CMO é quem cria
Entendi na prática que estar presente não é “ajudar” e sim assumir a corresponsabilidade pelo cuidado
Quando foi anunciada aqui na empresa uma política igualitária de licença familiar – com a mesma duração para homens e mulheres – senti que era a hora de encarar um desafio diferente.
A iniciativa oferece até 26 semanas de licença remunerada para todos os novos pais e mães, e fui o primeiro executivo na região a aproveitar essa oportunidade. Confesso: deu frio na barriga. Estaria eu quebrando um tabu ou cometendo um desatino profissional? Como ponto de comparação, quando meu primeiro filho nasceu, o Bernardo, minha licença foi de apenas cinco dias.
Ao lado da minha parceira, planejei cada detalhe para viver intensamente os primeiros meses de vida de nossos filhos – primeiro com o Joaquim e depois com a Stella – sem prejudicar o time. A empresa me apoiou integralmente, mostrando que bem-estar e equidade de gênero não são slogans, mas práticas que transformam vidas, muito além de carreiras.
Medos e descobertas
Nada me preparou para as madrugadas em claro, as fraldas trocadas na pressa e os olhares que mudam tudo.
Os primeiros meses de Joaquim foram intensos e frágeis, cada sorriso dele era um mundo novo. Dois anos depois, com a Stella, senti novamente a mesma mistura de medo e êxtase.
Entendi na prática que estar presente não é “ajudar”, como ainda se insiste por aí, e sim assumir a corresponsabilidade pelo cuidado. Quem ajuda é ajudante, paternidade é outra coisa. Pai é presença e ação.
Ao viver o cotidiano da casa, mergulhei em tarefas que nunca haviam feito parte da minha rotina e criei vínculos que não se constroem em videoconferências. Aprendi que vulnerabilidade é força: assumir que também tenho dúvidas e cansaço me aproximou da minha família de forma incondicional.
Da casa ao escritório
Também senti aquele receio – ou medo, mesmo – que tantas mulheres estão acostumadas a sentir, quando se afastam durante vários meses da rotina do escritório para cuidar do recém-nascido. Será que vou perder meu lugar no escritório? Será que isso vai atrasar meu crescimento profissional?
Descobri que escolher a licença familiar não é abrir mão da liderança, mas exercer esse papel de forma ainda mais consciente. Voltei ao trabalho diferente.
Quem trabalha comigo sabe que sou movido por resultados. Continuo com esse norte, mas a licença me ensinou a ouvir com mais paciência e a delegar com confiança. Ao me afastar, meu time ganhou autonomia e mostrou uma maturidade admirável.
Quando retornei, percebi que uma liderança presente não é quem está 24 horas conectado, é quem estabelece prioridades claras e confia nas pessoas certas. Hoje cobro menos horas e mais propósito.
A licença me deu novas lentes para enxergar as necessidades das pessoas – sobretudo das mães e pais que equilibram suas jornadas duplas – e reforçou o compromisso de criar um ambiente onde todos possam ser inteiros, sem titubear em pedir ajuda.
Masculinidades e equidade
A paternidade ativa também mexeu e ainda mexe com a forma como vejo a masculinidade.
Ao longo da licença, contei com uma rede de apoio de amigos, familiares e colegas. Percebi o quanto os homens ainda são educados para “dar conta de tudo sozinhos”. Falar abertamente sobre minhas fragilidades, pedir licença para amamentar nossos bebês (sim, pais também participam desse momento), dividir as tarefas domésticas – tudo isso faz parte de uma nova construção de gênero.
Enquanto as mulheres historicamente carregam o peso do cuidado, nós, homens, precisamos assumir nosso papel na equidade. Licenças compartilhadas e rede de apoio são essenciais para reduzir a desigualdade e promover ambientes de trabalho mais justos.
Um convite aos líderes
Se pudesse deixar um recado aos executivos que ainda hesitam em usufruir da licença, seria: aproveitem.
Vivenciem o cuidado de perto, pois isso os tornará líderes melhores. Ao colocar a família no centro, percebi que as empresas que apoiam esse movimento colhem frutos concretos: colaboradores mais engajados, clima de confiança e retenção de talentos.
A iniciativa é uma referência: ao garantir 26 semanas de licença igualmente remunerada a homens e mulheres, demonstra que equidade é parte de sua estratégia de negócio e inspira outras companhias a seguirem o mesmo caminho.
Como líderes, nosso legado deveria ir além dos balanços trimestrais. É algo que se mede também pela cultura que deixamos. E posso afirmar, sem hesitação nenhuma, que esses seis meses fora do escritório valeram cada segundo. Jamais trocaria os primeiros passos da Stella ou as gargalhadas do Joaquim por mais uma reunião.
E, paradoxalmente, foi essa pausa que me ensinou a liderar com mais presença, empatia e coragem.