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Opinião

A Batalha dos Significados: retorno ao acionista e empresas com propósito

As noções de que uma marca deve ter ‘valores’ ou que a única finalidade de uma empresa é gerar lucro estão sendo afetadas pelas mesmas mudanças geracionais, ambientais e tecnológicas que influenciam a publicidade


12 de setembro de 2018 - 11h35

Economista Milton Friedman consolidou visão financista das empresas (Crédito: Alex Wong Equipa/GettyImages)

Qual o sentido da existência das pessoas jurídicas? Muita gente acha que “desde sempre” é geração de valor para os acionistas. Mas depois da crise de 1929, a noção mais comum sobre o “propósito” de uma pessoa jurídica foi a de que sua primeira responsabilidade era com a sociedade na qual ela vivia, concretizada na fabricação de bons produtos, geração de empregos dignos e estabilidade. Esse paradigma começou a mudar nos EUA no final dos anos 1960, quando uma mistura de hippies, grupos contrários à guerra do Vietnã, entidades de defesa dos consumidores e integrantes dos movimentos civis (igualdade racial, etc.) se voltaram contra a General Motors, então a maior fabricante automobilística e a maior empregadora do mundo. Eles acusavam a empresa de diversas práticas nocivas, incluindo a destruição do meio ambiente, discriminação racial, concorrência desleal e corrupção de governos em outros países.

Acuado, o Conselho de Acionistas da empresa convocou o mais renomado economista da época, Milton Friedman (vencedor do prêmio Nobel em 1976) para escrever um ensaio em sua defesa. Publicado no New York Times em 13 de setembro de 1970 (ou seja, há exatos 38 anos esta semana), seu título foi “A responsabilidade social de um negócio é aumentar os seus lucros”. E disparava no primeiro parágrafo:

“Os executivos acreditam que estão defendendo os negócios quando dizem que suas empresas não estão preocupadas ‘apenas’ com os lucros, mas que também possuem uma ‘consciência social’ que as faz prover empregos, eliminar a discriminação, evitar a poluição e outros slogans dos reformistas contemporâneos. Na verdade, eles estão — ou estariam, se alguém os levasse a sério — pregando o socialismo puro. Executivos que falam desta forma são as marionetes das forças que estão solapando as bases da sociedade livre nos últimos anos.”

Para Friedman, um executivo é selecionado pelos acionistas para ser um “agente” na defesa dos seus interesses, “que são principalmente fazer tanto dinheiro quanto o possível”. Ao utilizar o dinheiro dos acionistas para ações que não resultem no aumento de lucros, este executivo age mais como um agente “público”, que decide como o dinheiro será destinado sem ter sido eleito para tanto. Além de ter sido a base para movimentos neoliberais que influenciaram profundamente a história das últimas décadas, o artigo de Friedman consolidou uma visão financista das empresas, com a subordinação de todas as demais estruturas organizacionais ao “primado do ROI” (retorno do investimento) sobre o marketing, RH, operações, etc.

A combinação entre mudança geracional, crise ecológica e tecnologia gerou uma nova visão sobre o papel das pessoas jurídicas na sociedade, e o embate entre essas duas concepções vai influenciar profundamente a comunicação corporativa nos próximos anos. É crescente o número de trabalhadores e consumidores que afirmam preferir organizações que apresentem algum “propósito”, todos eles muito diferentes do pregado por Friedman. Mais do que nunca as empresas são cobradas por sua responsabilidade social e compromisso com as coletividades nas quais estão inseridas, demonstrado por meio de processos produtivos inclusivos e subordinados aos limites do meio ambiente.

Algumas organizações estão incorporando esses valores nos seus processos produtivos, como a Unilever e a Danone, entre outras. Mas é uma aposta. E está longe de ser uma visão consolidada. Investidores ativistas, armados de planilhas e capital, aproveitam-se das dificuldades desta transição (redução da lucratividade por conta dos investimentos necessários em processos produtivos que agridem menos o meio ambiente, redução da produtividade em função da adaptação de novas políticas de RH, etc.) para tentar adquirir o controle destas empresas, como na recente tentativa da 3G em adquirir a Unilever, uma “batalha entre dois modelos de capitalismo”, segundo a Forbes.

Mas ao contrário dos hippies dos anos 1960, empregados e consumidores insatisfeitos dispõem hoje de meios tecnológicos para difundir de forma instantânea os “desvios de conduta” empresariais. São dezenas de casos por ano, alguns com repercussão global — o passageiro retirado à força do avião, a empresa que se recusou a consertar o produto defeituoso, a cervejaria que precisou cancelar sua campanha e pedir desculpas, a festa de fim de ano politicamente incorreta, o desastre ecológico exibido em assembleias de acionistas. Muitas vezes, o valor da publicidade negativa em algumas crises recentes na mídia social supera de longe o budget de marketing em empresas de grande porte.

O cinquentenário de publicação do artigo de Friedman certamente será comemorado. Mas não tenho tanta certeza quanto à próxima década. Essa redefinição de significados é uma oportunidade para a publicidade voltar a ter a relevância perdida nos últimos anos. Mas sem abandonar a precisão das métricas financeiras tão duramente cobradas pelos acionistas. Propósito sim, mas com rigor.

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