus”. E nós, que trabalhamos pra promover produtos e serviços, para criar e projetar imagens que seduzam, estamos fortalecendo ou enfraquecendo o Colosso Humano? 

Meu primeiro emprego em marketing foi na empresa onde fui trainee, a Souza Cruz. Na época, ainda valia fazer campanhas milionárias na TV, e elas eram as melhores. O cigarro era perfeitamente aceito em toda parte e não havia restrições publicitárias. As músicas dos filmes de Hollywood eram sucesso garantido, Carlton patrocinava o Carlton Dance, Derby tinha a Festa do Peão. Não havia nada mais interessante para um jovem marqueteiro: liberdade e investimento para a criatividade fazer o resto!

Mas eu nunca tinha fumado e não gostava do produto, desconfiava que aquilo não fazia bem. Dividida entre uma proposta tentadora e minha intuição, procurei uma referência espiritual. Seu ponto de vista foi tão interessante: “Viver não é sempre fácil e o homem precisa de muletas que se apresentam em diferentes formas: o cigarro é uma delas. Contanto que menores não sejam o alvo, não vejo problema.”. Isso me permitiu aceitar a vaga. A vida deu suas voltas e eu me demiti antes do curso de degustação de produto por razões logísticas envolvendo minha maternidade recente.

Uns 15 anos mais tarde, a mesma empresa me procurou pra uma nova posição – de novo, muito interessante. Mas, naquele momento, meu critério foi bastante pessoal: ficaria feliz em ver meu filho consumindo esse produto? Começando a fumar aos 15 anos? A resposta foi instantânea: “Não!”. E se eu não me sentia confortável que meu filho consumisse, como poderia criar todo um universo atraente que acabaria impactando os filhos dos outros?

Eu não tive muita dúvida de que um mundo livre de tabaco era melhor que um mundo com algum tabaco. O que é algo que ainda se pode discutir hoje em relação, por exemplo, ao vinho tinto (em moderação pode? – é rico em polifenóis! – é parte da dieta mediterrânea). E a dependência das redes sociais e os efeitos sobre a formação do cérebro e sobre nosso comportamento se elas entram na nossa vida cedo demais? Parece que os maiores nomes de Silicon Valley não deixam os filhos online antes de uma certa idade, porque as maiores plataformas têm atributos que foram pensados pra serem extremamente viciantes. E aí? “Humanity minus” ou “humanity plus”? Ou, ainda: o que vale ser construído? Quais as fronteiras entre o que queremos elevar e celebrar com nosso talento e aquilo para o qual devemos dizer não?

Tarefa fácil, não é. Mas é nossa, como profissionais de marketing. Somos bem-sucedidos quando transformamos hábitos e mudamos a vida das pessoas, e isso é uma baita responsabilidade. Quando fazemos bem nosso trabalho, o bônus sempre nos espera no fim do arco-íris. Mas como estamos deixando o Colosso Humano depois da nossa passagem?

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