Compliance na era da exposição
A reputação de uma empresa se constrói no cuidado com pessoas e na construção de ambientes íntegros
Na época da Operação Lava Jato, o compliance ganhou tração no Brasil. Enquanto escândalos de corrupção ocupavam as manchetes, a promulgação da Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013), estabelecendo a responsabilidade objetiva das empresas por atos de corrupção, criou um forte incentivo ao investimento em compliance para prevenir práticas ilícitas. A necessidade de implementar mecanismos de compliance para mitigar sanções e firmar acordos de leniência também foi decisiva para o crescimento da área no país.
Passada uma década, o compliance expandiu seu campo material de atuação. Não se trata mais de apenas prevenir fraudes ou desvios financeiros, mas cuidar de todas as condutas que impactam diretamente o ambiente organizacional e a reputação da empresa. Casos de assédio e discriminação, e até mesmo comportamentos socialmente reprováveis de lideranças fora do ambiente corporativo, têm se tornado gatilhos reputacionais, com impactos tangíveis em imagem, confiança, clima organizacional e valor de mercado.
Com a disseminação das redes sociais, não se pode ignorar que a linha entre a esfera pública e a vida privada tornou-se mais tênue. Retrato recente disso foi a cena viral ocorrida durante o show do Coldplay, em que o relacionamento extraconjugal entre CEO e diretora de RH de uma empresa foi flagrado pela “câmera do beijo”. O vídeo viralizou nas redes sociais, levando ao afastamento dos executivos e à renúncia do CEO dias depois.
Em um mundo onde todos têm uma câmera no bolso, o compliance não pode se limitar ao combate à corrupção. Exige-se atenção constante e ampla aos fatores humanos que, quando ignorados, geram custos altos. Não apenas em processos judiciais, pois os custos se refletem também na perda de talentos e clientes.
Quando se trata de assédio no ambiente de trabalho, os riscos são reais e mensuráveis. As indenizações por assédio moral e sexual na Justiça do Trabalho podem alcançar valores expressivos, chegando até a R$ 80 mil, a depender da gravidade, repercussão e duração do assédio.
As estatísticas da Justiça do Trabalho também apontam um aumento de 35% no volume de ações trabalhistas sobre assédio sexual, entre 2023 e 2024. Paralelamente, o Ministério Público do Trabalho vem intensificando fiscalizações e firmando Termos de Ajustamento de Conduta (TACs), que impõem obrigações como a criação de canais de denúncias, a apuração formal e célere dos casos, a aplicação de sanções e a realização periódica de treinamentos sobre assédio e discriminação, cujo descumprimento costuma implicar multas significativas.
Os montantes despendidos pelas empresas em razão dessas incidências ultrapassam, portanto, a casa dos milhões de reais. Em caso de notória repercussão, a Caixa Econômica Federal arcou com custos milionários em acordos, indenizações e compromissos firmados em ajustes de conduta, em decorrência das denúncias de assédio sexual e moral envolvendo o ex-presidente da instituição.
Nesse cenário, o compliance não pode ser um mero figurante. Ele precisa atuar na construção de ambientes diversos, respeitosos e íntegros em todas as esferas da empresa, por meio de códigos de conduta, treinamentos, políticas antidiscriminação e antiassédio, canais de denúncia, procedimentos de investigação interna e aplicação de consequências. Deve abordar também questões relacionadas à ética interpessoal, conflito de interesses, governança corporativa e gestão de crises reputacionais.
Essa atuação ampla é uma resposta às demandas de diferentes públicos: colaboradores que exigem ambientes mais seguros e inclusivos; investidores que valorizam a responsabilidade social; consumidores que buscam marcas alinhadas a valores éticos; e autoridades fiscalizatórias e sancionadoras. Espera-se que os dirigentes das empresas realmente exerçam o discurso – o chamado walk the talk.
De fato, a pressão por ambientes íntegros vem também da nova geração de profissionais, que exige coerência entre discurso e prática. Não basta promover campanhas de inclusão e diversidade em datas simbólicas; é necessário que esses valores reflitam nos processos seletivos, nas políticas de promoção, nas sanções a condutas inadequadas e, sobretudo, na liderança pelo exemplo.
Para quem ainda enxerga o compliance como um setor de controle burocrático, é hora de compreender seu papel concreto: uma resposta institucional à complexidade atual, capaz de prevenir desvios que corroem as organizações antes mesmo de viralizarem. Afinal, cada ato individual torna-se coletivo dentro de uma empresa.
Na era da exposição, integridade nunca foi tão importante. Basta uma ação individual para colocar toda a empresa sob os holofotes, seja em direção ao sucesso – ou à crise.