The Worst Ad Ever
O que antes era um campo fértil de expressão e criatividade virou uma paisagem tomada por um exército de falsos especialistas, gurus do engajamento, esquemas e bots
Um fenômeno bizarro chamou atenção no Facebook quando timelines foram inundadas por imagens de “Jesus Camarão” (Shrimp Jesus), numa representação perturbadora de Jesus Cristo fundido com criaturas marinhas, como caranguejos e camarões. A enxurrada parece ter sido causada por uma combinação de bots e hacks de engajamento.
O cérebro segue derretendo nesse ar rarefeito, enquanto uma nova onda de lama digital gerada por IA escorre por todos os cantos da internet. Um ruído infinito de porcaria autogerada. Pilhas e pilhas de lixo sintético, feito não para comunicar nada, mas apenas para ocupar espaço.
O que antes era um campo fértil de expressão e criatividade virou uma paisagem tomada por um exército interminável de falsos especialistas, gurus do engajamento, tutoriais de autoajuda, canais de vendas milagrosas, esquemas, bots, vozes, imagens e mais propaganda.
Estima-se que mais da metade do tráfego da internet já seja composta por bots. Uma rede fantasma que simula atividade real, deixando rastros de cliques, curtidas e comentários automáticos – manipulação disfarçada de interação e muito spam. A tia do WhatsApp está em colapso.
Nesse contexto, a experiência do usuário entrou em tal declínio que já criaram diversos termos para tentar explicar o fenômeno. O meu favorito é de Cory Doctorow: enshittification, que, em bom português, indo direto ao ponto, refere-se ao processo de virar uma merda.
A atenção virou artigo de luxo. A curiosidade foi sequestrada por clickbaits com thumbnails gritantes de tal maneira que me pergunto: onde estão as verdadeiras propagandas? A grande publicidade, com grande investimento, parece cada vez mais à margem dessa gritaria incessante. Porque, honestamente, o que aparece entre um vídeo e outro é só mediocridade algorítmica.
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No meio dessa corrida desvairada das big techs e das equipes de marketing, a IA está tomando conta da programação (conteúdo) e da publicidade. O que já era barulhento se tornou um pandemônio sem sentido. O lixo virou norma, com impactos diretos na experiência dos usuários e creators reais, com voz, talento e visão.
Na mesma semana, Mark Zuckerberg anunciou seu novo plano: automatizar completamente a criação de anúncios. Você digita seus objetivos, define o orçamento e pronto: “AI will do the rest”.
E, curiosamente, na mesma semana, a campanha que mais me chamou a atenção foi uma peça simples. Um homem contra um fundo branco, falando pausadamente: “The Worst Ad Ever”. Esse homem é Ricky Gervais. Sarcasticamente, Rick anuncia sua marca de vodca: “Vodca faz mal. Essa aqui é sustentável. E você deveria comprá-la porque, entre outras coisas, isso pode me deixar milionário”.
Não há dancinha, não há cortes frenéticos. Apenas ele com a garrafa de vodca ao lado. Não há cenas de appetite appeal. É apenas sua voz única, sua presença física, com um texto aparentemente banal – mas que claramente foi pensado com precisão cirúrgica.
Ricky não é só engraçado. Ele é um expert provocador, que há décadas testa os limites da linguagem, do humor, do ridículo e da rebeldia. A campanha é um sucesso de público, e as pessoas buscam por mais vídeos da série, enquanto a marca recebe conhecimento global. Rick sabe exatamente quem ele é. E talvez seja isso que esteja faltando: clareza, autoria, coragem.