Opinião
Rompendo barreiras e alcançando o infinito
Os vieses inconscientes estão em todos os lugares e constroem uma forte barreira invisível que dificulta o avanço das mulheres em diferentes campos
Os vieses inconscientes estão em todos os lugares e constroem uma forte barreira invisível que dificulta o avanço das mulheres em diferentes campos
– Quem já participou de mais Copas do Mundo?
– Qual time teve a maior vitória da história em uma Copa do Mundo?
– Quem tem o recorde de gols em uma Copa do Mundo?
Quando eu faço essas perguntas, sem recorrer a nenhum tipo de pesquisa, quais repostas veem à sua cabeça?
Muito provavelmente, ao falar de Copa do Mundo e dos maiores feitos no torneio, a gente pensa automaticamente no evento masculino e em nomes de grandes jogadores homens. Talvez, pelo fato de no último mês ter começado a Copa do Mundo Feminina, a sazonalidade tenha feito você pensar nas mulheres, e o meu experimento não tenha tido tanto efeito. Mas a verdade é que, se essa conversa se iniciasse em qualquer outra época do ano, seria inevitável para a maioria das pessoas, e até para mim, pensar diferente.
Digo isso com essa certeza, pois estou falando dos vieses inconscientes que temos em nossa mente, na forma de estereótipos, preconceitos e pensamentos tendenciosos sobre determinado o tema, que induzem nossas atitudes, decisões e linhas de raciocínio.
A jogadora da seleção brasileira Formiga é a única atleta com sete Copas do Mundo no currículo, feito que nenhum outro jogador no planeta alcançou.
A maior goleada em uma Copa do Mundo foi vista na disputa feminina de 2019, quando as jogadoras dos Estados Unidos venceram a equipe tailandesa por nada mais, nada menos que 13 gols a 0.
E a nossa brasileira Marta detém o recorde que nenhum outro jogador do futebol tem, com 17 gols em Copas do Mundo.
E sabe o que é mais surpreendente? Esses dados não são fáceis de encontrar. Não há mil matérias e destaques falando e reforçando essas afirmações. Inclusive, perguntei para o ChatGPT: “Quem tem o recorde de gols em uma Copa do Mundo?”, e a resposta que ele me deu foi: “O recorde de mais gols em uma Copa do Mundo pertence ao jogador Miroslav Klose, da Alemanha. Ele marcou um total de 16 gols durante as Copas do Mundo de 2002, 2006, 2010 e 2014, superando o recorde anterior de Ronaldo Nazário, do Brasil, que tinha 15 gols”.
Na sequência, perguntei: “Quantos gols em Copa do Mundo a jogadora Marta fez?”. E, ironicamente, a mesma plataforma respondeu: “Até a minha data de corte em setembro de 2021, a jogadora Marta, da seleção brasileira feminina de futebol, tinha marcado um total de 17 gols em Copas do Mundo”.
Ou seja, por um gol a mais Marta é a jogadora com o recorde em gols em Copas do Mundo, e o algoritmo do ChatGPT não sabe reconhecer isso porque o viés inconsciente nos permeia em absolutamente todos os lugares. Na minha primeira pergunta, eu intencionalmente não deixei margem para gênero, não diferenciei se era Copa feminina ou masculina, mas automaticamente o algoritmo considerou como Copa do Mundo apenas a masculina.
Os vieses inconscientes constroem uma forte barreira invisível que dificulta o avanço das mulheres no esporte, nas corporações, na internet e na sociedade como um todo. Não à toa, o rendimento médio mensal das mulheres no mercado de trabalho é 20% menor que o dos homens; as mulheres ocupam apenas 38% dos cargos de liderança e têm apenas 11% de presença em conselhos de empresas; realizam 3 horas a mais de atividades domésticas por semana que os homens; a maternidade solo é realidade para mais de 11 milhões de mulheres no Brasil e, a cada 4 horas, uma mulher é vítima de violência doméstica no país.
Esses são apenas alguns dos dados devastadores de como os vieses inconscientes, ou muitas vezes conscientes, impactam as vidas femininas. Eu, que sempre pensei no assunto, desde que me tornei mãe, penso ainda mais, pois é nas futuras gerações que veremos esses vieses de fato ruírem, a ponto de não fazerem mais sentido. Mas precisamos começar agora, construindo a confiança para que as meninas e mulheres sejam realmente estimuladas, fortalecidas, vistas e reconhecidas por tudo que elas fazem e são capazes.
Todos nós, como cidadãos, temos poder para isso. Temos poder também como profissionais. Sabemos como a publicidade pode influenciar e mudar ponteiros, então vamos usar isso a favor da evolução e transformação. Trago dois exemplos inspiradores. Em 2014, a marca de cuidados íntimos Always nos convidou a refletir sobre em que momento da vida internalizamos a ideia prejudicial de que fazer algo “tipo uma menina” é sinal de fragilidade, fraqueza ou incompetência. Buscando ressignificar essa ideia, mostrou que fazer algo #TipoMenina deve ser sinônimo de fazer algo extraordinário, e que não há limites para o que as mulheres podem alcançar.
Já em 2018, a Barbie lançou a campanha “Dream Gap”, contra o preconceito de gênero, que mostra que a partir dos cinco anos, as meninas deixam de acreditar que podem se tornar CEOs, cientistas e presidentes de um país. Um estudo com pesquisadores das universidades de Nova York, Illinois e Princeton identificou que a partir dessa idade, muitas meninas começam a se ver como menos inteligentes que os meninos, e vão perdendo a confiança em sua competência. Fato que cria uma lacuna que impossibilita as meninas a realizarem os seus sonhos.
É imprescindível que incentivemos e apoiemos as meninas desde cedo. Devemos criar um ambiente em que elas se sintam encorajadas a seguir seus interesses, desenvolver plenamente suas habilidades e alcançar suas ambições, sem o medo de serem julgadas por estereótipos ultrapassados. É urgente romper as barreiras e expectativas de gênero impostas às mulheres desde o nascimento, abrindo espaços para liberdade e oportunidades verdadeiramente igualitárias. Somente assim, teremos cada vez mais na ponta da língua nomes como os de Marta e Formiga, e veremos ainda mais nos holofotes as mulheres conquistando o esporte, o mundo e tudo o que desejarem, pois não há limites para o que nós podemos alcançar.
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