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Opinião

Pra quê existimos?

Por que não costumamos nos impor, estabelecendo limites na relação com o cliente? Por que, afinal, somos tão subservientes?


24 de fevereiro de 2017 - 10h21

dúvida

Foto: Reprodução

Maternidade WelComin’. 10:00 A.M. No sétimo andar do imponente prédio situado no badalado bairro de Glam East Side, tudo pronto para mais uma cesárea de rotina: materiais, equipamentos e instrumentos cirúrgicos já a postos. Devidamente preparada pela equipe médica, a breve futura mamãe aguarda com expectativa que tudo ocorra conforme o planejado – e ensaiado. Na sala de operação, Dr. Phodys Knoxville, obstetra galã dos ricos e famosos, confere a posição da luz cirúrgica de LED. Na bandeja, reluz um arsenal de bisturis prateados de diversos tamanhos.

Molly Anderson, a instrumentadora “S.O.S. Malibu”, repassa um dos apetrechos de lâmina média ao médico celebrity, que segura com firmeza. Hora do show. Dr. Knoxville aproxima a ponta do bisturi da barriga da paciente. De repente, para surpresa geral, a futura avó do príncipe herdeiro, uma socialite rica e esticada, invade o bloco cirúrgico: “vim conferir a cesárea de perto, porque de cirurgia, afinal, eu entendo. A propósito, Phodys, não seria mais interessante fazer o corte duas polegadas acima?”

Fictícia, a cena acima beira o absurdo: como assim, alguém invade uma maternidade, atrapalha uma cesárea e ainda tenta ensinar ao especialista como fazer o seu trabalho? No mundo real, um obstetra jamais toleraria tamanho disparate. Como médicos, publicitários também são experts em diversas áreas: atendimento, criação, planejamento, mídia e uma série de outras especialidades on e off. Não previnem, diagnosticam, tratam ou curam doenças, mas auxiliam pessoas físicas e jurídicas na conquista de resultados. Dos melhores resultados, diga-se de passagem. No entanto, diferente dos profissionais da medicina, publicitários são submetidos a todo o momento a caprichos dos mais diferentes perfis de clientes.

Como em qualquer relação, precisamos, com urgência, aprender a dizer “não”. “Pra ontem”. Pelo bem da nossa própria saúde. Entenda: não estou recomendando que você não seja educado, atencioso, solícito e que não tenha a humildade para reconhecer falhas

Sempre me questionei: Por que cargas d’agua é improvável um leigo “dar pitaco” no trabalho de um médico, mas é extremamente comum “orientar” um profissional de publicidade quanto ao seu? Por que não costumamos nos impor, estabelecendo limites na relação com o cliente? Por que, afinal, somos tão subservientes?

Há exato um ano, o texto “O que diabos aconteceu com a GERAÇÃO Y?!”, do redator Ícaro Carvalho, viralizou ao abordar a questão:

“(…) Eu posso te falar uma coisa? Nem sempre o seu cliente tem razão. Nem sempre ele sabe o que é o melhor para o negócio dele e nem sempre aquele ‘logo dourado com bordas vermelhas, estilo a da propagada da mortadela Seara’ é a melhor opção. O problema é que dizer isso na cara dele agora se tornou um crime! Não é proativo e engajado discutir com o cliente, ainda que ele esteja escandalosamente errado!”

A análise do criativo é uma saudável e pertinente reflexão a que todos deveríamos constantemente nos submeter. De modo preciso, expõe diversos tabus acerca da rotina de um publicitário de qualquer área. “Eu vivi isso na pele e o resultado foi uma crise de ansiedade constante diagnosticada de ‘transtorno de ansiedade generalizado’. Por mais que eu tentasse me desconectar, sempre chegava alguma mensagem fora do expediente pedindo alteração ou alguma coisa ‘urgente’, inclusive num domingo no meio de um show”, revelou um profissional nos comentários do texto original do Ícaro Carvalho. “Viver sempre na expectativa se o seu chefe, a moça do atendimento, o cliente, e mais umas 10 pessoas iriam aprovar ou não o que você fez é como um jogo de adivinhação torturante”, desabafou.

Longe da faceta glamourosa de Cannes, o “Lado B” da publicidade pode ser frustrante, principalmente para os neófitos: imenso volume de trabalho, pressão constante por resultados, cortes de verbas e dificuldades no trato com clientes são só alguns dos pontos. Parece o apocalipse, mas, acredite, não é. Há saída. E ela passa invariavelmente pelo posicionamento. Não de mercado, mas o nosso próprio, naquelas mais “simples e pequenas” solicitações do dia a dia.

Como em qualquer relação, precisamos, com urgência, aprender a dizer “não”. “Pra ontem”. Pelo bem da nossa própria saúde. Entenda: não estou recomendando que você não seja educado, atencioso, solícito e que não tenha a humildade para reconhecer falhas. Ninguém melhor que o cliente para entender do seu próprio business: seja refrigerante, carro, frango ou maquiagem, ele é o cara. Pode apostar! Mas, do mesmo modo, nós também somos experts nosso “riscado”. Somos especialistas na concepção de estratégias; na criação, ativação, monitoramento e avaliação de campanhas; na construção e no fortalecimento de marcas; e na disseminação de ideias, projetos, produtos e serviços. Como tais devemos nos colocar.

É isso o que o próprio cliente espera – mesmo que não admita. É a atitude que mercado almeja. É para isso, meu caro, que existimos.

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