Quando o leão escapa
"Sempre quis ganhar um Leão, em Cannes. Você faria o roteiro de comercial de TV para minha marca?"
"Sempre quis ganhar um Leão, em Cannes. Você faria o roteiro de comercial de TV para minha marca?"
Ganhar um Leão, no Festival de Cannes, é inesquecível. Mais inolvidável ainda é deixar de ganhar. Comigo aconteceram as duas situações. No entanto, não ter o felino nas mãos foi o que ficou registrado, para sempre, nas minhas retinas.
Era um período em que eu trabalhava diretamente com clientes, na qualidade de consultor de criação. Por indicação de um colega do Atendimento, consegui um cliente de médio porte. Eles precisavam dar uma acertada geral em sua comunicação e comecei a dar tratos à bola.
Quando “lé” estava conversando com “cré”, o cliente me surpreendeu com um pedido inusitado:
“Sempre quis ganhar um Leão, em Cannes. Você faria o roteiro de comercial de TV para minha marca?”
Concordei. Todavia, o adverti de que era algo que não se podia garantir como favas contadas.
“A competição é enorme, ganhar esse prêmio está mais para o lotérico do que para as ciências exatas”, pontuei.
Acrescentei também que seguíamos uma estratégia, e TV, naquele momento, não fazia parte do escopo.
Mesmo assim, o cliente, que era dono da empresa, a todo momento me cobrava a ideia. Até que redigi o script e convocamos uma produtora. Esta o executou com maestria e o resultado ficou excelente. Ao assistirmos à produção finalizada, o homem tascou um soco na mesa de jacarandá e berrou:
“É Leão! E, no mínimo, de ouro!”
Em uma semana, estávamos, o cliente e eu, na Promenade de la Croisette. No segundo dia, nos acomodamos no Palais para conferir a proposta sendo exibida ao mundo. O número de inscrição da peça era 187. Nem é preciso dizer o tamanho da ansiedade por ter que aguardar 186 comerciais serem projetados na tela antes do nosso.
Por fim, chegou nossa vez e… acabou a energia elétrica na sala de exibição!
A claquete com a ficha técnica ficou parada na tela, ia borrando, borrando… Quando olhei para o lado, o empresário estava saindo pelo corredor central do cinema, acendendo nervosamente um cigarro.
Encontrei-o momentos depois, num café na Croisette. Às nove da manhã, o copo de vodca dupla tremelicava em suas mãos bambas. Conversava pelo celular com a secretária pedindo para adiantarem sua volta ao país o mais urgente possível.
“Mas, olha”, eu insistia, “isso não significa que estejamos fora do páreo. Falei com a organização, vão reexibir o filme em outra sessão.”
O sujeito estava irredutível, apenas grunhia, um leão raivoso:
“Eu, hummpf, eu quero que, hummmpf, eles se…”
Todas as minhas tentativas de explicação se revelaram inúteis. Pela madrugada, ele embarcou rumo ao seu escritório. Permaneci em solo gaulês até o fim dos trabalhos. E, claro, assisti ao comercial numa sessão alternativa, conforme prometera o Festival.
Não houve nenhuma manifestação calorosa por parte da plateia, não pegamos short-list, não saiu nada na imprensa. Porém, quando a sua invenção não é vaiada no Palais des Festivals, já é um prêmio e tanto.
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