Opinião: é preciso dar nome aos bois
Se é trabalho escravo, o nome da empresa aparece nas manchetes, o que deve acontecer. Mas é comum a mídia não citar o patrocinador que viabiliza eventos e atividades que atraem audiência
Se é trabalho escravo, o nome da empresa aparece nas manchetes, o que deve acontecer. Mas é comum a mídia não citar o patrocinador que viabiliza eventos e atividades que atraem audiência
Meio & Mensagem
9 de abril de 2013 - 8h55
Por Paula Nader
Outro dia, lendo uma revista semanal, dei de cara com uma entrevista com o icônico Karl Lagerfeld. Respondendo a boas perguntas, ele falou sobre sua visão de mundo e seu trabalho na direção criativa da Chanel e de outras marcas. E, logo na introdução, a matéria informava que uma fabricante brasileira de calçados de plástico o havia contratado para desenhar uma linha exclusiva.
Uma fabricante brasileira de calçados de plástico?!
Ainda que, mesmo depois de falar da Chanel e de outras, eles não quisessem dar visibilidade gratuita à marca Melissa, por que não dizer que o fabricante é a Grendene? Por que não falar de quem articulou a parceria? Não os conheço pessoalmente, mas acompanho seu trabalho há décadas, como consumidora e profissional, e achei muito bacana eles conectarem mais uma vez produtos brasileiros ao topo da cadeia alimentar do design de moda.
Por que, então, não valorizar empresas e empresários que movimentam o mercado com iniciativas interessantes, que aumentam nossa competitividade?
Se fosse um escândalo, desvio de dinheiro ou qualquer coisa escabrosa como trabalho escravo, o nome da empresa estaria claramente citado na manchete — o que, sem NENHUMA dúvida, deve acontecer. Porque companhias que exercem práticas questionáveis ou criminosas têm de ser denunciadas.
Mas será que os pesos e as medidas estão equilibrados?
Não estou questionando um ou outro veículo especificamente porque essa é uma prática comum no Brasil: se é para falar bem, não vale dizer quem é.
Mencionar o nome de patrocinadores que investiram alguns milhões para viabilizar eventos e atividades que geram conteúdo, leitores e audiência? Não. Proibido. Quase tabu.
Por isso criou-se o tal naming right, que consome um recurso que, aliás, poderia estar sendo investido em publicidade e outras ativações. Mas por aqui também não adiantou. Porque naming rights são solenemente ignorados pela maioria dos veículos no Brasil.
Em alguns outros mercados, por outro lado, a iniciativa privada e suas marcas investem bilhões no fomento de esportes, entretenimento, restauração e manutenção de patrimônio histórico, transporte público, educação e até saúde e, por terem retorno adequado, conseguem elevar o patamar de qualidade e de acesso das pessoas a essas coisas por muitos e muitos anos, gerando benefícios e deixando um legado que ações oportunistas de curto prazo jamais deixariam.
Sou totalmente contra “jabá” e armadilhas de marketing e não estou defendendo publicidade gratuita.
Sei que manter equipes competentes para produzir conteúdo isento e de qualidade custa caro, e que os anunciantes pagam boa parte dessa conta para ter acesso às pessoas que estão interessadas em consumir esse conteúdo. É uma troca pra lá de justa.
Sou totalmente a favor da independência editorial e me orgulho de viver e trabalhar num país onde isso é levado a sério pelos veículos que realmente importam (e é por isso que eles realmente importam).
Mas também sou totalmente a favor de dar nome aos bois. Para o bem e para o mal.
Que te parece?
Paula Nader é diretora de marca e marketing do Santander. Este artigo foi publicado na edição 1554 do Meio & Mensagem, de 08 de abril.
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