Depois do propósito, o que vem?
Os millenials experimentaram um novo modelo de sociedade e transformaram o mundo do trabalho, mas o movimento não veio acompanhado de segurança material
Os millenials experimentaram um novo modelo de sociedade e transformaram o mundo do trabalho, mas o movimento não veio acompanhado de segurança material
Essa é a provocação central de Daniela Klaiman, especialista em tendências, comportamentos emergentes e tecnologia, em seu mais recente texto: “A crise da meia-idade chegou para os millennials”. E é também o ponto de partida deste artigo. Porque, sim, a crise da meia-idade alcançou a geração millennial. Mas, ao contrário das anteriores, chega com novas dores, outras linguagens e um cenário profundamente diferente.
Durante as últimas duas décadas, fomos ensinados a buscar o propósito como bússola. Ele surgiu como antídoto à lógica exaustiva do “trabalhar para sobreviver”, prometendo sentido onde antes havia apenas esforço. O propósito não era só uma meta, era uma linguagem: inspiradora, quase espiritualizada, capaz de transformar carreira, consumo, estilo de vida e futuro em expressões de autenticidade.
Os millenials, nascidos entre 1981 e 1996, foram os primeiros a internalizar essa promessa. Atuaram como beta testes, experimentaram um novo modelo de sociedade: o “trabalho com alma”, a “vida com impacto”, a “realização pelo fazer”. E, com isso, transformaram o mundo do trabalho. Foram protagonistas dos debates sobre saúde mental, diversidade, responsabilidade social e bem-estar nas organizações. Derrubaram muros simbólicos e abriram novas fronteiras éticas e culturais no mercado.
Mas agora, ao cruzar a fronteira da meia-idade, essa mesma geração começa a sentir o peso de ter acreditado e de ter bancado esse experimento. Como alerta Klaiman, vivemos o esgotamento das promessas feitas na última década. A revolução tão alardeada, o boom das startups (empresas inovadoras com ambição de escalar rapidamente), da gig economy (trabalhos sob demanda e sem vínculos formais), dos coworkings (espaços compartilhados que prometiam conexão e autonomia) e do nomadismo digital (sem base fixa de trabalho em um único lugar), revelou-se, para muitas pessoas, uma estética de liberdade que não veio acompanhada de segurança material.
Os dados comprovam. Segundo o relatório The Emerging Millennial Wealth Gap, os millennials ganham hoje 20% menos do que os baby boomers (geração nascida entre 1946 e 1964) ganhavam na mesma idade. Adiam marcos como a compra de um imóvel ou a formação de uma família. Não por falta de desejo, mas de possibilidade. Dívidas estudantis, informalidade e salários estagnados diante de um custo de vida crescente criam uma equação insustentável.
Como observa Klaiman, o cenário gera um sentimento difuso de frustração. Um luto silencioso por um futuro que parecia ao alcance, mas não se realizou. A crise não é de tédio, como nos clichês dos anos 1990. É de promessas quebradas. O “faça o que ama” virou burnout. O “seja seu próprio chefe” virou precarização. A liberdade virou ansiedade.
Então, o que vem depois do propósito? O que emerge agora é a necessidade de reconstruir um pacto com a vida possível. Um pacto mais honesto, sustentável e humano. Um que reconheça que nem todo trabalho será apaixonante, mas pode ser digno. Que nem toda ideia será bilionária, mas pode oferecer estabilidade. Que viver bem não exige grandiosidade, e sim coerência entre valores e práticas, entre discurso e estrutura, entre sonho e realidade.
Talvez o que venha depois do propósito seja o pertencimento. Pertencer a comunidades reais, e não apenas a bolhas digitais. Pertencer a uma economia que acolha, em vez de descartar. Pertencer ao tempo presente, com seus limites e potências, e não à projeção constante de uma versão ideal de si mesmo. Pertencer à vida como ela é, com espaço para leveza, vínculos e pausa.
É hora de sair da lógica do “eu realizo, logo existo” e abraçar o campo do “eu me relaciono, logo persisto”. Essa nova etapa não é menos ambiciosa, talvez seja mais. Porque exige que deixemos de tentar mudar o mundo com slogans e comecemos a transformar, de fato, as relações, as estruturas e as escolhas do cotidiano. Re-humanizar o trabalho. Redesenhar os sonhos. Reaprender a habitar a vida comum.
Afinal, depois do propósito, o que vem? Vem a maturidade de entender que viver com sentido não é performar um ideal, mas cultivar uma existência possível, enraizada, sustentável. Vem a consciência de que ser “beta tester” da modernidade foi doloroso, mas também revelador. E que ainda é possível pavimentar novos caminhos para quem vem depois, mesmo que os nossos próprios ainda estejam em construção.
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