Opinião

A crença pós-colonial do influenciador regional

Seria transformador ver marcas patrocinando um verdadeiro intercâmbio de sotaques, permitindo que o Brasil se escute para além das vozes hegemônicas

Ian Black

CoCEO & Partner da New Vegas 9 de dezembro de 2025 - 6h00

PH Santos é um homem negro, cearense, morador de Fortaleza, criador de conteúdo. Reúne mais de 250 mil seguidores no Instagram e pouco menos de 700 mil inscritos no YouTube. À primeira vista, um apressado especialista em marketing de influência diria que PH “fala com pessoas negras” ou “conversa com o público do Nordeste”. Afinal, se ele é um homem negro do Ceará, seu conteúdo — supõe-se — deve orbitar a negritude ou a cultura local.

Nada mais distante da realidade. Nos dados do próprio PH, o Ceará aparece apenas em quarto lugar entre seu público no Instagram e em sexto lugar no YouTube. Quando viaja para São Paulo ou Rio de Janeiro, ele se percebe quase como uma webceleb e, segundo o próprio, é mais reconhecido em Portugal do que em todo o Nordeste brasileiro.

PH Santos é crítico de cinema há duas décadas. Eu o conheci no meu primeiro ano trabalhando com influência, em 2017. Ele foi comentarista do RapaduraCast, apresentou podcasts de cinema para Globo e Amazon, participou das transmissões do Oscar na TNT e Gshow, entre muitos outros feitos. A trajetória de PH revela algo óbvio, mas sistematicamente ignorado: criadores não são reduções étnicas ou geográficas. Eles são campos de interesse.

O caso dele está longe de ser isolado. Camila Coutinho, pernambucana, pioneira do Garotas Estúpidas, operou por anos diretamente do Recife, criando uma das maiores referências de moda e lifestyle do País. Mesmo assim, o mercado publicitário insiste em ancorar-se em categorias ultrapassadas, condenando ao nicho “regionais” todos os criadores que não pertencem ao eixo Rio–São Paulo. “Regional” virou um eufemismo polido para reforçar um reducionismo pós-colonial que insiste em enxergar o Nordeste como um bloco homogêneo — e pagar menos por isso.

O discurso não muda: o influenciador regional é ideal para marcas que querem falar “com o público local”. Essa lógica nasce de uma mentalidade pré-internet, quando a comunicação regional dependia de afiliadas e jornais locais. Mais constrangedor ainda é ignorar o básico: os algoritmos das plataformas não entregam conteúdo orgânico por geolocalização, mas por interesse. A segmentação regional, quando necessária, é feita via mídia paga.

Há, aqui, uma camada incômoda. Quando o mercado insiste nessa lógica, acaba reforçando, ainda que involuntariamente, um princípio de superioridade regional (e muitas vezes racial): o poder de falar “com todo o Brasil” estaria restrito às pessoas (brancas) do Rio de Janeiro e de São Paulo. Não há argumento racional que sustente essa crença. Seria transformador ver marcas patrocinando um verdadeiro intercâmbio de sotaques — permitindo que o Brasil se escute para além das vozes hegemônicas.

Isso não significa que influenciadores de uma região não façam sentido para ativações locais. Em eventos ou ações com orçamento reduzido, pode ser estratégico priorizar quem está fisicamente próximo. Mas aí estamos falando de relacionamento, logística, presença — não de segmentação. A segmentação continua a cargo da mídia — e não dos estereótipos.

O universo da influência abriu ao mercado uma possibilidade inédita: ampliar a realidade de uma marca por meio da multiplicidade de narrativas. Mas, para aproveitar esse potencial, é preciso abandonar o lastro cognitivo analógico e superar nossos confortáveis vícios pós-coloniais.

Enquanto insistirmos em ver criadores como caricaturas regionais, continuaremos desperdiçando o que eles têm de mais valioso: a capacidade de atravessar fronteiras culturais, geográficas e simbólicas sem pedir permissão a ninguém.