O Ozempic e a nova ordem no carrinho de compras
Uma em cada cinco pessoas já usaram o medicamento e reflexos são mais abrangentes do que se imagina
O que há de comum entre o aumento no consumo de gin, a queda no de ovos e o sucesso dos pratos prontos? À primeira vista, nada. Mas, ao aprofundarmos a análise sobre os hábitos de consumo dos brasileiros, surge um novo protagonista: o Ozempic.
O medicamento originalmente indicado para o tratamento do diabetes tipo 2 tornou-se símbolo de uma transformação silenciosa, mas profunda, nos padrões de comportamento e escolhas alimentares do país. Os dados comprovam: quase 1 em cada 5 brasileiros já usou Ozempic ou similares, sendo que quase um quarto dessas pessoas fez uso por conta própria, sem prescrição médica. Estamos falando de mais de 40 milhões de consumidores impactados (e ainda subestimados) por muitas empresas.
Essa revolução não está acontecendo nas prateleiras das farmácias, mas nos corredores dos supermercados. Ao contrário do que se imagina, o público não é composto majoritariamente por pacientes diabéticos. O perfil predominante é de mulheres jovens, entre 20 e 35 anos, de classe AB, com ensino superior completo, vivendo principalmente no Sudeste e Nordeste.
Estamos diante de um público com alto poder de compra, com acesso à informação e que já influencia significativamente o mercado. Com suas novas escolhas, esse perfil tem remodelado o que chamamos de “cesta básica emocional”: aquilo que se compra não apenas por necessidade, mas por desejo, praticidade e status.
Contradições no prato (e no copo)
A análise de consumo revela um movimento curioso e, à primeira vista, contraditório: enquanto itens como ovos (-21%) e temperos naturais (-23%) despencam, observamos um crescimento expressivo em produtos como pratos prontos (+67%) e bebidas alcoólicas premium, com destaque para o gin (+137%), whisky (+84%) e até saquê (+208%).
O que parece um paradoxo revela, na verdade, um novo código de valores: a conveniência se sobrepõe à preparação, o status importa mais que a rotina e a gestão do tempo se torna um ativo tão valioso quanto a saúde. O apetite reduzido por medicamentos não se traduz necessariamente em escolhas mais saudáveis, mas sim em decisões mais rápidas e, muitas vezes, indulgentes.
Engana-se quem pensa que a Geração Z está na liderança dessa transformação. São os Millennials, entre 32 e 45 anos, os grandes protagonistas desse movimento. São eles que mais incorporaram o uso do Ozempic como parte de uma estratégia pessoal de bem-estar e performance. É uma geração que vive sob pressão profissional, busca otimizar decisões e, ao mesmo tempo, não renuncia ao prazer e praticidade. Esse grupo aumentou significativamente o consumo de proteínas vegetais (+37,1%) e de alimentos ultraprocessados (+27,3%) mostrando que a busca por alternativas mais “fit” convive com a adesão aos industrializados.
O impacto para o setor de alimentos e bebidas é imenso, conforme nosso estudo capturou. Estamos diante de uma janela de oportunidade para novas categorias:
- Conveniência saudável: ganham espaço os pratos prontos com apelo nutricional elevado e ingredientes selecionados.
- Indulgência consciente: com o fim dos lanches impulsivos, há mais espaço para doces artesanais e bebidas sofisticadas, consumidos de forma pontual e planejada.
- Proteínas vegetais: o crescimento do interesse por alimentos plant-based indica um mercado em franca expansão, tanto pela percepção de saúde quanto pela mudança no padrão alimentar provocado pelo uso do medicamento.
Mas há um alerta importante: o consumo de alimentos in natura está em queda em todas as faixas etárias. O risco de uma geração nutrida com a ilusão do controle, mas empobrecida nutricionalmente, é real e precisa entrar no radar de saúde pública e da indústria.
O futuro está sendo escrito agora
Mais do que um medicamento, o Ozempic se revela como um vetor de mudanças culturais e econômicas. O impacto no comportamento de consumo já é visível e tende a crescer.
As marcas e empresas que desejarem se manter relevantes precisarão entender não apenas o que está sendo consumido, mas por quê. Compreender essas dinâmicas será vital para se adaptar (e liderar) os novos tempos.