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Opinião

A próxima fronteira das previsões (não só eleitorais…)

As metodologias tradicionais partem do princípio de que é impossível prever com exatidão o comportamento de um único indivíduo, mas o mesmo não se aplica para um grupo deles


30 de novembro de 2018 - 19h33

Sinceramente ainda não sei se terabytes de likes, tweets, mensagens de WhatsApp e vídeos no YouTube conseguem capturar todas as nuances do comportamento humano. Mas são capazes de gerar discussões acaloradas na mídia e colocar em xeque as metodologias tradicionais de avaliar nossas opiniões, como ficou demonstrado na última eleição. Para além do debate (infindável e inconclusivo) sobre se as redes foram decisivas para a vitória (meu palpite é que não) e se elas podem ocasionalmente ser mais eficientes que as metodologias tradicionais em prever o resultado final (meu palpite é que sim), é interessante pensar como podemos aplicar este aprendizado para a próxima onda de transformação tecnossocial, resultante da combinação entre a abundância de sensores e as técnicas de Inteligência Artificial.

Uma distinção fundamental é a de que as metodologias tradicionais de previsões e tendências partem do princípio de que é impossível prever com exatidão o comportamento de um único indivíduo, mas o mesmo não se aplica para um grupo deles. Esse pressuposto explica parte do “encantamento” das empresas com as redes sociais: elas seriam uma maneira mais rápida e barata de prever o comportamento de grupos de consumidores (ou eleitores) do que o formato tradicional de buscar pessoas (seja por telefone, domicílio ou locais de grande movimento) e fazer perguntas.

A explicação para esse pressuposto tem um fundamento econômico: até recentemente, era muito caro capturar todas as nuances e relações de causa ­e feito na decisão do consumidor (ou eleitor). Na próxima década, vamos ver o custo desta captura desabar, na medida em que todas nossas interações com objetos serão registradas, transmitidas, analisadas e armazenadas em tempo real. Desta forma, assim como estamos desenvolvendo metodologias mais rápidas e baratas para analisar o comportamento de grupos por meio das redes sociais digitais, poderemos fazer o mesmo com indivíduos por meio das suas interações com objetos.

No ano passado, a Science dedicou um número especial para discutir as metodologias preditivas (e seus limites). Uma das conclusões foi a de que as novas metodologias baseadas exclusivamente no uso da internet por meio de uma tela ainda eram inferiores às metodologias tradicionais de pesquisa para prever o comportamento das pessoas, mas que análises históricas (como, por exemplo, a comparação de estudos de mais de 120 eleições nos últimos dez anos) mostravam que a diferença vinha caindo rapidamente e que em um futuro próximo ela tende a desaparecer (aviso aos navegantes: estes estudos foram feitos em países que apresentam taxas de uso mais altas que a do Brasil, onde 30% da população adulta permanece sem acesso).

Esta mesma convergência deve ocorrer em termos do comportamento individual. E provavelmente mais rápido do que verificamos pelo uso das redes sociais para prever o comportamento agregado. Se demoramos cerca de 15 anos para refinar metodologias de análise de redes sociais digitais, devemos demorar menos em termos de metodologias para prever o comportamento individual, em função da aceleração tecnológica. Claro que muitas dificuldades também vão aumentar: mais dados significam também mais ruído (por exemplo, os robôs no Twitter); a maior autonomia dos sistemas preditivos implica um maior cuidado no desenho dos mesmos para evitar que eles carreguem os “pré­conceitos” de seus programadores; e modelos preditivos baseados em comportamentos passados (a “extrapolação linear”) terão ciclos de eficiência cada vez mais curtos. Mas o maior desafio será acompanhar as mudanças que a própria implantação dessas técnicas terá no comportamento humano, nas organizações e nas sociedades.

Como os consumidores irão reagir ao interagir com produtos ou atendentes “robotizados”? Os estudos sobre como criamos confiança em robôs ainda estão na sua infância e vamos ver muitas marcas batendo cabeça até acertar o tom destas interações. Outra questão é como interpretar e contextualizar o resultado destas previsões e análises dentro do contexto da empresa. Algumas serão incapazes de criar estruturas para aproveitar as vantagens geradas por estas novas metodologias, seja por não compreender o impacto das mesmas, seja pela força do hábito ou por uma combinação destes dois motivos (assim como a Kodak foi incapaz de aproveitar o fato de ter patenteado a primeira câmera digital em 1976).

Por fim, algum grau de revolta social deve se combinar com regulamentação governamental para limitar o uso destas técnicas, colocando as empresas que se arriscarem como pioneiras sob o risco constante da execração pública. Conforme destacou o historiador Yuval Harari em recente entrevista para o New York Times, diversos países estão utilizando a Inteligência Artificial para fins bélicos e de vigilância, e, sem uma regulamentação global, uma “corrida armamentista” no setor parece inevitável. Para permanecerem competitivas neste cenário, as empresas terão de tomar decisões difíceis, até porque produtos bem-­sucedidos terão vida cada vez mais curta. Como lembra Harari, “a Inteligência Artificial é movida por métricas, e quem controla estas métricas são seres humanos”. Temos tempos interessantes adiante. E não só na política brasileira.

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