Paguem o que me devem
O que está em jogo nas manifestações das jogadoras da liga de basquete feminino dos EUA não é só a folha salarial
Durante o All-Star Game da WNBA (Women’s National Basketball Association ou a Liga Feminina Americana de Basquete), realizado em julho de 2025 em Indianápolis, as maiores estrelas da liga entraram em quadra com camisetas pretas estampadas com a frase “Pay Us What You Owe Us” (“Paguem o que nos devem”).
O protesto foi tão silencioso quanto poderoso, marcando o início de uma nova etapa de negociações entre as atletas e a liga pelo próximo acordo coletivo de trabalho. Na cerimônia de premiação, quando Napheesa Collier foi anunciada como MVP (melhor jogadora, na sigla inglesa) da partida, o público reagiu em uníssono: “Pay them!” (“Paguem-nas!”), em apoio às jogadoras.
Esse gesto simbólico, amplamente repercutido nas redes sociais e na imprensa, escancarou um debate antigo: as jogadoras da WNBA ganham menos do que merecem?
A resposta não é tão simples quanto parece envolvendo uma combinação de números crescentes, finanças opacas, e a difícil construção de um modelo de negócios sustentável para o esporte feminino de elite.
De um lado, há dados concretos que sustentam a reivindicação das atletas. A liga vive o melhor momento de sua história em termos de visibilidade, audiência e valor de mercado. Nos últimos dois anos, a WNBA experimentou um aumento expressivo nas métricas de popularidade: as vendas de ingressos cresceram 26%, a audiência televisiva subiu 23% e a presença nos ginásios atingiu níveis recordes. O valor das franquias também disparou. Em 2019, o New York Liberty foi vendido por apenas US$ 14 milhões. Hoje, estima-se que a mesma equipe valha mais de US$ 450 milhões.
Além disso, a WNBA anunciou um novo contrato de transmissão que renderá cerca de US$ 2,2 bilhões ao longo de oito anos, a partir de 2026. Em qualquer outra liga esportiva, esse salto de receita resultaria em uma reavaliação dos salários dos atletas. No entanto, as jogadoras ainda recebem, em média, menos de US$ 150 mil por temporada, com um teto salarial de aproximadamente US$ 250 mil, valores modestos se comparados ao que arrecadam e representam para o espetáculo.
O contraste com outras ligas profissionais americanas é gritante. Na maioria delas, inclusive na NBA, os jogadores dividem aproximadamente 50% da receita. Na WNBA, a participação das atletas não chega aos 10%. Se houvesse uma divisão de receita similar à da NBA, os salários médios da WNBA poderiam superar US$ 1 milhão por jogadora já em 2026.
Mas nem todos os argumentos estão do lado das atletas. Há quem questione se a liga realmente gera lucros suficientes para justificar aumentos tão substanciais. Embora a liga esteja em expansão e atraindo mais patrocinadores, estimam-se prejuízos acima dos US$ 40 milhões em 2024. Alguns críticos alegam que o crescimento da popularidade ainda não se traduziu em lucratividade tornando muito difícil justificar aumentos significativos de salários.
A atual convenção coletiva (de salários), válida até 2027, impõe um teto salarial rigoroso e, muitas vezes, força as jogadoras a buscar contratos no exterior ao final da temporada nos Estados Unidos para complementar sua renda. Essa falta de férias associada ao cada vez mais exigente calendário americano, no qual a média de dias de descanso entre partidas caiu de 4 para apenas 2,7 desde 2021, tem gerado muitas queixas sobre o desgaste físico.
Ainda assim, para muitas atletas e torcedores, a questão central vai além de simples cifras. O protesto no All-Star Game não pedia salários iguais aos da NBA. O pedido era mais profundo: participação justa na receita que elas ajudam a gerar, reconhecimento pelo valor crescente que agregam à liga e autonomia para negociar em pé de igualdade.
Nomes como Caitlin Clark, Angel Reese e A’ja Wilson se tornaram ícones culturais e atraem milhões de seguidores nas redes sociais. Jogadoras como Paige Bueckers já têm contratos milionários de marketing antes mesmo de estrear na liga. A conexão entre essas atletas e o público está mais forte do que nunca. Ignorar esse capital emocional e econômico parece ser um erro estratégico da WNBA.
A pressão aumenta à medida que se aproxima outubro de 2025, prazo limite para que jogadoras e liga renovem o acordo coletivo sem a necessidade de uma greve. O que está em jogo não é apenas uma folha salarial. É o futuro do basquete feminino profissional nos Estados Unidos.
Se os dirigentes da WNBA quiserem manter a confiança das atletas, do público e dos patrocinadores, terão que responder com mais do que promessas. As jogadoras deixaram o recado claro: elas sabem o quanto valem e estão prontas para exigir cada centavo.