Paramos na primeira página?
Avanços conquistados nos últimos tempos e maior ocupação de espaços por grupos minorizados servem de álibi para o argumento de que já se avançou o possível e para sustentar cortes em iniciativas corporativas de DE&I
Avanços conquistados nos últimos tempos e maior ocupação de espaços por grupos minorizados servem de álibi para o argumento de que já se avançou o possível e para sustentar cortes em iniciativas corporativas de DE&I
Diversidade, equidade e inclusão são palavras que estiveram nos discursos de praticamente todos os principais líderes da indústria de comunicação, marketing e mídia nos últimos anos — formaram até a sigla DE&I, como referência ao que seriam princípios fundamentais para as organizações dispostas a dialogar com a contemporaneidade. Cobranças de instâncias organizadas da sociedade, algumas vozes ativistas dispostas a se lançar em batalhas para furar os círculos viciosos de privilégios e, especialmente, mudanças no comportamento das pessoas, que levaram ao maior entendimento e engajamento com causas, impulsionaram avanços a serem comemorados.
Em julho do ano passado, o Brasil passou a contar com a Lei da Igualdade Salarial, que obriga as empresas a pagarem remuneração igual para homens e mulheres que desempenhem a mesma função. Trata-se de uma vitória importante contra a regra de omissão do Poder Público. Entretanto, apesar das adesões e conquistas, a equidade de gênero ainda é um sonho distante. Perduram desde os números inaceitáveis de feminicídios até a pouca participação em instâncias decisórias, entre tantos outros indicadores obscenos. De cada cem empresas com ações negociadas em bolsa no Brasil, 55 não têm mulheres em cargos diretivos e 36 não têm participação delas no conselho — a presença de pelo menos uma pessoa negra em um desses órgãos não passa de 11%, o que mostra que existem questões de inclusão e diversidade ainda mais atrasadas. Os dados são da terceira edição do estudo Mulheres em Ações, divulgado no ano passado pela B3.
Se ainda há um longo caminho pela frente, que exigirá força, ousadia e resiliência, é preciso que novas vozes se levantem e que mais pessoas se juntem a essas lutas. Pelo terceiro ano consecutivo, o Women to Watch Summit, evento realizado na semana passada, em São Paulo, organizado por Meio & Mensagem, mostrou-se um espaço benfazejo para o encontro de gerações, a troca de experiências e a energização de lideranças dispostas a enfrentar obstáculos persistentes.
Estruturado em três pilares principais — Futuros Regenerativos; Carreira e Empreendedorismo; e Diversidade e Inclusão —, o evento conseguiu instigar os presentes a refletirem sobre problemáticas variadas, que vão desde a acessibilidade como preocupação para toda a população, e não apenas para as pessoas com deficiência, até a publicidade como campo fundamental de expressão da multiplicidade e de combate a estereótipos. Desde os dilemas de como empreender mantendo a autenticidade, sem necessidade de propagar padrões e condutas de comportamento recorrentes no mercado, até a exclusão das mulheres na produção audiovisual — em quase cem anos de Oscar, apenas três mulheres conquistaram a estatueta de melhor direção, um espaço emblemático por materializar a posição de quem controla as narrativas.
A cobertura completa do Women to Watch Summit está disponível no meioemensagem.com.br/womentowatch. Outra chance aos que não estiveram presentes será a publicação de vídeos com a íntegra dos painéis nas próximas semanas.
Uma preocupação recorrente no palco e nas conversas e debates que as apresentações suscitaram é a do arrefecimento no interesse e nos investimentos destinados a iniciativas de diversidade e inclusão dentro das empresas. Há uma desconfiança de que, em muitos casos, os avanços conquistados nos últimos tempos e a maior ocupação de espaços por profissionais que representam grupos minorizados servem como álibi para o argumento de que já se avançou o possível e, até, para sustentar a política de cortes em iniciativas corporativas voltadas a DE&I. Um dos diagnósticos mais precisos foi o da atriz e influenciadora Luana Xavier: “Paramos na primeira página”. Pelo menos até aqui, todos os discursos não foram capazes de acelerar as mudanças de comportamentos e de valores culturais que fariam avançar mais velozmente a leitura desse livro sem fim.
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