Opinião

Quem está feliz não vai embora

As pessoas não estão desistindo do trabalho, estão desistindo de adoecer

Sharon Menasce

Diretora de criação 3 de dezembro de 2025 - 14h00

“Caraca, eu fico chocada com o tanto de gente trabalhando em agência que tá nessa de sair sem ter nada.” Recebi essa mensagem de uma pessoa que trabalhou anos comigo em agências, estávamos falando de mais uma colega que tinha acabado de se demitir sem ter pra onde ir. Era pouco depois do meio daquele ano e eu já tinha passado de uma mão inteira a contagem de casos assim – incluindo o meu próprio. Sim, já pedi demissão sem ter ideia alguma do que faria dali pra frente, apenas com a certeza de que precisava me afastar por algum tempo do sistema. E não é que as demissões fossem para sabáticos ou algo bem planejado, muitos dos meus colegas têm filhos para sustentar, mas a saúde estava cobrando um preço impossível de pagar. Simplesmente não dava mais.

Amo a publicidade e por isso sou uma crítica tão empenhada em falar cada vez mais alto sobre os problemas do nosso mercado. Nos dedicamos tanto a essa profissão, doamos nosso tempo (literalmente, a última vez que recebi hora extra foi na minha época de cliente, saudades 2012), somos tão consumidos no caos do dia a dia, que merecemos melhores condições de trabalho, merecemos ambientes psicologicamente seguros.

Ainda vivemos em uma cultura corporativa que recrimina opiniões contrárias ao status quo, não cai bem dizer que as agências nos adoecem. Também não é de bom tom fazer post no Linkedin falando que não estamos indo para um novo desafio, que apenas estamos cansados de enxugar gelo tentando fazer diferente em um sistema em que é conveniente manter tudo igual. Só eu sei quantas mensagens recebo no privado de pessoas que têm medo de comentar meus artigos publicamente. Imagina fazer denúncias ao RH, Deus nos livre. vi assediador ser promovido e assediado ser demitido. Acontece sempre? Não. Mas acontece muito.

Ouvi de vários C-levels que as pessoas estavam indo embora porque aquela agência era tão incrível que todo mundo queria roubar seus profissionais. Quem está feliz não vai embora, com raras exceções. O ego e a falta de autocrítica de alguns é realmente admirável, preciso admitir, mas a verdade é que a rotatividade virou lugar comum. O Astério Segundo, fundador e CEO da agência 35, escreveu um artigo para a Exame que traz um dado preocupante: 26% das agências apresentaram turnover acima de 15% em apenas um semestre, de acordo com pesquisas do Sinapro-SP e da Fenapro (VanPro). Para referência, a PUCPR divulgou em 2022 que uma média positiva de turnover no período de um ano varia entre 5% e 10%.

Quando o Astério postou no Linkedin que apenas duas pessoas foram embora de sua empresa em um período superior a quatro anos, pensei “que interessante o baixo turnover sendo considerado como um benefício”. Esse pensamento me levou a uma pesquisa apresentada no Mind Summit 2025 pelo Jan-Emmanuel De Neve, diretor do Wellbeing Research Centre da Universidade de Oxford, e que está presente no seu livro Why Workplace Wellbeing Matters: The Science Behind Employee Happiness and Organizational Performance, escrito em coautoria com George Ward.

Em uma parceria com a Indeed, 24 milhões de candidatos que buscavam emprego nos EUA foram randomizados para que parte deles tivesse acesso ao score de saúde mental das empresas e outros não. Nos que podiam ver os dados, o percentual de candidaturas aumentava nas empresas com scores mais altos. O Work Wellbeing Score é calculado com base nos quatro indicadores-chave do bem-estar no trabalho: felicidade, propósito, satisfação e estresse.

Segundo o Indeed Work Wellbeing Report, conduzido pela Forrester Consulting em 2025, 97% dos candidatos buscam informações sobre bem-estar das empresas e 81% dos empregados em locais com bons programas de bem-estar planejam continuar no mesmo trabalho por pelo menos mais um ano (versus 50% nos locais que não olham para isso), além de atingirem seus objetivos 1,5 vez mais frequentemente. Quando falamos de talentos, os dados mostram que o bem-estar corporativo não impacta apenas na atração, ele está relacionado com maior produtividade e retenção.

Sou uma eterna otimista, por isso estou mais uma vez usando este espaço como uma convocação. É sim possível criar culturas saudáveis e a ciência provou que todo mundo sai ganhando nesse cenário. Precisamos substituir justificativas por soluções. O Centro de Referência Einstein em Saúde Mental e Bem-estar para Empresas desenhou um framework de quatro passos para implementação de programas eficazes, apresentado no 2º Encontro sobre Estratégia, Indicadores e Governança em Saúde Mental. São eles: conhecer o impacto, quebrar o silêncio, oferecer cuidados, e construir culturas.

Trazendo os resultados da pesquisa do De Neve para me ajudar na reflexão final, se a agência em que você trabalha exibisse o score de saúde mental nas vagas abertas, os candidatos se sentiriam atraídos ou repelidos?