Opinião

Perfeição não vende — creators, sim

Quanto mais observo o comportamento das audiências nas redes sociais, mais percebo que o que move as pessoas não é a proximidade

Miriam Shirley

Presidente da BrandLovers 2 de dezembro de 2025 - 14h00

Depois de chocar Hollywood com a “estreia” de uma atriz gerada por inteligência artificial, a fundadora do estúdio responsável por sua criação declarou recentemente que planeja lançar, pelo menos, mais 40 atores sintéticos na indústria do cinema. Tilly Norwood foi só a primeira estrela.

Em uma entrevista recente para a Variety, Eline van der Velden (fundadora do estúdio) afirmou que, se as pessoas vão ou não pagar para assistir a um filme feito por IA, essa é quase uma questão secundária. Para ela, o ponto central é outro: o público provavelmente nem vai perceber a diferença entre uma atriz humana e uma digital. E, em parte, ela tem razão a tecnologia avança numa velocidade que surpreende até quem trabalha com inovação.

Tenho visto empresas desenvolvendo projetos incríveis, realizando trabalhos que antes nem imaginávamos e acelerando processos que levavam semanas para acontecer. Tudo isso graças à IA.

No entanto, da mesma forma que Eline discordou do jornalista da revista Variety, eu também tenho uma visão diferente sobre qual é o ponto central de toda essa discussão. Para mim, a questão não é se a inteligência artificial é capaz ou não de produzir um filme inteiro, criar uma campanha perfeita ou construir personagens que parecem de carne e osso.

Na verdade, a pergunta que me vem à cabeça diante de toda essa história é: será que é isso mesmo que as pessoas querem?

Fico com essa dúvida porque, quanto mais observo o comportamento das audiências nas redes sociais, nos comentários, nos criadores que explodem de uma hora para outra mais percebo que o que move as pessoas não é a perfeição, e sim a proximidade. Não é a técnica impecável, mas o gesto espontâneo. Não é o vídeo milimetricamente enquadrado, mas a fala que sai no ritmo da vida real, às vezes atropelada, às vezes com uma risada no meio.

É quase um paradoxo da nossa época: temos tecnologia suficiente para criar imagens absolutamente impecáveis, mas o que mais nos emociona continua sendo aquilo que escapa ao controle.

Longe de ser uma busca consciente, a identificação humana com o imperfeito é quase instintiva. A realidade é imprecisa, tem seus desvios, seus ruídos, seus pequenos desequilíbrios e é justamente esse aspecto que a torna familiar. Por isso, tudo o que apresenta uma estética de “perfeição calculada” gera, no mínimo, estranheza. O resultado é uma falta de conexão porque simplesmente não conseguimos nos identificar com algo que parece tão destoante da nossa própria experiência cotidiana.

Não à toa, os creators são hoje quem melhor traduz esse espírito do tempo. São eles que ocupam o lugar da conversa próxima, da rotina compartilhada, da vida acompanhada quase em tempo real. E, entre eles, os micro e nano creators têm ainda uma vantagem importante: por serem nichados, entendem profundamente quem está do outro lado da tela. Falam com comunidades menores, porém, altamente específicas, onde a identificação se dá em um nível quase íntimo na linguagem, no repertório, nas referências que só quem pertence àquele grupo reconhece.

Essa especificidade cria um tipo de conexão que nenhuma estética perfeita consegue substituir. É a naturalidade humana que faz com que uma recomendação soe menos como publicidade e mais como conversa.

Sim, a inteligência artificial é capaz de criar cenas impecáveis, ajustar cada detalhe à perfeição e abrir caminhos criativos que ainda estamos começando a explorar e devemos explorar esses novos campos com curiosidade e responsabilidade. Porém, de novo, quando o assunto é influência, comportamento e comunicação, a questão não é se a IA consegue se passar por humana.

O dilema é outro: será que quem está do outro lado da tela, seja do cinema seja do celular, quer que a IA se passe por humana?

Talvez o grande equívoco esteja em acreditar que a tecnologia precisa replicar a humanidade para ser valiosa. Quando, na verdade, seu maior potencial está justamente em complementar o que temos de mais humano: nossa capacidade de sentir, interpretar, reconhecer e nos conectar uns com os outros.

Por isso, enquanto o debate se concentra em saber até onde a IA consegue ir, eu prefiro olhar para outra direção: até onde queremos que a influência continue sendo humana. Porque, no fim, é isso que gera pertencimento. É isso que cria conversa. É isso que constrói significado.