Sentados e observando
Estejam as condições favoráveis ou não, uma hora será inevitável se jogar de volta ao mar
Estejam as condições favoráveis ou não, uma hora será inevitável se jogar de volta ao mar
Nos primeiros meses de 2001, pairavam dúvidas sobre a capacidade de a economia do Brasil manter o ritmo de crescimento registrado no ano anterior, de 4,31%. Os números do ano 2000 eram em boa parte fruto da baixíssima base de comparação estabelecida pelos resultados ínfimos do Produto Interno Bruto em 1999 (0,34%) e 1998 (0,48%). Eu trabalhava no marketing da Rip Curl, marca australiana de surfwear, e tinha acesso aos relatórios de orientações para estratégias e investimentos dos executivos globais para o escritório brasileiro. A recomendação da sede no primeiro trimestre de 2001 era bem clara: o ambiente de negócios era instável e seria preciso mais tempo para uma compreensão melhor do cenário que se consolidaria nos meses seguintes. “Sit and watch”, dizia o texto.
“Sentar e observar”, no jargão de negócios, significa não tomar nenhuma decisão, da qual possa se arrepender depois, enquanto o cenário para investimentos não está bem definido.
A cautela sugerida pelos australianos era um tanto quanto frustrante, mas se mostrou correta em fundamento: o País cresceu apenas 1,39% em 2001, ano marcado pela “crise do apagão”, que culminou com o maior racionamento de energia oficial da história brasileira, iniciado em julho daquele ano e encerrado apenas em fevereiro de 2002.
À espera de uma conjuntura mais definida da corrida presidencial e enquanto o governo atual definha em seus últimos seis meses, ninguém arrisca, ninguém se mexe
Sentar e apenas observar era algo complicado para os meus 24 anos, na época. Remetia às primeiras viagens sozinho com meu irmão mais velho para a praia, no começo da adolescência. Mal colocávamos os pés na areia, e eu já queria me jogar direto no mar. Meu irmão colocava a prancha de lado e sentenciava: “Vamos nos sentar e olhar um pouco.” A observação era necessária para uma análise das mais diversas variáveis a influenciar um dia de surf: quanto tempo havia entre as séries de ondas; qual onda era a maior e qual a melhor da série; qual o fluxo e a força da correnteza; qual o melhor caminho para varar a arrebentação, levando o menor número possível de vagalhões na cabeça. Quanto pior as condições das ondas, mais observávamos. Quanto maiores, também. Distraído, eu olhava, olhava e não via nada: tudo o que aquele contemplar me propiciava era ansiedade e, em dias de grandes ressacas, medo.
Quando finalmente entrávamos na água, meu irmão partia a largas braçadas pelo caminho rumo ao fundo, traçado em sua severa observação, enquanto eu agonizava em meio à zona de impacto com minha ausência de estratégia. Ao finalmente atravessar a arrebentação, o esforço tinha sido tamanho que chegava no pico com os níveis de energia e concentração tão baixos que minavam minhas já parcas chances de sucesso. E então, quando a ação para valer realmente começava, muitas vezes só me restava sentar na prancha e olhar.
Neste momento, sentar e observar é a atitude padrão das grandes empresas no Brasil, especialmente as multinacionais. À espera de uma conjuntura mais definida da corrida presidencial e enquanto o governo atual definha em seus últimos seis meses, ninguém arrisca, ninguém se mexe. Essa postura basicamente trava os negócios na área de comunicação e em todos os setores ao represar o caminho natural do capital privado.
Nas conversas de bastidores com os executivos e líderes das principais agências do País, a expectativa de que esse quadro seja revertido nas próximas semanas é praticamente nula. Até porque os políticos ainda estão em movimentação intensa para fechar os acordos finais para o primeiro turno da eleição — sem contar que o líder das pesquisas até aqui segue fiel à ideia de levar a sua candidatura até o último segundo que a Justiça eleitoral permitir, fator que anuvia ainda mais uma disputa com tantas nuances.
É compreensível que as empresas se sintam inseguras para investir grandes volumes de dinheiro enquanto não conseguem traçar um panorama minimamente confiável do que deve ser o ambiente de negócios para os próximos anos.
Mas é preciso que essa observação seja deveras estratégica e não paralisante: estejam as condições favoráveis ou não, uma hora será inevitável se jogar de volta ao mar.
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