Assinar

O nosso mais legítimo Mad Men

Buscar
Publicidade
Opinião

O nosso mais legítimo Mad Men

A lucidez, senso de humor e as deliciosas histórias fizeram de Alex Periscinoto um dos mais longevos e importantes nomes da publicidade brasileira


18 de janeiro de 2021 - 12h52

Alex Periscinoto (Crédito: Paulo Mumia)

Quem tem mais de 40 anos e nasceu na cidade de São Paulo deve se lembrar da loja de departamentos Mappin. Na minha infância, ir ao Mappin era um dos momentos mais aguardados do ano. De família pobre e periférica, essa visita à maior loja de departamentos do Brasil, localizada na esquina das ruas 7 de Abril com Líbero Badaró, bem em frente ao suntuoso Teatro Municipal, era sinônimo de que o Natal estava próximo e de diversão garantida. Cada andar do prédio era dedicado a um tipo de produto. O 3º andar era o de cama, mesa e banho, o 7º de brinquedos e produtos infantis, o 5º de calçados e assim por diante.

Mas o que chamava mais a minha atenção era a comunicação do Mappin, com suas vitrines exuberantes, sua publicidade onipresente e marcante e suas promoções arrasadoras. Anos mais tarde, quando já estava trabalhando no Meio & Mensagem, vim a descobrir que a pessoa por trás da criação da identidade visual, publicidade e comunicação do Mappin era Alex Periscinoto, ainda na década de 1950.

E foi no Mappin, em 1958, que Periscinoto ganhou um prêmio que marcaria para sempre sua vida e, por consequência, a da publicidade brasileira. Foi o vencedor de um concurso interno para a criação da promoção de aniversário da varejista, comemorado no mês de outubro, tradicionalmente fraco. Com o mote “o aniversário é nosso, mas quem ganha o presente é você”, a promoção fez enorme sucesso e, de quebra, Alex ganhou uma viagem para Nova York. Ele era fã da publicidade feita pela rede varejista norte-americana Ohrbach’s e pediu para fazer uma imersão na loja.

Lá, se deparou com anúncios que considerou extremamente inteligentes e perguntou quem os tinha criado. Ao saber que era a Doyle Dane Bernbach (DDB), pediu um estágio na agência cofundada por Bill Bernbach e costumava contar que, ao chegar lá, se sentiu na Disney World. Duas coisas em especial lhe chamaram a atenção. A primeira foi ver que o departamento de criação era formado por duplas — redator e diretor de arte — que, sentados juntos, chegavam à solução criativa a partir de trocas e discussões. Até então, no Brasil, o redator ficava separado do ilustrador/diretor de arte e criava sozinho títulos e textos que depois seguiam para serem ilustrados por um profissional que ficava distante e, em muitos casos, em outro andar, algo que seguia a lógica fordista de produção.

A segunda revelação que Alex teve na DDB foi ter estado lá no momento que a campanha “Think small”, para a Volkswagen, estava sendo concebida e o quanto aquela campanha o impactou (não por coincidência, Don Drapper tem a mesma reação ao se deparar com esse anúncio ao folhear uma revista, na primeira temporada de Mad Men).

De volta ao Brasil, Alex foi convidado a atuar como free lancer na concorrência da Volkswagen que a Alcântara Machado estava participando e usou toda a sua bagagem recém-adquirida na passagem por Nova York. A agência ganhou a conta e houve o convite dos então sócios José de Alcântara Machado e Otto Scherb para Periscinoto deixar o Mappin e ingressar na empresa. Com poder de barganha, ele, que adorava trabalhar no Mappin, impôs duas condições para aceitar a proposta: ter participação acionária na agência e implementar na Almap o mesmo modelo que viu na criação da DDB, com duplas de criação em substituição ao redator e diretor de arte separados, inaugurando o modelo que é a base da criação publicitária até os dias de hoje. O ano era 1960 e o resto é história. A conta da Volkswagen continua na Almap desde então, tornando-se uma das mais longevas relações cliente-agência do mercado publicitário nacional.

Na Almap, Periscinoto esteve à frente de campanhas memoráveis. Duas delas merecem destaque: “Nós viemos aqui para beber ou para conversar?”, de 1972, para a Antarctica, que trazia Adoniran Barbosa como protagonista. A música-tema fala de uma festa no Bexiga (bairro de São Paulo recorrente na obra do artista) e o filme mostrava uma estátua falante (e cervejeira). Seu sucesso foi tanto que inspirou Adoniran a gravar a marcha “Nóis viemos aqui pra quê?”. Outro estrondoso sucesso foi “Vale por um bifinho”. Graças a esse filme, as crianças dos anos 1970 tinham um bom argumento para pedir Danoninho a seus pais. Segundo a Danone, o produto tinha o mesmo valor nutricional de uma porção de 180g de carne bovina.

Com o afastamento e posterior morte dos sócios, Alex assumiu o comando da agência e, em 1988, se associou à BBDO, do grupo Omnicom, formando a AlmapBBDO. No entanto, no início da década seguinte, agência vinha perdendo o vigor criativo que tanto marcou sua trajetória. Era o momento das agências formadas por criativos e duas delas despontavam no mercado: W/Brasil e DM9. Periscinoto já estava chegando aos 70 anos e procurava uma forma de garantir não só a sucessão, mas também um movimento para revigorar a agência. Assim, em 1993, tirou da DM9 uma brilhante dupla de criação: Alexandre Gama e Marcello Serpa e com ela um profissional de negócios: José Luiz Madeira. Neste mesmo ano, Serpa acabara de levar o primeiro Grand Prix da história da publicidade brasileira no Festival de Cannes, em Print, com um anúncio para guaraná Antartica Diet.

Gama se desentendeu com os sócios em 1996 e a AlmapBBDO seguiu sob o comando de Serpa e Madeira até 2015, quando ambos saíram do negócio passando o bastão a Luiz Sanches. As bases do expressivo e consistente sucesso da agência nessas últimas décadas foram plantadas por Alex Periscinoto ao delegar poder a profissionais jovens e talentosos e assim fazer com que pudessem perpetuar uma marca tão importante do nosso mercado.

Em 1998, Alex se retirou da Almap. Neste mesmo ano, foi convidado a ocupar a chefia da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom), no governo Fernando Henrique Cardoso. Logo depois se associou à SPGA, consultoria especializada em concorrências e aconselhamento de CEOS.

Meus últimos contatos com Periscinoto foram em 2012, quando o entrevistei para o livro que estava escrevendo à época sobre a trajetória de Petrônio Correa, e em 2015, quando tive o privilégio de visitá-lo no ateliê que mantinha em sua casa, onde passava o tempo esculpindo cavalos de madeira. A lucidez, senso de humor e as deliciosas histórias fizeram de Alex um dos mais longevos e importantes nomes da publicidade brasileira. Ontem, ao receber a notícia de sua morte, aos 95 anos, em virtude de complicações decorrentes da Covid-19, além de lamentar, não tive como deixar de pensar que se a vacina tivesse chegado só um pouquinho mais cedo, poderíamos tê-lo conosco até seu centenário, logo ali.

*Crédito da foto no topo: Reprodução

Publicidade

Compartilhe

Veja também

  • Quando menos é muito mais

    As agências independentes provam que escala não é sinônimo de relevância

  • Quando a publicidade vai parar de usar o regionalismo como cota?

    Não é só colocar um chimarrão na mão e um chapéu de couro na cabeça para fazer regionalismo