A bolha publicitária está vulnerável
A Expo Favela São Paulo 2023 escancarou a falta de conhecimento do mercado publicitário sobre as favelas brasileiras, e precisamos furar essa bolha
A Expo Favela São Paulo 2023 escancarou a falta de conhecimento do mercado publicitário sobre as favelas brasileiras, e precisamos furar essa bolha
Quando pensei em escrever um artigo para o Meio & Mensagem sobre minha experiência na Expo Favela 2023, que aconteceu entre os dias 17 e 19 de março em São Paulo, senti um enorme receio. Como eu, um homem branco, diretamente da bolha publicitária paulistana e cheio de privilégios, poderia contribuir com minha visão sobre um evento inteiramente feito por e para pessoas de uma realidade tão diferente da minha? E como escrever sobre a minha visita sem soar presunçoso, arrogante ou pior: sem transmitir a ideia de que eu estava ali fazendo turismo?
Esse receio escancarou uma vulnerabilidade em vários sentidos. Mas esse sentimento já nem se compara com a urgência que experimentei ao ir embora da feira, no fim do dia, e me sinto na obrigação de trazer um pouquinho dessas sensações para meus colegas publicitários.
Ao longo da Expo Favela, conheci o trabalho de mais de 500 expositores, que estavam ali apresentando projetos e empreendimentos de altíssimo valor e potencial, em segmentos como tecnologia, finanças, educação, moda, construção civil e comunicação – todos nascidos nas comunidades.
Acompanhei os resultados da última pesquisa do Data Favela através do incrível Renato Meirelles; ouvi Kond debater o papel de uma liderança humana com Abílio Diniz; vi Thelminha mediando uma conversa entre representantes da Globo e da Folha de S. Paulo sobre as narrativas pretas e faveladas nas mídias tradicionais; assisti palestras de Kelly Baptista, da Fundação 1bi, e de Grazi Mendes, professora e ativista, que clamam por um futuro com mais inclusão e humanidade; conheci, pelas vozes de Paulo Lins, Isabel Teixeira, Renata Andrade e Thais Pontes, os planos da TV Globo de incluir narrativas plurais com cada vez mais força em suas histórias; acompanhei o papo inspirador de Tiago Trindade, da Digital Favela, com Júlio Beltrão, da Mynd, sobre autenticidade e o papel da criatividade em estimular o pertencimento dos jovens; e fechei o dia vendo Ice Blue, Rodrigo GR6 e grandes nomes do funk numa conversa sobre origens, música e superação.
Acredito que aqui cabe uma pausa para dizer que mesmo com um histórico de trabalhos relevantes com diversidade e de planejamentos de campanhas com viés de publicidade ativista, eu já estava com a cabeça fervilhando nesse momento e refletindo sobre como nós, colega publicitário, sabemos tão pouco sobre o que está além da nossa bolha.
Saí da Expo Favela com vontade de compartilhar o conteúdo rico que vi, mas também com uma urgência em fazer um mea-culpa. A bolha publicitária do asfalto não faz ideia do oceano de oportunidades que existe na favela. Nosso mercado, que muitas vezes é criticado por ser narcisista ao fazer trabalhos de publicitários para publicitários, não tem demonstrado o interesse necessário por aquilo que não conhece.
Estamos ignorando todo um universo que se formou, se expande e se potencializa diariamente. E que também luta por espaço aqui no asfalto, que quer ser visto e valorizado do lado de cá. Vejo que esse pouco conhecimento, com raras exceções, infelizmente persiste no mercado publicitário em geral. E é imperativo romper com isso para alargar nosso olhar.
Não é apenas sobre contratar talentos da favela para trabalhar nas agências. É sobre dar voz a essas pessoas no ambiente de trabalho e oportunidades de crescimento. É sobre conhecer a fundo o consumidor da favela e suas dores e necessidades. É sobre valorizar e se dedicar a entender a cultura e os códigos da favela. É sobre estar presente nos canais em que as pessoas da favela estão. É sobre produzir conteúdo com verdade e autenticidade, valorizando creators da favela que se conectam com os públicos de dentro e de fora dela.
E não é fazer tudo isso para ganhar prêmio.
É fazer porque gera impacto positivo, porque inclui, e também porque dá, sim, retorno financeiro, porque promove conexões reais (de verdade) entre marcas e públicos. E porque, acima de nossas profissões, somos seres humanos que deveriam tomar para si a responsabilidade de também contribuir com a sociedade.
O mercado publicitário está vulnerável hoje por não saber conversar com um público que soma quase 18 milhões de pessoas no Brasil, segundo a última pesquisa do Data Favela. Por enxergar a favela como lugar de carência, ignorando seu lugar de potência, um espaço que independentemente dos obstáculos se reinventa, faz e acontece, como sempre fez. O mercado publicitário está vulnerável hoje pois não se conecta com o local de origem de inúmeras tendências efervescentes que vemos e veremos nas redes sociais, na moda, na beleza, no empreendedorismo, na música, na tecnologia…
Mas existe um lado bom nessa vulnerabilidade: saber que ela existe nos força a pensar e refletir em busca de uma mudança.
Precisamos reconhecer, valorizar e nos conectar mais com a favela brasileira. E nos reconhecer como portadores de um papel que vai além de sermos comunicadores, estrategistas e criativos: somos ponte. A comunicação precisa ser ponte entre narrativas, entre lados, entre realidades, entre favela e asfalto.
Quando dermos um passo atrás, reconhecermos essas vulnerabilidades e aprendermos com verdade e escuta ativa, aí sim estaremos prontos para novas narrativas. Pois como bem disse Renato Meirelles, “não dá pra falar sobre as favelas sem ter a humildade de aprender sobre as favelas.”
E você, colega publicitário? O que tem feito para conectar a favela e o asfalto em seus planejamentos, planos de mídia, campanhas e ações?
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