Marketing

Agenda de diversidade e inclusão encara desafios de consistência

Cenário global pressiona a pauta, que exige compromisso e cultura interna para sustentar ações e resultados a longo prazo

i 12 de dezembro de 2025 - 6h10

Reportagem de abril da norte-americana NBC News indicou que muitas das principais celebrações do Orgulho LGBTQ dos Estados Unidos perderam patrocinadores importantes, como a Anheuser-Busch (a marca tinha parceria de mais de 30 anos com a Pride St. Louis). As desistências resultaram em queda de US$ 200 mil a US$ 350 mil para o financiamento por evento.

E o movimento não é localizado. A 29ª edição da Parada do Orgulho LGBTQ+ de São Paulo encarou uma queda no número de patrocinadores. Neste ano, o evento contou com 13 marcas apoiadoras, menos que as 19 na edição de 2024.

diversidade e inclusão

Recuo da pauta é influenciado por tendências globais e demanda diretrizes e cultura interna para gerar legado e consistência na comunicação (Crédito: Vitalii Vodolazskyi/Shutterstock)

Desde 2020, ano do impacto global do movimento Black Lives Matter, a pauta da diversidade e inclusão vem assistindo à uma abordagem esporádica por parte das empresas em todo o mundo. Agências de publicidade, por exemplo, vinham registrando corte em cargos relacionados a DE&I ainda no ano passado. Também internamente, grupos de afinidade estiveram sob escrutínio em meio à diminuição dos esforços na agenda.

Raquel Virgínia, fundadora e CEO da Nhaí, atribui a retração global de forma geral à reeleição de Donald Trump a presidência dos EUA, eliminando políticas de diversidade e inclusão. Além disso, aponta para um movimento de alocação de verbas de marketing de forma mais direcionada à temática ambiental, muito em decorrência da realização da COP30 no Brasil.

“Quando se deixa de abordar e substitui um tema pelo outro dentro do orçamento de investimento, relacionamento e construção, é porque não entenderam o conceito de sustentabilidade e meio ambiente”, argumenta. Raquel integra o comitê de Sustentabilidade do Pacto Global da ONU no Brasil e alerta: “Há um equívoco muito grande acontecendo. Estamos esquecendo que sustentabilidade, necessariamente, passa por pessoas. Um dos temas mais importantes é o de justiça ambiental”, diz. De acordo com Raquel, houve uma diminuição e até mesmo interrupção de parcerias na Nhaí.

O levantamento Diversidades na Comunicação de Grandes Marcas em Redes Sociais, da Buzzmonitor em parceria com a SA365 e a Elife, revelou que a população LGBTQIAPN+, segue subrepresentada: 26,2% estão em peças de cuidados com o lar e 16% em alimentos e bebidas, de marcas como Brilhante, Beats e Comfort.

O estudo analisou 6.124 publicações que mostravam pessoas em imagens, fotos ou vídeos, feitas ao longo do último ano nos 261 perfis digitais dos 20 maiores anunciantes do País, segundo o Índice Kantar Ibope 2024.

Outra hipótese para o afastamento e despriorização da pauta, segundo João Victor Guedes, diretor de marketing da Amstel no Brasil, é a polarização atrelada ao receio de que ações sejam vistas como extremas. “Isso pode limitar o ímpeto de continuar atuando na causa. Foi um ano mais desafiador do ponto de vista econômico como um todo. Então, as empresas tiveram que fazer escolhas difíceis também”, complementa.

A Amstel, do Grupo Heineken, é progressista por essência, classifica Guedes, norteada pelo propósito de fazer com que as pessoas sejam mais respeitosas. Já caminha para o sétimo ano seguido de patrocínio à Parada do Orgulho LGBTQIAPN+, mas o evento faz parte de uma série de iniciativas para apoiar a comunidade.

Em parceria com a Nhaí, a marca lançou o programa Mentoria Negócios de Orgulho, voltado para o fortalecimento de bares e espaços culturais LGBTQIAPN+ na cidade de São Paulo. O projeto está em prática desde julho e beneficia 17 empreendimentos com apoio técnico e estratégico para incentivar o crescimento sustentável dos negócios, entre eles aulas de inteligência artificial (IA) para otimização das operações, treinamento em gestão financeira e capacitação em marketing digital, por exemplo.

O plano de marketing contempla, ainda, o patrocínio da Conmebol Libertadores Feminina e outros projetos ligados ao futebol, como o documentário De Virada – Bastidores e desafios do futebol que retrata lideranças femininas na modalidade.

Abordagens do tipo, diz Raquel, demonstram o compromisso em construir legado, participando de espaços mainstream ao mesmo tempo em que foca na conversão e gestão de comunidades. “A comunicação de uma marca, a construção de um território e o envolvimento com comunidades precisam ser acompanhados de consistência”, defende. Esse é o sexto ano da parceria de Amstel com a Nhaí.

Estratégia enraizada para consistência

A consistência na comunicação está diretamente conectada à cultura organizacional e não fica restrita às marcas que já nasceram com a agenda enraizada. O Banco do Brasil existe há mais de 200 anos e, pela primeira vez, é presidido por uma mulher negra e nordestina, Tarciana Medeiros, lembra a gerente executiva ASG no Banco do Brasil, Gisele Souza.

Mesmo em um cenário de retração frente a movimentos globais, lembra, o banco não reduziu ou encarou impacto em suas atuações estratégicas. Reflexo do ancoramento da pauta de diversidade e inclusão (D&I) na sua estratégia corporativa, bem como em documentos declarados pela instituição, garantindo que o tema não seja volátil, mas, sim, um pilar de sua operação e cultura para refletir a população brasileira.

Internamente, a consistência é mantida por meio de um fluxo de governança que inclui conselhos de diversidade com a alta liderança, fóruns regionais para a escuta ativa e representativa dos funcionários, trilhas de capacitação obrigatórias sobre diversidade e a implementação de ações afirmativas nos processos de recrutamento e seleção para proporcionar visibilidade aos marcadores de raça, gênero e PCDs, por exemplo.

“Ao longo de 2024 e 2025, o Banco do Brasil foi se posicionando claramente, mas também é preciso reverberar isso dentro da empresa e entregar o que estamos assumindo enquanto compromisso para fazer a transformação da sociedade. É preciso dialogar”, detalha Gisele. Da porta para fora, no âmbito da comunidade LGBTQIAPN+, a instituição promove o Pink Economy Experience, evento que se propõe a discutir, valorizar e impulsionar a economia do grupo no Brasil.

Neste sentido, o diretor de marketing da Amstel no Brasil destaca a humildade e aprendizado constante para manutenção da cultura interna. O executivo assume a dificuldade das pessoas físicas responsáveis por construir a marca em atingir o nível de respeito e progressismo que a marca exige, uma vez que carregam seus próprios vieses, cultura e história. “Temos que nos despir de tudo isso para chegar o mais perto possível da essência progressista da marca”, detalha.

A pauta em 2026

No próximo ano, anunciantes encararão o desafio de comunicar em uma agenda cheia no Brasil, com Copa do Mundo e eleições. Ainda que seja um período em que a atenção do consumidor esteja mais diluída, os especialistas reconhecem uma oportunidade para que as marcas retomem a conexão com a vocação e a demografia brasileiras. “Empresas que não dialogarem e não estiverem inseridas e ancoradas em diversidade não conseguirão se sustentar”, indica Gisele, do Banco do Brasil.

“O Brasil está mostrando a sua vocação com diversidade e conseguindo, através das nossas marcas e empresas, manter a relação com esse legado que está sendo construído não só para essa, mas para as próximas gerações”, corrobora Raquel, da Nhaí.