Opinião

Balada nas livrarias: #Booktok sai das telas

Cool é pertencer a uma comunidade literária

Ana Erthal

Professora e pesquisadora PosDoc ECA-USP 16 de julho de 2025 - 14h00

O fenômeno do interesse pelos livros foi comprovado pela última Bienal realizada no Rio de Janeiro, eleita Capital Mundial do Livro pela Unesco até abril de 2026.

Com um estande central e super hi-tech, o TikTok tem uma parcela de responsabilidade nisso. A hashtag #BookTok reúne mais de 370 bilhões de views. Você leu direitinho – bilhões.

A pesquisa Retratos da Leitura no Brasil mostra que o TikTok já é inspiração original para 22% dos leitores, e mais da metade dos jovens de 16 a 25 anos disseram que voltaram a ler por conta da #BookTok. O mais interessante é que eles vão até as bienais, feiras, bibliotecas e livrarias para conferir a materialidade de seus achados na rede.

Jovens andam famintos por criar conexões reais, e o celebrado “movimento analógico” trouxe de volta o prazer das sensorialidades, em que podem desfrutar desse mundo cada vez mais repleto de estímulos com todos os seus sentidos.

Entre uma notificação e outra, eles encontram seus desejos nas livrarias: o prazer de estar presente, de sentir o cheiro da impressão folheando exemplares, de conversas interessantes e sem filtros de embelezamento, de redescobrir um tempo lento e abnegado de entrega à leitura.

Livrarias são lugares que preservam assinaturas sensoriais próprias. Feche seus olhos e se imagine numa livraria. Existe um conjunto de sentidos que são ativados e facilmente recuperados, porque livrarias são lugares de conforto, de aconchego, de valorização do interior.

Existem livrarias com tanta história e relevância que são pontos turísticos, como a El Ateneo, em Buenos Aires; a Shakespeare & Co, em Paris; a Dussmann, em Berlim; a antiga Livraria Cultura, em São Paulo; ou a Leonardo Da Vinci, no subsolo da Av. Rio Branco, no Rio de Janeiro.

São o epicentro da nova cena literária, configurando-se como ponto de encontro de amigos, como comunidades interessadas em leituras coletivas, como bares para degustação de bons vinhos, com eventos de paquera entre leitores e formação de clubes de leitura de autores como Colm Tóibín, Albert Camus, Jane Austen e Clarice Lispector. Ler, compreender, debater, fazer parte, construir algo. Pertencer a um grupo, longe, muito longe das telas.

Nem sempre são locais suntuosos e amplos. Na verdade, são estilosos, aconchegantes à la cluttercore, um refúgio em meio a livros de editoras pequenas e excesso de acolhimento. No Brasil, já se pode desfrutar das baladas literárias em livrarias como a Bibla (SP), Janela (RJ), Substânsia (Fortaleza), Baleia (POA), Letraria (Floripa), Livraria da Rua (BH) e Caramurê – Café, Arte e Livros (Salvador).

Há uma extensa programação de workshops criativos, leituras em voz alta, oficinas de desenho, zines e escrita, speed-dating literário, jazz, drinks, degustação de vinho (ou de café), clubes de leitura “bite size” com livros de até 150 páginas, área para crianças e pais, serviço de curadoria personalizada que “medica sua estante”, indicando como ela pode melhorar… Enfim, todo o culto ao “cool literário”, uma atmosfera sensorialmente preparada para a experiência presente, percebida, sentida e expandida pelos laços da comunidade.

Em Londres, as baladas literárias reconfiguraram o modelo de negócio, a publicidade, o marketing e a comunicação nas redes das livrarias, que se tornaram de fato um terceiro lugar.

A Morocco Bound Bookshop, não muito longe da Tower Bridge, em Londres, é um refúgio criativo em que é possível escapar do caos da metrópole e das telas, e você ainda pode ouvir jazz ao vivo, participar de uma oficina de zines e montar o seu enquanto degusta cervejas artesanais de microcervejarias.

Para recuperar o prazer da leitura, talvez seja necessário resgatar o prazer da atividade leitora agregado aos amigos, à atividade social, à paquera, ao ambiente sensorial preparado para a imersão nos livros.

Reaprender uma entrega demorada e despretensiosa que perdemos ao longo do tempo, a partir de tantas cobranças das notificações e telas sem fim.

Para quem ainda acha que as coisas têm fim – como aqueles que decretaram o fim do jornal, do rádio e dos livros – precisamos sempre relembrar McLuhan: “Uma mídia nunca substitui a outra, elas coexistem, modulando permanentemente uma à outra e criando novas linguagens.”

Combinado com a potência do TikTok, as baladas literárias têm tudo para reconfigurar o movimento analógico e o mercado editorial.