Assinar

Seu cérebro está te enganando

Buscar
Publicidade
Opinião

Seu cérebro está te enganando

Órgão é um dos mais importantes do corpo, mas também nos prega peças


8 de novembro de 2018 - 7h20

Como toda máquina, ele também precisa de um respiro (Crédito: monsitj/iStock)


Cada um de nós carrega uma máquina fantástica dentro da cabeça: o cérebro. É ali que as coisas acontecem. Nós acreditamos que estamos sempre no comando, que somos racionais na maior do tempo e que comandamos o nosso cérebro em nossas decisões, mas o que ocorre quase sempre é o contrário. Somos guiados por circuitos internos do cérebro que nos fazem agir por hábito, estereótipos e decisões muitas vezes inconscientes. Ou seja, o nosso cérebro nos engana quase o tempo todo.

De uns anos para cá, eu passei a ler livros e artigos sobre neurociência, especialmente aqueles mais focados no cérebro. Descobri ao longo do tempo o quanto nós, como seres humanos, negligenciamos o entendimento e cuidado com esse órgão, que é o mais importante do ser humano. Ironicamente, nós cuidamos com mais carinho de outros órgãos do corpo do que do nosso cérebro. Esse texto resume alguns dados e insights que aprendi sobre o cérebro, como ele funciona e nos “engana”. Espero que ajude você da mesma forma como me ajudou. A consciência sobre vários dos pontos abaixo me fez ficar mais atento e cuidadoso com a máquina que levo dentro da cabeça. Para nos tornamos seres humanos melhores, precisamos nutrir e exercitar melhor o cérebro. Esqueça fazer palavras cruzadas, não é disso que estou falando.

O cérebro pesa mais ou menos 1,5 kg, representando de 2 a 3% da massa corporal. Imagine o cérebro como uma máquina repleta de circuitos neurais, compostos de chips de neurônios processadores de informação. Algo similar aos circuitos embutidos nos computadores e smartphones que usamos todos os dias. Ou seja, pense no cérebro como uma máquina repleta de fios, conexões, que não desliga nunca, muito menos quando estamos dormindo.

Como uma máquina, o cérebro precisa de energia para funcionar. E ele consome muita energia: cerca de 20% do nosso oxigênio e de 15 a 20% da glicose. Em alguns casos, por exemplo, quando estamos estudando ou participando de uma discussão mais complexa, o cérebro pode chegar a gastar até 50% de todo o oxigênio disponível no corpo.  Portanto, se você estiver super pressionado, tenso ou prestes a tomar uma decisão difícil, o seu cérebro vai trabalhar num ritmo frenético. Como qualquer máquina, ele estará sujeito a um “super aquecimento” ou poderá “bater pino”. Colocar o cérebro em intensa atividade todo o tempo é o mesmo que colocar o motor de uma máquina em velocidade máxima contínua. Em algum momento ele vai pifar.

Existem de 80 a 100 bilhões de células nervosas (os chamados neurônios) e mais de 160 mil quilômetros de vasos sanguíneos no cérebro, o que é suficiente para dar quatro voltas na Terra. O cérebro possui mais conexões do que o número de estrelas em nossa galáxia. Cada um de nós, carregando esse supercomputador na cabeça, é capaz de escanear e processar imagens complexas em até 13 milissegundos, possibilitando arquivar o equivalente a mil terabytes de informações. Essa máquina fenomenal é formada nos primeiros anos de vida, sendo que uma média de 700 a mil novas conexões entre os neurônios se formam a cada segundo. Baseados em estudos de imagens, neurocientistas afirmam que o cérebro não está completamente maduro até os 25 anos. Por todas essas características que o cérebro é tão demandante, dando a percepção de que o corpo humano trabalha só para ele. Para ter ideia do que estou falando, o cérebro é irrigado por 25% do sangue que circula em todo o corpo e ele, em repouso, produz energia suficiente para acender uma lâmpada de 25 watts.

Não existe nenhum super computador no mundo com essas capacidades… nem perto disso. Aliás, se fosse possível criar um computador com o mesmo número de circuitos do cérebro, ele consumiria uma quantidade absurda de eletricidade: 60 milhões de watts por hora, segundo uma estimativa de cientistas da Universidade Stanford. Isso é o equivalente a 0,4% de toda a energia produzida pela usina de Itaipu, uma das maiores do mundo.

Como será que funciona esse super computador que temos na cabeça? Como podemos moldá-lo para nos prover uma vida melhor? Um artigo assinado por Richard Regan dá alguns insights que nos ajudam nas respostas dessas perguntas. Tal artigo teve origem num webinar dado por Shawna Fraser, do NeuroLeadership Institute, que apresentou fatos sobre como o cérebro funciona. Eis abaixo um resumo.

O cérebro é uma máquina de fazer conexões
O cérebro faz milhões de conexões todos os dias, sem parar. Conexões novas e em larga escala são energizantes, porque levam as pessoas a querer agir e fazer coisas diferentes. Tendemos a encontrar mais e criativas “soluções para os nossos problemas” quando o nosso cérebro consegue fazer novas ligações. Portanto, precisamos criar estímulos para que o cérebro crie novas conexões diariamente. Não apenas os nossos pensamentos podem mudar o cérebro e seus caminhos, mas os pensamentos dos outros podem fazer o mesmo. É por isso que é importante se cercar de pessoas que nos encorajam e nos motivam a aceitar as diferenças. Ao fazermos isso, estaremos estimulando novas conexões.

Não há dois cérebros iguais
Todos os cérebros são diferentes. Cada ser humano tem um conjunto único de circuitos e conexões que moldam os pensamentos que temos sobre as coisas. As funções físicas e mentais básicas, como mover um membro, usam circuitos similares, mas pensamentos sobre questões mais sutis, como propósito e motivação, envolvem conjuntos individuais complexos de circuitos. A forma como cada um resolve um problema é muito individual e usa um caminho próprio de circuitos dentro do cérebro. Outras pessoas provavelmente usarão caminhos mentais diferentes de você para solucionar o mesmo problema. Portanto, cada ser humano é único.

O cérebro é “preguiçoso” e nos cria hábitos de forma inconsciente
Quando estamos diante de uma nova ideia ou comportamento, o nosso cérebro acessa uma espécie de “memória de trabalho”, que é um recurso muito limitado. Falando de outra forma: o cérebro cria circuitos neurais para comportamentos, pensamentos e atividades que se repetem, e ele tenta encaixar tudo que recebe dentro desses circuitos pré-estabelecidos, de modo que, literalmente, ele não precise gastar mais tanta energia em determinadas atividades. É por conta dessa característica que o cérebro nos cria hábitos e nos coloca em “piloto automático” em grande parte dos nossos momentos do dia. Atividades que envolvem tirar as pessoas do piloto automático para o pensamento consciente, exigem muito mais esforço do cérebro. O fato é que quase sempre estamos em “piloto automático” sem sentir, isso tudo porque o cérebro está sempre tentando economizar energia.

Nossa rede neural leva à percepção automática
Os circuitos neurais criados ao longo do tempo dentro da nossa cabeça nos levam à percepção automática, ou seja, as nossas percepções são impulsionadas por circuitos rígidos gravados dentro do cérebro — hábitos antigos — muito mais do que pelo recebimento de dados novos do mundo. Como resultado, as pessoas percebem o mundo de acordo com suas crenças, preconceitos e atitudes, em vez de ver as coisas como são ou como poderiam ser. Os vieses que temos influenciam muito a forma como tomamos decisões.

É fácil criar novas fiações neurais
É praticamente impossível desconstruir a nossa fiação neural existente. O que foi construído está lá, para sempre. No entanto, é fácil criar uma fiação adicional, porque o cérebro está constantemente criando novas conexões. Toda vez que encontramos uma nova pessoa ou entendemos uma nova ideia, literalmente criamos um novo “mapa” em nosso cérebro. Criar novos circuitos pode ser bem fácil. O segredo, se quisermos criar novos circuitos saudáveis de longo prazo, é prestar muita atenção nas atividades que fazemos no dia a dia. A qualidade e quantidade (segundos) do nosso foco são os que provocam a evolução do nosso cérebro ao longo do tempo.

Ao ler os pontos acima chegamos a quatro insights:

  • Nós percebemos o mundo conforme as fiações neurais construídas dentro do nosso cérebro, ou seja, percebemos o mundo de acordo com as crenças, preconceitos e atitudes gravadas em nossa cabeça, em vez de ver as coisas como realmente são ou como poderiam ser.
  • Necessitamos estar atentos que tais estruturas neurais, formadas por circuitos em nossa cabeça, precisam evoluir e isso pode ser feito através do estímulo contínuo da criação de novas conexões dentro do cérebro. Fazemos isso conhecendo novas pessoas, nos expondo a situações fora do nosso cotidiano, saindo da zona de conforto, evitando conscientemente hábitos de todos os tipos e nos desligando do “piloto automático”.
  • Devemos ter foco no que fazemos diariamente, ou seja, viver mais integralmente o que fazemos do que fazer mais, assim desafiamos o cérebro. Devemos fazer isso através de exercícios simples como viver com mais atenção e foco, caso contrário o cérebro vai atrofiar como outras partes do nosso corpo.
  • Tal qual uma máquina, o cérebro precisa parar algumas vezes, se resfriar e até receber uma manutenção. É isso que acontece quando dormimos profundamente ou tiramos um cochilo, ouvimos uma música, nos divertimos e curtimos férias revigorantes. Isso é criar novas fiações, estabelecer novos caminhos nos circuitos do cérebro e sair do “piloto automático”.

Tudo o que fazemos na vida depende do nosso cérebro, por isso precisamos mantê-lo saudável, descansado e estimulado para a nossa jornada diária. Conhecer um pouco mais de ciência nos ajuda a entender esse super computador que carregamos em nossa cabeça. Os truques que ele nos prega são poderosos e nos guiam em nossas atividades diárias, portanto, podemos tomar melhores decisões e desfrutarmos de uma vida melhor ao conhecermos melhor a nossa máquina de pensar. Cuide dele para ele cuidar de você.

Publicidade

Compartilhe

Veja também

  • Quando menos é muito mais

    As agências independentes provam que escala não é sinônimo de relevância

  • Quando a publicidade vai parar de usar o regionalismo como cota?

    Não é só colocar um chimarrão na mão e um chapéu de couro na cabeça para fazer regionalismo