Opinião

Por que a IA torna a reputação mais frágil e o PR mais decisivo

Entre eficiência e ruído, a IA desafia o PR a manter relevância e credibilidade em meio à abundância de conteúdo

Beatriz Destefani Augusto

Sócia-proprietária da Comunica PR 5 de dezembro de 2025 - 17h00

O Dia do Profissional de Relações Públicas, neste 2 de dezembro, chega em um momento que é, ao mesmo tempo, empolgante e de dar um nó na cabeça: como é que a gente continua construindo reputação de verdade em um mundo onde a Inteligência Artificial acelera tudo, inclusive os riscos?

A cada nova ferramenta generativa que surge, nos fazemos a mesma pergunta: estamos ganhando um superpoder de eficiência ou só estamos empilhando mais barulho? A verdade nua e crua é que a IA já não é uma novidade fascinante; ela virou rotina. E, como toda tecnologia que se torna infraestrutura, ela deixa de ser mágica para virar um desafio sério, especialmente para quem, como nós, vive de credibilidade.

A sedução é irresistível, a gente sabe: escala, velocidade, cortar custos, fazer mais entregas com menos esforço. É a promessa de ouro para empresas e profissionais que vivem sob a pressão do “pra ontem”. Mas é também um convite perigoso para o erro. Na pressa de produzir sem parar, o risco é deixar para trás o que é mais valioso: a profundidade, o contexto e a coerência.

O que antes exigia um trabalho quase artesanal, de apurar, interpretar, selecionar o que realmente vale a pena, hoje disputa espaço com sistemas que entregam conteúdos perfeitos na forma, mas, muitas vezes, ocas na alma.

O paradoxo do excesso

A IA nos jogou em um território de abundância extrema. Nunca geramos tanto conteúdo, mas, paradoxalmente, nunca tivemos tanta dificuldade em saber o que, no meio de tudo isso, realmente importa. A consequência é um paradoxo preocupante: quanto mais a gente fala, mais difícil fica ser escutado.

Nosso papel, então, mudou radicalmente. Deixamos de ser meros “produtores” para nos tornarmos curadores de alto nível. Se antes a batalha era fazer a mensagem chegar, hoje a missão é fazer a mensagem valer. A curadoria não é mais um luxo ou um diferencial; é a única linha de defesa para evitar que as marcas se dissolvam nesse oceano de textos genéricos, releases que parecem cópia um do outro e narrativas artificiais que desmoronam na segunda leitura.

IA não substitui a inquietação

Toda comunicação que presta nasce de um incômodo: aquela pergunta que incomoda, a ideia que vai na contramão, o contraste que tira a conversa do lugar comum. E isso exige uma sensibilidade que nenhum algoritmo domina. A tecnologia é mestra em identificar padrões; a reputação, no entanto, é construída com nuances. A IA é excelente para dar forma, mas ainda é incapaz de gerar sentido, e é justamente nesse sentido que a confiança é cimentada.

O grande problema acontece quando as empresas cometem o erro de trocar “otimizar estratégia” por “baratear conteúdo”. Esse deslize sai caro: as mensagens se tornam indistinguíveis, os posicionamentos perdem força e as marcas se tornam descartáveis. Não por falta de capacidade, mas por falta de intenção clara.

A nova responsabilidade estratégica

Chegamos a uma fase em que o PR não pode mais se dar ao luxo de ser apenas um executor. A IA democratizou ferramentas, mas também expôs, de forma quase cruel, quem realmente pensa estratégia e quem apenas segue o fluxo.

Hoje, o valor do nosso trabalho está na capacidade de decidir o que de fato merece ser dito, compreender por que isso importa (e não outra coisa) e garantir que a tecnologia amplifique, e jamais distorça, o propósito central de uma marca. Não é sobre dominar sistemas, mas sobre fazer escolhas com intenção, rigor e visão de longo prazo.

Em um cenário onde tudo é possível, o que realmente nos diferencia é a escolha. E é exatamente aí que mora o trabalho de gente: usar a IA para dar potência máxima ao que já é sólido, e nunca para mascarar o que está faltando.

No fim das contas, a conversa sobre Inteligência Artificial não é sobre ser substituído por robôs; é sobre substituir maus hábitos: a pressa burra, o conteúdo irrelevante, a comunicação que não tem estratégia por trás. A tecnologia não ameaça os profissionais de PR; ela ameaça as práticas antiquadas.

A pergunta que vai definir o futuro da nossa área não é “como eu uso a IA?”, mas sim: “como eu continuo sendo confiável em um mundo onde todo mundo está usando a IA?”. E essa resposta, felizmente, ainda não pode, e talvez nunca possa, ser automatizada.