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Opinião

O que a publicidade tem a ver com a nossa obsessão pela juventude?

Estamos presenciando a primeira geração de mulheres que estão reivindicando o direito de envelhecer em paz e questionando as representações de si retratadas na mídia


10 de outubro de 2023 - 14h00

A publicidade sempre desempenhou um papel significativo na construção de ideais de beleza e aspirações sociais. E a obsessão pela juventude é um dos comportamentos mais reproduzidos nesse meio, assim como a da magreza e de todos os padrões que nos aprisionam. O marketing, juntamente com as indústrias, e aqui vale destacar as da moda e da beleza, frequentemente perpetuam a ideia de que a juventude é sinônimo universal de beleza, sucesso e felicidade. As imagens de mulheres jovens, com peles perfeitas e corpos padrões ainda são onipresentes em anúncios em geral.

A publicidade, muitas vezes, ainda sugere que a juventude é o segredo para alcançar o sucesso. Comerciais de produtos anti-idade frequentemente prometem “reverter os sinais do envelhecimento” e parar o tempo, fazendo as pessoas parecerem mais jovens, porque o importante mesmo é não envelhecer. Essa abordagem cria a ilusão de que a juventude é a única maneira de alcançar o reconhecimento social e o contentamento pessoal, colocando, nós, mulheres, vulneráveis diante de indústrias que lucram cada vez mais com as fragilidades e inseguranças femininas.

No estudo Elas 45+, que realizamos pela Eixo, chegamos à conclusão de que dois dos maiores medos do envelhecimento para as mulheres estão ligados à perda da juventude e beleza. E 51% delas já se sentiram julgadas ou parcialmente julgadas por estarem envelhecendo. É como se as mulheres não tivessem o direito de envelhecer.

E foi pelo entendimento de que envelhecer não deve ser um direito negado às mulheres, que mergulhamos em uma pesquisa para entender o processo de envelhecimento feminino no Brasil. Em nosso estudo, percebemos como a ideia de envelhecimento vem mudando nos últimos anos. Além de estarmos vivendo com uma maior expectativa de vida do que as gerações anteriores, presenciamos também a primeira geração de mulheres que estão reivindicando o direito de envelhecer em paz. E isso está totalmente conectado ao fato delas não se sentirem representadas pelas imagens que vemos por aí.

Isso porque as mulheres maduras, em sua grande maioria, são retratadas de forma infantilizada – a senhora bondosa que está sempre cuidando de tudo e de todos –, são vistas como menos atraentes, menos capazes e menos relevantes do que suas contrapartes mais jovens. Como bem ouvimos ao longo do nosso estudo, se você é mulher, envelhecer é ir para escanteio.

E quando se tornam protagonistas, geralmente é para divulgar produtos que prometem apagar as marcas do tempo. Essas mulheres não são vistas como consumidoras de bebidas e carros, não são clientes de bancos e muito menos compram coisas básicas, como um simples shampoo ou hidratante corporal.

E, como se já não bastasse, existe ainda o contraponto dessa imagem. A mulher cinquentona que dribla os efeitos do tempo e “nem parece ter a idade que tem”. Sarada e mergulhada em procedimentos estéticos, que recebe frequentemente comentários elogiosos sobre estar com tudo em cima. Não existe um meio termo se você é mulher, e as representações são limitadas e limitantes.

Em nossa pesquisa, descobrimos que 43,6% das mulheres nunca fizeram e nem sequer consideram procedimentos estéticos, mas 16,9%, apesar de não terem vontade de realizar, sentem-se pressionadas para conservar a juventude. As mulheres com mais de 55 anos são as que mais sentem essa pressão.

Os impactos da obsessão na saúde mental das mulheres
Essa pressão que aparenta ser sutil, mas persistente, leva as mulheres a acreditar que sua autoestima e valor estão intrinsecamente ligados à sua juventude. O nome disso é etarismo, ou seja, a descriminação em detrimento a idade. Crescemos ouvindo que homens trocam mulheres de 40 anos por duas de 20, e são reproduções como essa que corroboram para o Brasil ser um dos países campeões em procedimentos estéticos.

Se você é mulher, já se sentiu inadequada e insatisfeita com seu próprio corpo, mas se você é uma mulher que passou dos 40 anos, provavelmente já se sentiu inadequada ou julgada por estar envelhecendo. E isso não deveria ser algo natural, uma vez que se tudo der certo, todos nós iremos envelhecer. O resultado desse preconceito é insegurança, solidão, ansiedade e até depressão.

Enquanto isso, elogiamos os homens que envelhecem como vinho e que, pela primeira vez, deixam de ser meninos e se tornam maduros por conta dos cabelos brancos.

E não para por aí. O etarismo, que é reforçado na publicidade, não se limita à esfera pessoal; ele também tem impactos profissionais e sociais nas vidas das mulheres. Muitas de nós, na medida em que envelhecemos, enfrentamos discriminação etária no local de trabalho, onde somos menos propensas a ser promovidas ou contratadas para empregos de alto nível – 61,6% das mulheres disseram já se sentir discriminadas no local de trabalho por conta de sua idade, segundo nosso estudo. Isso limita nossas oportunidades de carreira e perpetua a ideia de que a juventude é mais valiosa do que a experiência.

E a invisibilidade e a falta de representação de mulheres 45+ nas imagens do nosso cotidiano perpetua a ideia de que elas não têm nada a oferecer à sociedade.

Porém, o etarismo reforçado na publicidade é um problema crítico que afeta as mulheres, mas que também é extremamente prejudicial aos negócios, uma vez que o público 45+ possui uma renda maior do que as demais gerações e, hoje, movimenta a terceira maior economia do mundo, também conhecida como silver economy.

Para combater a obsessão pela juventude, é fundamental que a sociedade e a indústria publicitária promovam uma visão real e gentil sobre o envelhecimento, focando menos no que se perde e mais no que se ganha. Porque o colágeno pode ficar escasso, mas se ganha muito ao envelhecer.

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