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Marcas e Mês do Orgulho: houve recuo na abordagem da pauta LGBT+?

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Marcas e Mês do Orgulho: houve recuo na abordagem da pauta LGBT+?

Profissionais do mercado avaliam que polarização e medo de cancelamento levaram empresas a adotar uma postura mais tímida no mundo e também no Brasil


13 de junho de 2024 - 6h00

Celebrado como o mês do orgulho da comunidade LGBTQIA+, junho tornou-se, nos últimos anos, um período de grande concentração de ações publicitárias, campanhas e outras iniciativas de marcas que desejam mostrar seu apoio às variadas formas de vivência do amor e da identidade.

marcas orgulho

(Crédito: Chinnapong-shutterstock)

Neste ano, embora os projetos com essa temática ocupem as redes sociais e alguns canais de mídia, existe, por parte de algumas esferas do mercado, a percepção de que as empresas estão, no mínimo, mais tímidas na hora de demonstrar publicamente seu apoio às causas LGBT+.

Nos Estados Unidos, por exemplo, essa observação foi motivo de uma reportagem da publicação Ad Age, especializada na cobertura do mercado publicitário. Por meio de entrevistas com profissionais de agências e pelas iniciativas demonstradas pelas marcas antes do início de junho, a reportagem avaliou que, nos Estados Unidos, anunciantes que sempre levantaram a bandeira em defesa da comunidade LGBT+ estavam mais tímidas nas ações neste ano de 2024.

Marcas como Converse, Levi’s e American Eagle, apoiadoras históricas da causa, continuam investindo na temática Pride, porém, não quiseram falar à reportagem do Ad Age sobre as ações preparadas para o mês do orgulho, uma postura bem diferente da adotada nos anos anteriores.

A rede de departamentos Target, que costuma aproveitar junho para apresentar coleções de diversos produtos com a temática do Orgulho, anunciou que reduziria os lançamentos este ano. A rede argumentou que mantém o apoio à comunidade, mas que preferiu direcionar os investimentos para garantir o bem-estar e acolhimento de seus funcionais gays, lésbicas, bissexuais, transsexuais e outros representantes da comunidade.

E no Brasil, como as marcas estão reagindo em relação ao Mês do Orgulho?

No último dia 2, a cidade de São Paulo recebeu a 28ª edição da Parada do Orgulho LGBT+, o maior evento nacional do calendário de celebração da diversidade e igualdade. De acordo com o Monitor do Debate Político no Meio Digital da Universidade de São Paulo, mais de 73 mil pessoas acompanharam de perto a festa e os desfiles dos trios na Avenida Paulista.

A Parada teve uma adesão expressiva de marcas. Ao todo, 19 anunciantes promoveram ações e estiverem presentes no evento. Entre eles, estão Amstel, Heineken, Vivo, L’Óreal Group, Burger King, Philip Morris e outras.

Apesar dessa forte adesão de marcas no momento mais importante do Mês do Orgulho, existe também no mercado brasileiro a percepção de que, neste ano, a publicidade está mais tímida na abordagem do apoio ao público LGBT+.

O movimento percebido nos Estados Unidos, na verdade, tem a ver com o que acontece também em território nacional. Ricardo Sales, fundador e CEO da consultoria Mais Diversidade, contextualiza que a extrema direita norte-americana elegeu a agenda ESG como um de seus alvos principais e que, como este grupo é articulado internacionalmente, existe um respingo em todo o mundo, inclusive no Brasil.

“Historicamente, no tema de diversidade, o Brasil se inspirou no que é feito nos Estados Unidos. Entendo que estamos diante de oportunidade de nos emancipar e fazer do nosso País a maior referência mundial do assunto. Somos um dos países mais diversos do mundo e com grande potencial de liderar o planeta na construção de uma economia sustentável e inclusiva”, acrescenta.

Isabella Mulholland, chief strategy officer da Suba, diz observar um movimento global de retração nos investimentos e na representatividade da comunidade LGBT+. Ela cita dados de pesquisas, como a Representa e TodXs, conduzidas pela ONU, que apontam que a presença de pessoas LGBT+ na comunicação está na faixa de 2%, quando deveria, no mínimo, ser de 10%, correspondendo a sua fatia estimada na população geral.

Isso, na visão de Isabella, se reflete nessa percepção de menos ações no mês de junho. “No contexto específico do mês do orgulho, há a expectativa de que as marcas intensifiquem seus investimentos de forma duradoura, indo além de ações pontuais em momentos simbólicos. Em uma análise mais realista, contudo, vemos que fatores como movimentos ultraconservadores, cancelamentos e boicotes generalizados nas redes sociais estão influenciando a postura mais cautelosa dos anunciantes”, acredita.

Medo do cancelamento afeta as ações no Mês de Orgulho

Quando questionados sobre os motivos que justificariam essa atitude mais comedida por parte das marcas, outros profissionais do mercado publicitário também apontam o receio dos anunciantes em se envolver em assuntos que geram polarização.

Assim como nos Estados Unidos, muitas empresas no Brasil já foram ‘canceladas’ ou sofreram diversas críticas do público por seu posicionamento, na opinião de Ana Catharina Bessa, gerente de PR e influência na agência SoWhat.

“Muitas marcas receberam críticas do público – que está cada vez mais exigente – quando falamos de ações de impacto social. Isso faz com que as empresas recuem por medo do cancelamento”, explica a profissional.

A intersecção da pauta da diversidade com a temática política, no Brasil e em todo o mundo, também é apontada como uma ameaça de retrocesso em relação aos avanços e a visibilidade conquistas pela população LGBT+ na última década, na opinião de Isabella, da Suba. Questões de representatividade e definição de posicionamentos claros estão sendo colocados em xeque, evidenciando um cenário marcado por polarização política e intolerância.

Por conta disso, Isabella frisa que é muito importante ressaltar que, embora muitos desafios enfrentados por essa comunidade estejam ligados a questões políticas, há temas que transcendem esse âmbito.

“A comunidade LGBTQI não apenas representa uma parcela significativa da população, mas também exerce considerável influência econômica, movimentando bilhões em diversas indústrias e setores”, considera.

Ricardo Sales também cita a questão da polarização, mas acredita que isso se resolve a partir do ajuste no tom das campanhas e que abordar a diversidade será, cada vez mais, um tema de negócios. “A comunicação deve ir na linha de estimular o respeito e a convivência saudável entre as pessoas. Marcas que cederam ao conservadorismo devem ter atenção às mudanças demográficas. A geração Z, que abraça essa agenda com muita intensidade, tem cada vez mais poder de compra e será a maioria no mercado de trabalho em dez anos. É preciso ter olhos no futuro, e ele é diverso e inclusivo”, alerta.

A gerente de comunicação da SoWhat acrescenta que as marcas precisam redirecionar o eventual medo de polarização e de cancelamentos para utilizá-lo como incentivo para a construção de uma comunicação mais inclusiva.

“Se você tem medo de ser cancelado, já deu o primeiro passo e já sabe o mínimo que precisa ser feito para colocar na rua uma campanha verdadeira e que faça sentido não só para a marca, mas para seu público. Precisamos reforçar que não fazer também é um posicionamento e o público está atento para questionar isso também”, aconselha Ana Catharina.

A chief strategy officer da Suba complementa que, sem um compromisso genuíno com a diversidade e inclusão, todos sairão perdendo. “Muitos esperavam um crescente engajamento das marcas, com investimentos significativos em um mês simbolicamente relevante para a comunidade. A ideia de ver uma ampla variedade de marcas representando a incrível diversidade desse grupo é um desejo expresso. Há um anseio por uma representação mais ampla e inclusiva, indo além dos setores tradicionais de bebida e beleza”, finaliza Isabella.

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