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Opinião

Feminismo de resultados

Já vou avisando que detesto o politicamente correto e acredito que publicidade boa pode e deve ter picardia


23 de junho de 2016 - 10h00

Não faz muito tempo que publiquei neste espaço um texto sobre o “discurso do diabo”, conceito que procura mostrar a importância de pregarmos principalmente para os não convertidos, porque, em última análise, eles é que fazem a diferença para virar qualquer jogo no campo das ideias. Como escrevi, o diabo não tenta capturar a alma dos malfeitores, pois esses já jogam no seu time. A malandragem de satã é justamente tentar trazer para o seu lado aqueles que parecem incorruptíveis. Dá muito mais trabalho, mas o danado sabe que só assim se mexe no placar do bem contra o mal. Ao longo de minha carreira, trabalhei com muito mais mulheres do que homens. A proporção deve ser algo ao redor de três mulheres para cada homem e, aqui na Brunswick, essa contagem chega a nada menos do que seis para um. Em função disso — além do convívio familiar com mãe, mulher, sogra e duas filhas —, se não chego a ser um especialista global em comportamento feminino, ao menos sei o que é um corte short bob, conheço a cor fúcsia, posso estabelecer claramente a diferença entre vermelho e coral, reconheço padronagens como carijó e espinha de peixe, posso descrever um trench dress, manjo bastante de horóscopo e compreendo a importância fundamental de uma francesinha benfeita. Brincadeiras à parte, sinto que sou capaz de minimamente vislumbrar os desafios e dificuldades daquelas que vivem num mundo ainda quase que totalmente dominado por padrões, muitos dos quais arcaicos, estabelecidos pelos homens.

Sendo assim, é na condição de um homem que conhece algumas coisas sobre o universo feminino — e umas quantas sobre comunicação — que me atrevo a sugerir estratégias para mulheres engajadas em transformar o mundo. A primeira delas já foi antecipada no parágrafo acima e tem a ver justamente com o tal discurso do diabo. As mulheres andam pregando excessivamente para as convertidas e pouquíssimo para os corações e mentes que precisam ser trazidos para sua causa. De cada dez fóruns que conheço para debater a questão feminina, nove contam apenas com mulheres, seja no palco, seja na plateia. O mesmo pode ser dito sobre as associações e entidades com agendas ligadas a causas feministas. Isso é um grave erro, por três razões. A primeira é que, obviamente, as mulheres que participam de encontros assim já estão mais do que convertidas à causa, ou seja, não vão alterar a contagem de apoiadores versus opositores. A segunda é que cada homem convidado a participar desses fóruns, além de representar uma alma roubadas às hostes opositoras, poderá se tornar grande pregador da Boa Nova junto aos seus iguais. Jesus lançou sua religião na humilde Galileia, mas ela só ganhou o mundo quando um perseguidor convertido, um tal de Paulo de Tarso, a levou para Roma. A terceira razão é ainda mais óbvia. Ora, se um grupo defende com todas as forças a importância da inclusão e da diversidade, que tal formar coletivos tendo isso em conta?

Outro ponto que precisa ser atacado urgentemente pelas mulheres é o que eu chamaria de inimigas internas. Embora seja totalmente necessário, é simples denunciar o machismo em episódios muito graves ou quando praticados por homens. Mas é possível expandir essa percepção. Por exemplo: pelo menos um quarto das manchetes dos grandes portais é composto de conteúdos absurdamente machistas e que nem sequer chagam a ser notícias. Façam um exercício de clipping nos principais sites de notícias do País (nem vou falar em sites de segunda linha, que esses são uma vergonha) em busca de manchetes que desvalorizem o papel da mulher. Enquanto escrevia a coluna, topei com a seguinte matéria num dos maiores portais do País: “Periguete sente frio? Mulher Melão posa de biquíni em dia de baixa temperatura no Rio”. Desnecessário comentar o conteúdo. Quem escreveu a matéria? O que me levou a pensar que se as jornalistas que produzem esse tipo de matéria fossem convencidas a se unir à causa, elas poderiam ajudar de duas maneiras: recusando-se a contribuir com seus veículos em matérias de conteúdo duvidoso; e pressionando esses veículos a banir essa lamentável linha editorial.
A doutrina do “tudo por um clique” precisa acabar. Será que os portais ainda não perceberam que a era quantitativa ficou para trás e que audiência qualitativa hoje vale muito mais? Vejam a homepage do New York Times, do Washington Post ou de qualquer outro portal sério de notícias no mundo e, em seguida, comparem-nos com os daqui. Baixaria existe em qualquer canto do mundo, mas uma coisa é ela sair num tabloide inglês de quinta categoria e outra é estar nas manchetes do The Guardian. As mulheres deviam, incansavelmente, denunciar esse tipo de conteúdo e cobrar das publicações maior responsabilidade sobre o que publicam. Para mudar uma cultura estabelecida é preciso combater os grandes absurdos, mas jamais menosprezem a força dos pequenos absurdos, aqueles com os quais nos acostumamos a conviver e passam a fazer parte do inconsciente coletivo.

De cada dez fóruns que conheço para debater a questão feminina, nove contam apenas com mulheres, seja no palco, seja na plateia. O mesmo pode ser dito sobre as associações e entidades com agendas ligadas a causas feministas

As publicitárias que se sentiram horrorizadas com as jornalistas que publicam matérias de conteúdo machista deveriam fazer o mesmo exercício crítico em relação aos trabalhos de suas agências. Será mesmo que só mulher de biquíni, vestidinho, caras e bocas vendem cerveja? Todo casting de campanha de bancos precisa ser composto exclusivamente por top models (normalmente ruivas, não me perguntem a razão)? Os roteiros precisam ser tantas vezes construídos com a velha estrutura do marido malandro e da esposa implicante? É preciso que nesses roteiros sempre haja conflito entre homens e mulheres? Homem jamais lava louça? Homem jamais prepara comida? Já vou avisando que detesto o politicamente correto e acredito que publicidade boa pode e deve ter picardia, mas as questões listadas acima não aparecem em campanhas boas. Ao contrário: elas estão presentes normalmente em campanhas manjadíssimas, que vão bem em grupos de pesquisa, mas nunca se destacam quando vão ao ar. As executivas de agências não deveriam ser cúmplices de campanhas que desvalorizem o papel feminino. Em tempo: garanto que filmes que colocam o homem para fazer papel de idiota não resolvem a questão. A simples inversão de papéis não é a resposta quando o importante é construir o novo.

Em síntese, eu acredito que as mulheres vêm fazendo um extraordinário trabalho de transformação na sociedade. Mas elas conseguiriam resultados dramaticamente superiores se passassem a envolver mais os homens e demonstrassem poder crítico em relação à própria classe. Essa visão mais ampla, aliada à boa comunicação, poderia criar um verdadeiro feminismo de resultados. Mas é claro que esta é apenas a opinião de um homem, que muito embora viva cercado delas. Por opção. Uma opção que levou e leva em conta questões de meritocracia e competência. Porque as mulheres são absurdamente competentes — e é um prazer aprender um pouco mais a cada dia com a percepção, a complexidade e a sofisticação intelectual delas.

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