Opinião
Inteligências e paraísos artificiais
Como o digital, a inteligência artificial demandará ampliação de conhecimentos, mas não um descontrole resultando em catástrofe global
Como o digital, a inteligência artificial demandará ampliação de conhecimentos, mas não um descontrole resultando em catástrofe global
Se o relatório de tendências é o crack da nossa geração, o SXSW funciona como a nossa cracolândia premium, onde consumimos vorazmente com a suspensão da descrença no máximo. Amy Webb é nossa deusa-dealer. Passamos pelo metaverso, blockchain, NFT e ESG gerando um transbordo de especialistas que agora migram desesperados para a nova novidade popularmente conhecida como inteligência artificial.
As tecnologias de inteligência artificial representam uma realidade irresistível e um futuro inevitável. Elas são igualmente fascinantes e preocupantes. Contudo, as possíveis mudanças globais influenciadas por essas novas tecnologias ainda estão sob debates e os mais importantes estão acontecendo ou acontecerão em breve nos espaços que orientam políticas públicas. Outros debates minimamente sérios acontecem dentro da comunidade de tecnologia e da academia (em vários campos). Por fim, temos a terceira divisão, repleta de especulações com o simples propósito de causar pânico, ansiedade e um monte de gente pagando por cursos, palestras e eventos oportunistas.
No nosso mercado é possível prever com certa facilidade as mudanças de curtíssimo prazo, que afetarão as produções criativas que independem de leis de direitos autorais e quaisquer outras coisas relacionadas a conteúdo burocrático. Profissionais de criação, mídia, dados e estratégia serão avaliados e remunerados pelas suas habilidades com novas ferramentas, otimizando tempo, custos e rentabilidade. Contudo, inteligência e sabedoria continuarão sendo diferenciais incomparáveis.
Assim como o “digital” demandou uma atualização e ampliação dos conhecimentos, dos saberes e dos fazeres, o mesmo tende a acontecer com a inteligência artificial, com muita gente se adaptando com mais facilidade e velocidade.
Mas não compartilho das previsões que dão conta de um descontrole da inteligência artificial como catástrofe global. Como bem dizem os mais velhos: “Como ter medo dos mortos com tantos vivos por aí?”. Já vivemos há um bom tempo numa estrutura dominada por inteligências artificiais, que operam para o próprio aperfeiçoamento, onde a preocupação não é o bem da humanidade, mas sim o aumento exponencial de lucros para os seus acionistas, mesmo que isso demande a exaustão dos recursos vivos, animais e naturais.
Curiosamente, essa mesma “inteligência artificial” é responsável por incentivar políticas de subsídios e renúncias fiscais em detrimento do fortalecimento de um estado de bem-estar social cada vez mais necessário frente à inevitável precarização das relações de trabalho e desqualificação da mão de obra, gerando fenômenos como a uberização para a classe média e a ifoodização para os mais pobres.
Fredric Jameson popularizou um ditado que diz “É mais fácil imaginar o fim do mundo do que imaginar o fim do capitalismo”. Pensar numa inteligência artificial descontrolada destruindo o mundo é uma forma sofisticada de se eximir da própria responsabilidade nos esforços de destruir toda e qualquer estrutura que garanta às pessoas uma vida digna para quem estiver às margens do mercado de trabalho.
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